Diante da burocracia e da falta de crianças para adotar, cada vez mais croatas recorrem ao exterior. Mas a prisão de quatro casais expôs os perigos da adoção em países em crise, como a República Democrática do Congo (RDC).

Oito croatas foram detidos na Zâmbia em dezembro enquanto tentavam deixar o país com quatro crianças da vizinha RDC. Eles foram acusados de tráfico humano.

O caso gerou preocupação entre as autoridades da Croácia, um pequeno país dos Bálcãs com menos de quatro milhões de habitantes e uma tradição católica profundamente enraizada.

A mídia e as redes sociais espalharam acusações de “compra” de menores e “pedofilia”.

“Se alguém paga para adotar, só existe uma descrição: tráfico de crianças”, dizia a manchete do jornal Vecernji List.

As famílias adotivas se sentem condenadas à exclusão.

Djurdjica Krmelic, que mora em uma cidade perto de Zagreb, contou uma conversa recente com sua filha, que foi adotada na RDC.

“Ela me perguntou o que dizer na escola se perguntassem se havia sido comprada”, disse Krmelic à televisão RTL.

A RDC é um dos destinos favoritos dos potenciais pais croatas. Na última década, entre 94 e 131 crianças congolesas foram adotadas por famílias croatas, segundo o governo.

– “Medo imenso” –

Vários pais explicaram à AFP que, devido ao desânimo na Croácia, se voltaram para o país africano, onde dois terços dos seus 100 milhões de habitantes vivem abaixo da linha da pobreza.

Na Croácia, os adotantes enfrentam uma longa corrida burocrática e o número de crianças para adoção é muito baixo.

Estes pais reconhecem que o processo foi estressante, a começar pela necessidade de viajar para outros países, como a Zâmbia e o Quênia, para ir buscar as crianças, devido à instabilidade na RDC.

“Havia uma incerteza imensa, um medo imenso, não sabíamos se tudo ia acabar bem”, disse à AFP uma mãe que adotou várias crianças na RDC.

A mulher, que pediu anonimato, trabalhou com um advogado congolês para obter documentos legais para finalizar as adoções.

“Eu queria ser mãe”, disse ela, explicando que o câncer a impediu de ter filhos biológicos. “Há muitas crianças que precisam de uma família”, acrescentou.

Mas desde a prisão dos quatro casais, surgiram dúvidas sobre a regularidade do processo.

Desde 2017, a adoção de crianças por estrangeiros é ilegal na RDC, disse à AFP Gauthier Luyela, diretor de proteção da infância do Ministério de Gênero, Família e Crianças, em Kinshasa.

Luyela também desmentiu a ideia de que os pais tenham se beneficiado de qualquer tipo de isenção e falou da possibilidade de as crianças em questão terem sido “roubadas” por traficantes e depois entregues a famílias croatas.

A RDC é atormentada pela pobreza, por conflitos armados no leste e pela corrupção endêmica há anos.

Os pais croatas afirmam que pensaram ter obtido os documentos congoleses adequados.

“Se era ilegal, por que as autoridades não fizeram perguntas ou impediram?”, questiona uma mãe.

As autoridades croatas prometeram apoiar os detidos na Zâmbia, cujo julgamento terá início no começo de março.

“A situação é séria e estou preocupado”, declarou recentemente o ministro da Justiça croata, Ivan Malenica.

Enquanto isso, o primeiro-ministro, Andrej Plenkovic, pediu aos croatas que evitem o “discurso de ódio” dirigido especialmente a um dos suspeitos, que é transexual.

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