Na família Grael, ocasiões especiais são celebradas em um veleiro centenário que pertenceu a Preben Schmidt, avô de Torben, maior medalhista olímpico da história do Brasil. A embarcação, batizada de Aileen, participou da Olimpíada de Estocolmo-1912 e chegou ao Brasil dez anos depois, dando início à história da mais premiada dinastia do esporte no País. Foi nela que Torben e Lars – os irmãos que, juntos, conquistaram sete medalhas para o esporte brasileiro – aprenderam a conhecer o vento, compreender as marés, interpretar as ondas e achar os melhores caminhos no mar, que, para os meros mortais, é apenas uma imensidão indecifrável de água. Na última quinta-feira 18, a filha de Torben, Martine Grael, e a parceira dela, a também filha de velejador Kahena Kunze, conquistaram uma medalha de ouro na recém-criada classe 49er FX e mostraram que talento e perseverança no mar são qualidades que podem ser passadas de geração em geração.

Pioneirismo Lars Grael (à esq.), tio de Martine, e o parceiro de vela Kiko Pellicano, conquistaram o bronze nos Jogos de Atlanta, em 1996
Pioneirismo Lars Grael (à esq.), tio de Martine, e o parceiro de vela Kiko Pellicano, conquistaram o bronze nos Jogos de Atlanta, em 1996

A conquista de Martine e Kahena foi uma premiação ao pensamento tático e ao conhecimento das condições climáticas na Baía de Guanabara, onde a dupla treina regularmente. Na última “volta”, o time estava atrás das neozelandesas, que, se chegassem à frente, conquistariam o ouro. Foi então que Martine e Kahena decidiram fazer a volta na boia pelo lado oposto ao das adversárias, a fim de aproveitar uma rajada de vento que, elas esperavam, viria no momento exato. “Decidimos ir pela esquerda, e foi uma decisão bem difícil”, afirmou Martine. “Já estávamos a caminho para cruzar e, se não houvesse vento, seria muito complicado.” A aposta deu certo. A partir daquele momento, as brasileiras lideraram até cruzar a linha de chegada, poucos metros à frente das adversárias da Oceania.

Conquista Torben Grael (à dir.), pai de Martine, é ouro ao lado de Marcelo Ferreira na Olimpíada de Atenas, em 2004
Conquista Torben Grael (à dir.), pai de Martine, é ouro ao lado de Marcelo Ferreira na Olimpíada de Atenas, em 2004

MAIS MEDALHAS DO QUE ISRAEL

Ao celebrar o primeiro lugar, Martine comemorou também a continuidade das vitórias olímpicas da família. O pai dela, Torben, ganhou cinco medalhas entre 1984 e 2004, incluindo dois ouros. O tio, Lars, é dono de dois bronzes. Com a conquista da jovem de 25 anos no Rio, os Grael chegam a oito pódios olímpicos e superam países como Israel e Sérvia em total de medalhas na história dos Jogos. Se forem considerados os três ouros, os Grael também “vencem” países como Peru, Uruguai, Chile e Venezuela. E a trajetória tem tudo para ser ainda mais vitoriosa. Marco Grael, de 27 anos, o outro filho de Torben, participou das disputas na Rio-2016 ao lado de Gabriel Borges. Embora não tenha conseguido se classificar para a regata de medalha na classe 49er, a dupla mostra potencial para melhorar os resultados.

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Martine e Kahena formam uma dupla que veio se ajeitando aos poucos. Elas se conhecem desde pequenas e chegaram a competir como rivais. Na primeira vez em que experimentaram velejar lado a lado, foram campeãs no Mundial da Juventude pela classe 420. Kahena esperava que Martine a convidasse para disputar a classe 470 em Londres-2012, mas a jovem acabou competindo na primeira Olimpíada ao lado da veterana Isabel Swan. Kahena, então, se afastou dos torneios para prestar vestibular. Mas a parada não durou muito tempo. No fim de 2012, Martine chamou a amiga para formar parceria na nova classe 49er FX. Era um desafio para ambas. O barco, mais veloz (alcança 37 km/h) e muito mais instável, era quase um desconhecido. Para controlá-lo, as atletas ficam “penduradas”, fazendo contrapeso à pressão do vento nas velas, administradas por Kahena. Martine é a timoneira, dá direção à embarcação. Depois da união definitiva, a sintonia fina logo foi alcançada. Em 2014, a dupla chegou ao título mundial. Em 2015, conquistou a prata no Pan de Toronto. Em 2016, na Olimpíada no quintal de casa, veio o ouro e a certeza de que, nessa história de medalhas ao mar, muitos capítulos ainda serão escritos.