Édramática a situação das pessoas que sofrem no Brasil de doenças raras, a maioria de fundo genético, diante da escassez de medicamentos que são estratosfericamente caros. O Ministério da Saúde tem obrigação legal de fornecer, via SUS, tais remédios, mas não o vem fazendo. Dos quarenta e sete fármacos destinados a esse fim que sumiram, trinta e um deles tem sua compra e disponibilidade sob a exclusiva responsabilidade do Ministério. Os enfermos obrigatoriamente têm de manter o uso do medicamento no dia e hora exatos da prescrição médica para não morrerem. Na maioria dos casos, a terapia requer a continuidade. Ou seja, não pode haver interrupções. “Em 2022, o tempo médio que os pacientes têm ficado sem a medicação chega há sessenta dias”, diz Priscila Torres, coordenadora da organização não governamental BioRed Brasil. A ONG, além de monitorar estatisticamente esse cenário, ajuda as pessoas a regulamentar a sua documentação para ter acesso ao medicamento.

Priscila explica que essa conjuntura afeta 40% dos pacientes. Mais de cinco mil pessoas já relataram estar sem os seus remédios.

Os pacientes, geralmente, não têm condições financeiras para comprar tais medicamentos. Dessa forma surge o questionamento. Por que a pasta da Saúde não os tem comprado e, muito menos, disponibilizado esses produtos vitais? Incompetência, descaso, omissão ou boa dose de todas essas hipóteses juntas? “Percebemos que nos últimos dois anos o problema aumentou”, diz Priscila.

Ocorre a seguinte situação: não há carência de matéria-prima, o que poderia ser o motivo para o não abastecimento. Como, aliás, aconteceu recentemente com alguns fármacos mais simples. Também não se pode alegar que o fornecimento foi prejudicado por problemas de importação devido à guerra na Ucrânia.

PERIGO Jéssica Silva de Morais e sua filha Heloisa: para o remédio não acabar antes do tempo e a menina morrer, a mãe dá o comprimido dia sim, dia não (Crédito:Marco Ankosqui)

Muito diferente do que aconteceu quando do surgimento da Covid, para a medicação de alto custo é possível calcular gastos e manter uma agenda. Assim, o ministério garantiria a aquisição desses remédios. Ou seja, o governo sabe qual é a quantidade de doentes que devem ser atendidos. “Como tem conhecimento prévio, o Ministério da Saúde está cometendo uma desumanidade absurda”, afirma o médico sanitarista Gonzalo Vecina.

Ele pontua que se trata de algo preocupante, pois pode matar. “A ausência de remédios de alto custo não representa a mesma coisa que a falta de dipirona. Tem óbitos associados a esse fato”.

Continuando pelo calvário, as pessoas dizem, em meio às lágrimas, que são obrigadas a fazer manobras terapêuticas para que o pouco medicamento que têm em mãos dure tempo suficiente para que, enfim, chegue à farmácia especifica o complemento.

Jéssica Silva de Morais conta que sua filha Heloisa de 7 anos de idade possui uma doença no fígado que a impede de comer qualquer tipo de proteína. Sua dieta é composta basicamente de legumes, verduras e frutas. Ela necessita para viver de um carissímo remédio. Para que Heloisa se mantenha saudável a família teria de desembolsar mensalmente algo em torno de R$ 50 mil por mês. “Impossível. Há dois meses tenho que esticar o tratamento da minha filha”, afirma Jéssica. Quando ela diz “esticar” quer dizer o seguinte: há dias em que Heloisa toma o comprimido e em outros não.

Jéssica vale-se de um grupo de mães que tem ou tiveram filhos nas mesmas condições para preencher um mês de terapia. Cada lata de leite que Heloisa consome, que teria de ser fornecidas pelo SUS, custa R$ 2.300. O caso dela não tem cura, mas a criança se encontra assintomática, dado que o diagnóstico ocorreu de forma precoce.

O que deixa Jéssica preocupada, ou, melhor apavorada, é a possibilidade de Heloisa ficar sem remédio, o que fatalmente colocaria a vida da menina em perigo. Existem outros casos de igual teor dramático, envolvendo crianças. Mas, os adultos também são vítimas da inoperante gestão de Saúde do governo Bolsonaro.

Elaine Gouveia Ferreira Domingues tem artrite reumatóide e a Síndrome Sjögren que lhe causam dores lancinantes nas articulações, além de múltiplas inflamações. Ela toma uma droga que lhe resolve os problemas. Acontece, porém, que Elaine enfrenta dificuldades para conseguir encontrá-la na farmácia de alto custo. “E uma luta. Só pego o remédio de vez em quando”, diz. Ela conta que em dois anos de tratamento está há três meses sem os comprimidos. “Também tenho de esticar a medicação para cobrir o mês”. Elaine, assim como todas as pessoas nesse contexto, tem rezado muito para que os medicamentos não sumam de vez, pois quem de sumir mesmo é Bolsonaro e os negacionistas no campo da saúde.

R$ 11 mil

Rituximabe

Indicado para artrite reumatóide

R$ 7 mil

Secuquinumabe

Usado contra a esclerose múltipla

R$ 10 mil

Adalimumabe

Serve para espondilite anquilosante

R$ 25 mil

Risanquizumabe

Utilizado na terapia de enfermos com psoríase

Em todos os casos a quantidade de droga disponibilizada durante o governo Bolsonaro não cobre o período de tratamento