ENTRE NÓS – A FIGURA HUMANA NO ACERVO DO MASP/ Centro Cultural Banco do Brasil, Rio/ de 7/2 a 10/4

Desde sua fundação, em 1947, o Masp coloca sua coleção para circular em mostras que já passaram pela Orangerie, de Paris, e pelo Metropolitan, de Nova York, nos anos 1950; e travaram intercâmbios com o Japão, nos anos 1970 e 1990. Esse trânsito está sendo retomado na mostra “ENTRE NÓS – A Figura Humana no Acervo do Masp”, que itinera pelas sedes do Centro Cultural Banco do Brasil, começando pelo Rio. O tema do retrato é, em realidade, uma figura de linguagem para apresentar ao público brasileiro as diversas faces do maior acervo da América Latina.

O primeiro e talvez mais marcante traço identitário da coleção é a arte europeia. Apontam os curadores Rodrigo Moura e Luciano Migliaccio, que coube aos fundadores do museu — o empresário das comunicações Assis Chateaubriand e o crítico e marchand Pietro Maria Bardi — perceber e atender o anseio da burguesia paulista por formar um grande acervo de arte ocidental. Adquiriu-se então a maior parte de sua coleção na década imediata à Segunda Guerra, favorecendo-se da baixa do mercado europeu.

As prioridades iniciais foram o renascimento e o barroco italiano e a escola francesa. Na mostra do CCBB Rio, foram incluídas obras de artistas holandeses, como Van Dyck, e espanhóis, como Goya. Da arte brasileira, Bardi tinha um olho especialmente afiado para o modernismo: Flavio de Carvalho, Anita Malfatti, Segall, Pancetti, Burle Marx, Brecheret, Portinari — que foi convidado a fazer a primeira exposição monográfica do museu, em 1948. A mostra relembrada ano passado em Portinari Popular. Os modernos integram massivamente a exposição no CCBB.

DESCONSTRUÇÃO DA POSE Retratos de Goya, Barbara Wagner (à esq.) e Albino Braz (acima), da coleção do Masp
DESCONSTRUÇÃO DA POSE  Albino Braz , da coleção do Masp

Menos relevante — do ponto de vista de volume de obras no acervo — foram as pesquisas e aquisições de artistas fora do cânone moderno. Apesar de terem sido tema de grandes mostras como “Arte Popular no Nordeste”, ou “Viva o Povo Brasileiro”, poucos artistas da vertente dita popular foram assimilados à coleção ao longo da história de 70 anos do museu. Eles compunham, sim, a coleção pessoal de Lina Bo e Pietro Maria Bardi, mas essa lacuna vem sendo sanada em aquisições recentes, como a doação de cinco pinturas de Agostinho Batista de Freitas (1927-1997),.

O esforço da atual diretoria artística em reforçar as coleções de arte não ocidental do museu e, principalmente, em equilibrar esses conjuntos, reflete-se na curadoria de “ENTRE NÓS”, que assimila, por exemplo, desenhos de Albino Braz, paciente do Hospital psiquiátrico do Juquery. Embora tenham sido doados pelo psiquiatra Osório César nos anos 1970, nenhum dos cerca de 100 desenhos chegou à sala dos cavaletes de vidro. Agora eles circulam por três estados brasileiros.

Está claro que essa postura “multicultural”, que busca relações entre pintores europeus e obras fora dos padrões estéticos ocidentais, está buscando outro parâmetro para a história da arte brasileira.

ROTEIROS
Matriz brasilera

JOSÉ ANTÔNIO DA SILVA – A VIDA NÃO BASTA/ Galeria Almeida & Dale, SP/ 13/2 a 4/3

Enquanto o Masp expõe Agostinho Batista de Freitas, a galeria Almeida & Dale expõe outro grande nome que por muito tempo foi identificado como artista de matriz “popular”: José Antônio da Silva (1909-1996), que teve uma tela adquirida pelo Masp em 1949. Mas a crítica brasileira concorda hoje que não cabe estabelecer limites rígidos entre arte dita erudita e arte dita popular. É baseada nesse ponto de vista que a curadora Denise Mattar se utiliza de uma frase de Ferreira Gullar – “a arte existe porque a vida não basta” – para nomear a mostra “José Antônio da Silva – A Vida Não Basta”.

Nos anos 1950 e 60, enquanto Ferreira Gullar e os artistas da vertente neoconcretista, no Rio de Janeiro, começavam a explorar as relações entre arte e vida a partir de uma pesquisa de origem geométrica, Silva trabalhava a paisagem do interior de São Paulo e o cotidiano do homem do campo. Seu comprometimento com a pintura figurativa, no entanto, não pode ser considerado um diferencial em relação à arte “erudita” que se praticava na cidade.40

Hoje reconhece-se que, graças a falta de vínculo com a historiografia da arte europeia, a obra de José Antônio da Silva apresenta um frescor e um modo de fazer completamente original. Não há nenhuma evidência de que sua técnica pontilhista, por exemplo, se relacione à pintura de Van Gogh e ao pontilhismo europeu, como já chegou a ser comparada. “Não existe termo de comparação entre os artistas, e vale observar que Silva sempre chamou seu trabalho de pontilhado, que remete a um ponto de bordado, muito utilizado em alguns tipos de tapeçaria”, afirma a curadora da mostra na Almeida & Dale. PA