26/02/2024 - 19:03
O “comerciante de vinhos” a cortejou on-line durante meses com seu sorriso sedutor e suas mensagens de texto cheias de emojis. Depois, aplicou um golpe de 450.000 dólares (R$ 2,24 milhões) na profissional de tecnologia radicada na Filadélfia, em uma fraude romântica realizada por meio de transações em criptomoedas.
O golpe aplicado contra Shreya Datta, 37 anos, que acabou com suas economias e o fundo de aposentadoria enquanto ela era sobrecarregada por dívidas, envolveu o uso de vídeos alterados digitalmente e um roteiro tão sofisticado que ela sentiu que “tinham hackeado seu cérebro”.
A fraude é comumente conhecida como “abate do porco”, em alusão às vítimas, comparadas a porcos, que são engordadas pelos fraudadores com amor e afeto antes de sofrerem o golpe financeiro, levando-as a fazer investimentos falsos em criptomoedas.
O crescimento rápido desse tipo de golpe, que se acredita ser orquestrado por quadrilhas criminosas do sudeste asiático, causou prejuízos na casa dos bilhões de dólares nos Estados Unidos, e as vítimas dizem haver poucas formas de recuperar o dinheiro.
Como ocorreu com muitas vítimas, a experiência de Shreya Datta começou em um aplicativo de relacionamento, o Hinge, onde ela conheceu “Ancel”, que se apresentou como um comerciante de vinhos francês residente na Filadélfia.
Shreya admitiu ter se sentido “bombardeada por seu carisma” quando a conversa passou a fluir rapidamente para o WhatsApp. Seu pretendente, um amante da prática de atividades físicas com sorriso sonhador, apagou seu perfil no Hinge para lhe dar uma “atenção concentrada”, o que, para ela, foi uma experiência animadora na era dos relacionamentos fugazes mantidos on-line.
A partir de então, começaram a trocar selfies, emojis e fizeram videochamadas rápidas, nas quais o homem se mostrava gentil, mas “tímido”, e posava com um cão ao lado. Mais tarde, porém, descobriu-se que se tratava de deepfake, produzida com tecnologia de Inteligência Artificial (IA).
Os dois trocavam mensagens de texto diariamente e Ancel lhe perguntava sobre coisas cotidianas, como se ela havia almoçado, aproveitando-se do desejo de Datta de ter um companheiro carinhoso após o seu divórcio.
Os planos de se encontrar pessoalmente eram adiados seguidamente, mas isso não despertou suspeitas imediatas nela. Até que ela recebeu um buquê no Dia de São Valentim, em fevereiro, quando se comemora o Dia dos Namorados em vários países do mundo, enviado por Ancel enviado de uma floricultura da Filadélfia com um cartão dedicado a ela como “Honey Cream” (creme de mel).
Quando ela lhe mandou uma selfie posando com as flores, ele respondeu com uma sequência de emojis vermelhos com marcas de beijos, segundo trocas de mensagens por WhatsApp às quais a AFP teve acesso.
Foi assim que “Ancel” vendeu um sonho a Shreya. “O sonho era: ‘Vou me aposentar cedo, estou bem. Qual é o seu plano?'”, contou a imigrante indiana à AFP. “Então, ele me disse: ‘Ganhei todo este dinheiro investindo. Você realmente quer trabalhar até os 65 anos?'”
Foi então que ele enviou a ela um link para baixar um aplicativo de transação de criptomoedas, que vinha com autenticação de dois fatores, para parecer legítimo, e mostrou-lhe o que chamou de operações rentáveis por meio de capturas de tela comentadas, às quais a AFP teve acesso.
Shreya converteu algumas de suas economias em criptomoedas na plataforma Coinbase, sediada nos Estados Unidos, e o aplicativo falso lhe permitiu, inicialmente, ter acesso a seus primeiros lucros, o que aumentou sua confiança em investir mais.
“Quando se ganha quantidades astronômicas de dinheiro operando, a percepção normal de risco muda”, contou Shreya.
Assim, Ancel a incentivou a investir um volume maior de suas economias, a pedir empréstimos e, apesar de inicialmente resistir, a liquidar seu fundo de aposentadoria. Foi então que veio sua ruína financeira.
Esse é apenas um dos casos desse golpe em particular. Esse tipo de fraude parece estar em ascensão. Em 2023, mais de 40.000 pessoas denunciaram ao FBI fraudes com criptomoedas, com prejuízos totais de mais de 3,5 bilhões de dólares (R$ 17,4 bilhões), segundo números enviados à AFP pela polícia federal americana.
Os valores são subestimados, uma vez que as vítimas, envergonhadas, raramente contam suas histórias. Nesse sentido, Shreya disse que também tem que lidar com julgamentos públicos de pessoas que lhe dizem coisas do tipo: “Como você pode ser tão estúpida?”.
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