Surpresa! Contrariando as expectativas, o STF decidiu que não pode haver reeleição para as presidências da Câmara e do Senado na mesma legislatura. É isso o que diz explicitamente a Constituição. Mas, na sexta-feira passada, tudo indicava que haveria uma “supremada”, com interpretação criativa do texto constitucional. 

Faltava apenas um voto para que o senador Davi Alcolumbre pudesse pleitear sua recondução ao cargo, e dois votos para que o deputado Rodrigo Maia tivesse a mesma oportunidade. Mas, no fim de semana, o roteiro foi jogado fora. Os seis ministros que ainda não haviam votado foram contra a reeleição. 

No meu artigo anterior, apostei que a tese da reeleição venceria porque havia notícias dos bastidores da corte dizendo haver maioria nesse sentido.

O voto do relator do caso, o ministro Gilmar Mendes, não seria uma tese pessoal. Ao contrário, teria sido costurado em negociação com os colegas. Com a virada de última hora, Gilmar Mendes e os quatro ministros que seguiram com ele – Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e o novato Kassio Marques – ficaram ao relento. As antipatias e cisões do tribunal vão se aprofundar. Haverá sequelas. 

Acho que o resultado do julgamento foi correto, como escrevi na semana passada, mas veio tarde para fazer do Supremo o mocinho dessa péssima novela. O tema era politiqueiro, não dizia respeito a nenhuma grande questão nacional, mas às ambições de um punhado de políticos. É exatamente o tipo de caso em que os ministros não deveriam nem pensar em interpretar a Constituição de maneira criativa. Se o texto diz não, que seja não.

Passada a frustração inicial, é bem provável que Alcolumbre e Maia se articulem e consigam manter o seu grupo no comando das Casas, com grau significativo de influência em decisões importantes. Jogo que segue. Para o Supremo, fica o ônus de ter se imiscuído na política mais comezinha. Ônus de imagem e perda de harmonia interna.

Como também escrevi na semana passada, não sou um xiita da literalidade. Não fico arrancando os cabelos cada vez que o Supremo se desvia do sentido mais óbvio do texto legal. A ideia de uma corte constitucional com zero de ativismo é uma fantasia. Em nenhum lugar do mundo funciona assim.

 A “interpretação conforme”, uma das principais ferramentas do STF para modificar o sentido de leis e da própria Constituição, inclusive com alterações de texto, não é uma jabuticaba. Como tantas outras coisas no Direito brasileiro, foi tomada de empréstimo de juristas franceses, italianos, alemães. 

Uma vez que os ministros do STF têm a prerrogativa de interpretar a Constituição, é fútil esperar que eles se limitem a aplicá-la com automatismo. O que se deve pedir dos ministros, isso sim, é prudência – aquilo que os romanos, na Antiguidade, já consideravam a principal característica de um juiz. Prudência para escolher bem as causas onde exercer sua liberdade. Prudência para escolher o momento de julgar temas difíceis. 

O Supremo já tomou decisões ousadas sem perder legitimidade. Por exemplo, ao atribuir à união civil entre pessoas do mesmo sexo efeitos iguais aos de um casamento. É claro que o tribunal atua de maneira política nesses momentos. Mas não politiqueira, o que faz toda a diferença. 

Tem faltado prudência ao STF.