“Declaro minha perplexidade”, disse o prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa em relação à explosão de protestos no Chile onde, assegurou, “não há pobreza extrema”. A AFP Factual revisou estatísticas oficiais e constatou que sim, existe pobreza extrema no país, embora seja uma das mais baixas da região.

“O Chile é o país que progrediu mais extraordinariamente na América Latina (…) Não há pobreza extrema, provavelmente é o único país da América Latina sem pobreza extrema”, afirmou o escritor peruano durante a apresentação de seu último romance, “Tiempos recios”, na Feira do Livro de Miami, em 4 de dezembro.

“Víamos no Chile um modelo para sair do subdesenvolvimento. Não podia ser Cuba, nem a Venezuela, nem a Nicarágua. Era o Chile”, acrescentou.

Os protestos no Chile começaram em 18 de outubro a partir da alta nos preços dos transportes públicos. Rapidamente, as manifestações se estenderam a outras demandas sociais, desatando uma crise política e econômica para o governo de Sebastián Piñera.

A AFP Factual revisou as comparações regionais publicadas pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e os números oficiais do Chile na Pesquisa de Caracterização Socieconômica Nacional (Casen). Ambos os registros documentam que no país existe, sim, a pobreza extrema.

– O que é a pobreza extrema? –

Laís Abramo, socióloga e diretora da Divisão de Desenvolvimento Social da Cepal, explicou à AFP que uma pessoa está em situação de pobreza extrema quando seus rendimentos “são menores que o valor da cesta básica de alimentos”. Ao contrário, a pobreza total ou não extrema se refere a rendimentos menores que uma cesta básica total, ou seja, aquela que considera alimentos, vestuário, transporte, etc, segundo os critérios do organismo.

O último informe da Cepal, “Panorama Social da América Latina 2019”, mostra que a taxa de pobreza extrema no Chile em 2017 – última cifra disponível, pois não é atualizada anualmente – é de 1,4% do total de habitantes. É a cifra mais baixa depois do Uruguai, que registrou 0,1% este ano.

A Cepal recebe as cifras oficiais de cada país, mas aplica uma metodologia uniforme a todos para poder realizar as comparações.

“Nem sempre é igual à metodologia de cada país”, assegurou Abramo, e explicou que nos anos sem indicadores não se receberam dados atualizados. No caso do Chile, por exemplo, se baseiam na pesquisa Casen, publicada a cada dois anos.

– As cifras do Chile

A pesquisa Casen é elaborada pelo Ministério do Desenvolvimento Social desde 1990. Os últimos resultados, publicados em 2018 com base em dados de 2017, mostraram que 2,3% da população vive em condições de extrema pobreza (o equivalente a 412.839 pessoas).

Segundo o Ministério, estas pessoas têm um rendimento inferior a dois terços da linha da pobreza, que em 2017 era de 158,145 pesos mensais (218,55 dólares) em um lar composto por uma pessoa.

Estes percentuais diferem dos da Cepal, pois utilizam metodologias diferentes sobre a mesma base de dados da consulta Casen, segundo a Abramo.

O economista da Fundação Sol, Marco Kremerman, assegurou por sua vez que a afirmação de Vargas Llosa “claramente é falsa, só olhando a consulta Casen, por exemplo”. Além disso, acrescenta que as cifras desta medição e as que a Cepal recompila são incompletas e poderiam, inclusive, ser maiores. “A diminuição da pobreza extrema não se deve ao aumento do rendimento autônomo, mas a subsídios do Estado”, explicou à AFP Factual.

David Bravo, também economista e diretor do Centro de Pesquisas e Estudos Longitudinais da Universidade Católica do Chile, também afirma que os dados oficiais demonstram que há, sim, pobreza extrema e que a taxa diminuiu porque “o Chile teve uma alta taxa de crescimento, e ao mesmo tempo teve uma política de expansão do gasto social e políticas que concentraram seus gastos nos mais pobres”, disse à AFP.