Retratos de nobres antigos parecem inertes e opacos. Mas foram eles que a escritora inglesa Philippa Gregory escolheu arrancar das paredes e trazer de volta à vida. A façanha transformou-a em uma fabricante de rainhas — em especial inglesas nascidas entre a Idade Média e o século 17, protagonistas de seus romances. Doutora em Literatura do Século 18 pela Universidade de Edimburgo, diz que sua formação em pesquisa histórica ajuda, mas não é suficiente na feitura de um enredo plausível. “Para despertar interesse, você deve inserir detalhes na narrativa para que as pessoas se sintam dentro da história”, diz. “É preciso pesquisar para saber sobre o que está escrevendo. Mas não adianta martelar o leitor com tudo o que estudou. Ele vai desistir do livro — e, pior, de você.“

Gregory virou também doutora em fisgar o leitor. Aos 64 anos e 41 livros, quase todos de sucesso, publicados desde 1987, vendeu 30 mil exemplares no Brasil e 1 milhão nos Estados Unidos. Embora produza outros gêneros — contos infantis, histórias de amor e “smart thrillers” como a série “A Ordem da Escuridão” — ficou famosa pela saga de romances históricos sobre as mulheres das dinastias Plantageneta e Tudor, que rendeu séries de TV e filmes. Em 2017, a saga se encerrou com o 15º volume, “The Last Tudor“, sobre Jane Grey, que reinou por nove dias para ser decapitada. O 13º volume, “A Rainha Domada” (2015), lançado no Brasil pela editora Record, aborda a vida de Catarina Parr, a sexta e última esposa de Henrique VIII. Os dois títulos restantes devem ser lançados neste ano: além de “The Last Tudor”, “Three Sisters, Three Queens” (2016), com as aventuras de três amigas que subiriam sucessivamente ao trono: Margarida e Maria Tudor e Catarina de Aragão.

“Vivo em busca das personagens com vidas extraordinárias”, afirma. “Na Idade Média, assim como hoje, o mundo era repleto de mulheres talentosas, poderosas, determinadas, belas e inteligentes que foram negligenciadas. Tenho uma visão feminista da história.”

Hipóteses

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Ao valorizar vultos femininos jogados ao segundo plano por gerações de historiadores, ela antecipou a moda atual de romances, séries televisivas e filmes sobre a realeza, aos quais ela inspirou, como as séries “The Tudors” (2007) e “Game of Thrones” (2011). Ela diz preferir a imaginação das duas a certas obras falsamente documentadas. “Mas a minha marca é a precisão”, afirma. Ainda assim, acadêmicos como o inglês David Starkey condenam como ela extrapolou as fontes no livro “A Irmã de Ana Bolena” (2001), base para o filme “A Outra” (2008), para criar cenas impactantes. “Não passa de um romance barato”, afirmou Starkey. “Temos que parar de tratar romancistas históricos como historiadores sérios.”

Gregory diz que não advoga para si o título de historiadora. Ela se contenta com a estima da maior parte dos críticos literários, que elogiam a forma como une rigor e emoção e assim influencia, a um só tempo, as culturas pop e erudita. Graças a suas investigações recheadas de hipóteses cabíveis sobre a vida íntima das personagens, hoje seguidas por outros autores, os retratos de mulheres do passado perderam em inocência para ganhar em humanidade. Por causa dela, proliferam rainhas decididas em lutas sucessórias, reais ou imaginárias. Apoiada no realismo e no bom senso, Philippa Gregory rejeita a facilidade e os excessos da fantasia e do “soft porn” que alimentam o mercado há cinco anos. Para os autores inebriados pelo sucesso fácil, ela receita um antídoto: “Não corra atrás do mercado. Senão você irá escrever apenas uma história estereotipada, e as editoras estão cheias de livros desse tipo”. É o que ela faz.

 


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