Famosa por causa de Goethe, taverna em Leipzig comemora 500 anos

Famosa por causa de Goethe, taverna em Leipzig comemora 500 anos

"MefistófelesDe início adega para estudantes, Auerbachs Keller ganhou significado mítico ao virar palco de uma cena da tragédia 'Fausto', do poeta alemão. Mas o papel do local na cultura alemã vai mais longe.O Auerbachs Keller é um dos restaurantes mais famosos do mundo. Anualmente são servidos lá 36 mil bifes à rolê caseiros, 90 mil litros de cerveja e a mesma quantidade de vinho. "Temos uns 300 mil clientes por ano, muitos do exterior", relata Tanja Pieper, porta-voz e "embaixadora" do jubileu da casa.

Porém o estabelecimento em Leipzig, no estado da Saxônia, deve sua popularidade sobretudo ao autor alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) que, 250 anos atrás, situou no Porão de Auerbach uma cena central da primeira parte seu icônico poema teatral Fausto, uma tragédia. Esse fato atrai até hoje fãs literários de todo o mundo.

Foi na Páscoa de 1525 que o médico e acadêmico Heinrich Stromer von Auerbach serviu pela primeira vez vinho para estudantes em seu porão. Entre os frequentadores, estava também o teólogo e reformador religioso Martinho Lutero, que durante um tempo chegou a se esconder lá de seus inimigos. Séculos mais tarde, outro frequentador famoso do Auerbachs Keller foi o compositor Robert Schumann (1810-1856).

O ponto alto do quinto centenário é festejado justamente na época pascal com um respeitável banquete, entre outros eventos. "Nós copiamos da época de Goethe: tem um grande 'schlampamp', uma comilança, a santa trindade de 'comida, bebida e boa companhia', em torno de mesas compridas, como nos velhos tempos", antecipa Pieper. Os pratos serão servidos em tábuas e travessas, exatamente como no século 18.

Tudo começa com um pacto com o diabo

O protagonista da tragédia de Goethe é o velho e depressivo professor Henrique Fausto (Heinrich Faust), que vende a alma a Mefistófeles (Mephisto). Sob a condição de nunca se fixar num momento, ao ponto que querer que seja eterno, ele volta a ser jovem e ganha nova vontade de viver.

Porém o diabo tem o dedo na balança, e impele jovem Fausto a seduzir e engravidar a bela e ingênua Margarida (Margarete ou Gretchen). Desesperada, ela mata o recém-nascido, é presa, e no cárcere reza pela redenção divina. No fim da segundo parte da tragédia, será ela a redimir a alma do antigo amado.

Também na cena que se desenrola no Porão de Auerbach, Mefistófeles manipula os acontecimentos. Sob o pretexto de colocar Fausto em "alegre companhia", ele conjura um delicioso vinho com seus poderes mágicos, e mais tarde deixa o local cavalgando um barril.

Hoje em dia, a cada Páscoa se realiza a "Fasskellerzeremonie" (Cerimônia da Adega) no porão dos barris sob o restaurante, a nove metros de profundidade. Na qualidade de "Fasskellermeister", há 30 anos, encarnando Mefistófeles, o ator Hartmut Müller leva os visitantes numa viagem histórico-cultural através das abóbadas da adega.

Primeiro servem-se comida e bebidas e, "a horas avançadas, por uma porta separada, se desce ainda mais, até a Cozinha das Bruxas", conta a porta-voz do local. Nessa pequena câmara, 12 metros debaixo da terra, os comensais recebem uma poção da juventude – assim como Fausto no início da peça.

Pieper segue descrevendo a folia para turistas, que em seguida devem "recitar o be-a-bá da feitiçaria e dançar num pé só em torno da fogueira das bruxas". Por fim, há um concurso para ver quem consegue montar no Grande Barril – como Mefistófeles ao fim da cena na taverna. O vencedor pode ficar com ele, "mas o barril continua sob a nossa custódia", esclarece a embaixadora do jubileu.

Da velha saga ao "Fausto de Bach"

A tragédia de Fausto ocupou o poeta alemão de 1772 a 1828. Porém ele não a inventou do nada: sua origem está numa saga folclórica, Historia von D. Johann Fausten, publicada por Johann Spies em 1587, a qual, já no fim do século 16, também inspirara a peça teatral do inglês Christopher Marlowe (1564-1593) A trágica história da vida e morte do Doutor Fausto.

Goethe já conhecia os contos de Spies, porém ao avistar na adega de Auerbach duas tábuas de madeira de 1625 ilustrando a cavalgada do barril do mago Doutor Faustus, ele ficou tão fascinado que decidiu incluir o episódio em sua tragédia. As tábuas históricas estão penduradas até hoje no Salão Goethe, que comporta 30 comensais. Com o mesmo número de lugares, a sala Lutherstübchen homenageia Lutero.

No século 18, o Auerbach era uma gigantesca adega onde se servia exclusivamente vinho. A bebida ainda não era engarrafada, mas servida diretamente a partir dos barris. A comida vinha da taverna Auerbachs Hof, que não existe mais. Só no século 19 se passou a cozinhar no Auerbachs Keller.

Faz parte também do jubileu de 500 anos o Bachs Faust, uma espécie de musical de Michael Maul, diretor artístico do festival dedicado a Johann Sebastian Bach (1685-1750) em Leipzig, todos os anos em junho. De 1723 até sua morte, o compositor atuou como Thomaskantor, ou seja, diretor musical da Igreja de São Tomás. Seu caminho diário para o trabalho passava pelo Auerbachs Keller.

"No Fausto, Goethe também menciona muita música, sem precisar qual fosse", explica o diretor do Bachfest. Mas, como o autor estimava muito a obra bachiana, em sua peça Maul decidiu acompanhar, ilustrar e comentar o Fausto com corais e árias do mestre barroco. Ele dá um exemplo:

"Quando, no começo do drama, Fausto quer acabar com a própria vida, no momento em que prepara a poção, ele ouve, à distância, o hino de Páscoa Christ ist erstanden [Cristo se levantou]. Na nossa peça, se escuta o coral de Bach Christ lag in Todesbanden [Cristo jazia acorrentado pela morte]."

Com atores, cantores e instrumentistas, Bachs Faust estreou em 15 de junho de 2025 no grande salão do Auerbachs Keller. Um grande encontro de monstros sagrados da cultura alemã em Leipzig.