NO ENCALÇO Péter Márki-Zay tem foco no respeito às instituições corroídas por anos de poder do rival (Crédito: Janos Kummer)

As eleições parlamentares na Hungria, marcadas para o dia 3 de abril, assumiram uma dimensão maior depois da invasão da Ucrânia. O país é o primeiro membro da União Europeia (UE) e da OTAN (aliança militar ocidental) a realizar um pleito depois do início do conflito. O atual chanceler, Viktor Orbán, já tinha quatro anos na cadeira, de 1998 a 2002, antes de iniciar a sequência de 12 que começou em 2010 e desemboca neste 2022. Quer mais oito. Só que desta vez o radical de direita tem um concorrente, Péter Márki-Zay, que também é conservador, mas vem fortalecido por uma inusitada coligação de oposição a Orbán, abrangendo da direita à esquerda. Com a guerra, os discursos de campanha mudaram de foco. A situação parece ter evoluído quase para um plebiscito: com Orbán, por um reforço de compromisso com o presidente da Rússia, Vladimir Putin; ou com Márki-Zay, por uma proximidade mais acentuada com o Ocidente.

Esses dois candidatos reúnem quase a totalidade das intenções de voto para a disputa das 199 cadeiras da Assembleia Nacional da Hungria. Em 2018, o Fidesz, partido de Orbán, atacou a imigração, basicamente, e ficou com 133 delas ao se valer de propostas populistas. Desta vez, Márki-Zay encabeça a coligação de seis partidos – do Jobbik, de extrema-direita, até os Verdes –, com foco exclusivo na derrubada do rival. Há um ano, a oposição estava à frente na preferência dos eleitores, com 49% a 47%, mas Orbán conseguiu uma leve recuperação na passagem do ano – retomou a vantagem com 48% a 47%. O atual premiê tem se beneficiado com uma esmagadora vantagem econômica na campanha: os gastos com redes sociais são o triplo da oposição, que ainda sofre com ciberataques. O domínio da mídia fez a diferença a favor do atual primeiro-ministro avançar nas últimas semanas para 50% contra 44%, de acordo com o site independente europeu politico.eu. Para se contrapor à oposição, Orbán tentou ainda reforçar o apoio em suas bases. Por exemplo, concedeu 10% de aumento no salário de policiais e militares, mais bônus.

Viktor Orbán já fez campanhas discriminatórias, passou pela “proteção às crianças” e agora assume posições dúbias com a guerra

Desde 2010, Orbán tem maioria de dois terços na Assembleia, o que ajudou seu governo a corroer o Judiciário e implantar mais medidas eleitorais favoráveis a ele, mesmo contra todas as vozes que replicam acusações de corrupção do mandatário e sua família, por meio de bilhões injetados em instituições que funcionam paralelamente à administração. Orbán defende pautas conservadoras nos costumes. Em dezembro de 2020, abraçou o tema “proteção infantil”, promovendo uma lei com artigos como obrigatoriedade de educação de acordo com o sexo biológico e determinação que a mãe deve ser mulher e o pai, homem, o que rendeu repúdio do Parlamento Europeu, que acusou “discriminação patrocinada pelo Estado”. Para derrotar o atual chefe de governo, em outubro, seis partidos (DK, Jobbik, LMP, Momentum, MSZP e Párbeszéd) decidiram se valer de um único candidato. Foi quando Péter Márki-Zay venceu as primárias populares. Dito conservador independente, ele tem como proposta básica fazer mudanças constitucionais que restaurem a democracia, com respeito às instituições, sem tentativas de golpe que ameacem o Estado de Direito já minado por Orbán. O diferencial do candidato anti-Orbán em relação aos antecessores é justamente o fato de também ser conservador – e, com isso, ainda leva vantagem por ter mais filhos que o atual mandatário (sete contra cinco), além de ser mais jovem (49 anos contra 58) e estar em boa forma física. Ele renega a imagem cristã e patriota de Orbán, a quem acusa de querer seguir no poder para enriquecer ainda mais.

Negócios à parte

Com a guerra, Orbán percebeu que seu discurso com foco anti-LGBTQI+ se tornou secundário. Passou a jogar de um lado e de outro. Como a maioria da população húngara quer a permanência do país na UE e rechaça a invasão à Ucrânia, ele adaptou seu discurso. Condenou a “operação especial militar” (como Putin se refere à guerra) e não se opôs às sanções econômicas. Mesmo assim, seguiu afagando Putin na mídia ao recusar o fornecimento de armas para os ucranianos. Já em meio à guerra, Orbán confirmou que continuará a importar gás do país aliado e a desenvolver a usina nuclear que tem 12,5 bilhões de euros (R$ 68 bilhões) financiados pela estatal russa Rosatom. Aproveitou para elogiar os esforços da China como mediadora do confronto. Depois, reclamou da UE por não ter repassado 7 bilhões de euros (R$ 38 bilhões) para recuperação da Hungria no pós-pandemia. Como ninguém sabe qual será o desenlace do conflito na Ucrânia, os húngaros estão divididos entre escolher “o aliado Putin” ou “a segurança da UE”.