Por Sara Kirchhof, de Davos, Suíça
As medidas do recém-empossado presidente dos EUA, Donald Trump, entre elas o abandono do Acordo de Paris e mudanças na política energética do país, deram um novo sentido à participação do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, no Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, na Suíça. Amparado na robusta política energética brasileira voltada às fontes limpas e renováveis, o ministro tem se dedicado a mostrar a investidores e especialistas internacionais as vantagens e oportunidades oferecidas pelo setor no país.
“Hoje, 90% da nossa matriz elétrica é limpa e renovável e queremos demonstrar que também somos solo fértil para mais investimentos em energia eólica, solar, biomassa e biocombustíveis para descarbonizar setores de mobilidade e transporte”, afirmou o ministro em entrevista ao portal IstoÉ, em Davos. “Esse negacionismo ambiental demonstrado pelo presidente dos Estados Unidos é um direito dele, uma questão de soberania, mas acreditamos que é possível equilibrar desenvolvimento econômico e crescimento com sustentabilidade e resultados sociais.”
Silveira também ressaltou a importância do setor agrícola brasileiro na transição energética, principalmente na produção de biocombustíveis. “Nós temos que construir políticas que efetivamente busquem resultado, independentemente das posições ideológicas, pois os extremismos não fazem bem para o mundo, nem para um lado, nem para o outro”, disse. “O agronegócio brasileiro está completamente conectado à questão das fontes de energia limpa. Quarenta milhões de toneladas de soja foram utilizadas pelos biocombustíveis do ano passado.”
Confira a seguir a entrevista completa.
Quais os impactos que a recente guinada na política ambiental dos Estados Unidos sob a presidência de Donald Trump pode ter para o Brasil?
É muito importante destacar primeiramente que nós já temos 90% da nossa matriz elétrica limpa e renovável graças ao nosso potencial hídrico e nossas particularidades climáticas, mas também graças às políticas públicas e ao povo brasileiro que pagou por essa matriz. Nós temos 26 estados da federação interligados no sistema integrado nacional. Teremos o vigésimo sétimo agora, o último estado, que é Roraima, a partir de uma ordem de serviço do presidente Lula e vamos inaugurar essa última integração em dezembro. Estamos fazendo integração com a América do Sul, a fim de fazer segurança energética e tarifária para os países da região. Mas nós também queremos demonstrar que somos solo fértil para mais investimentos em energia eólica, solar, biomassas, em biocombustíveis para descarbonizar setores de mobilidade e transporte. Esse negacionismo ambiental que demonstra o presidente dos Estados Unidos é um direito dele, uma questão de soberania. Nós queremos demonstrar que somos diferentes. Queremos construir um mundo em paz e não há paz sem prosperidade. Não há paz sem reconhecimento de que quem sofre com os efeitos climáticos são os mais pobres principalmente. Acreditamos que é possível equilibrar desenvolvimento econômico e crescimento com sustentabilidade e resultados sociais, incluindo as pessoas na cidadania, melhorando a qualidade de vida, buscando um grande propósito, em especial do nosso governo, que é criar uma sociedade mais justa, mais igual, mais solidária, mas, principalmente, mais unida.
Como tem sido sua participação no Fórum Econômico Mundial para marcar essa posição do governo brasileiro?
São seis reuniões bilaterais. Já fizemos reuniões aqui em que discutimos o setor elétrico brasileiro, discutimos o planejamento energético para o combate à pobreza energética global, na qual o Brasil tem contribuído muito com o seu modelo de combate à pobreza energética que é o Luz para Todos, ou seja, uma agenda muito intensa, demonstrando as potencialidades na transição energética e demonstrando o ambiente favorável de negócios para o Brasil para essa transição que nós queremos que seja justa, inclusiva e equilibrada.
Não seria interessante que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, estivesse acompanhando o senhor nessas agendas aqui na Suiça?
É sempre importante ter a ministra Marina perto da gente. A ministra contribui com a sua sensibilidade humana, sua sensibilidade social e com a sua compreensão do mundo em todo Fórum em que ela estiver presente. Eu espero poder contribuir tentando suprir a dificuldade que tiveram outros colegas de estar aqui, dificuldade que, diga-se de passagem, só acontece porque estamos todos muito comprometidos em dar resultados para brasileiros e brasileiras, porque estamos trabalhando. Eu estive semana passada na Arábia Saudita, voltei ao Brasil, participei da reunião ministerial com o presidente Lula, que distribuiu mais missões e compromissos para os seus ministros, demonstrando comprometimento em entregar ao Brasil o melhor para deixar um legado como deixou nos seus dois primeiros mandatos, quando saiu com 80% de aprovação. E eu tenho absoluta convicção que a gente vai sair daqui, como eu tenho visto, atraindo ainda mais os olhos, não só dos investidores, mas dos gestores públicos mundiais para temas transversais que interessam a todos.
Recentemente o senhor anunciou um investimento de 8 bilhões de reais de uma empresa saudita do setor de mineração no Brasil. Posteriormente, a empresa teria desmentido esse investimento. O que aconteceu de fato nessa negociação?
Na verdade, houve aí um contrassenso completo e uma incompreensão sobre o que de fato acontecerá. O que eu anunciei na Arábia Saudita é que a Ma’aden vai abrir um escritório em São Paulo agora no mês de fevereiro. Isso já está anunciado, foi um anúncio que fizemos juntos. Mas há também a disposição muito grande em investir até 8 bilhões de reais em novos negócios no Brasil, que estão sendo avaliados. Eu até acredito que esse número será maior porque, em uma reunião que tivemos com o ministro Bandar Alkhorayef, responsável pelo setor na Arábia Saudita, eles demonstram a clara intenção de continuar investindo nos minerais críticos do Brasil. É importante ressaltar que eles já investiram 15 bilhões de reais na Vale, comprando 10% da subsidiária da empresa na área de minerais críticos. Investimentos importantes que estão acontecendo graças à estabilidade do Brasil, graças à posição geopolítica do país, estabilidade social e econômica, segurança jurídica, mas, principalmente, o fato de o Brasil ter voltado a dialogar com o mundo.
Qual a relevância da participação do agro brasileiro nesse cenário da transição energética?
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É imprescindível, tanto o agronegócio brasileiro quanto a agricultura familiar. É a nossa vocação natural. O Brasil é visto pelo mundo como um celeiro de alimentos, então é natural que a gente fortaleça as políticas do agro. É importante ressaltar isso independentemente das posições ideológicas, pois os extremismos não fazem bem para o mundo, nem para um lado, nem para o outro. Nós temos que construir através do diálogo políticas que efetivamente busquem resultado. Política boa é a política que busca resultado para as pessoas. Então o agronegócio brasileiro está completamente “linkado” à questão das energias, os biocombustíveis fortalecem o nosso agronegócio. Quarenta milhões de toneladas de soja foram utilizadas pelos biocombustíveis no ano passado, ou seja, o farelo de soja continuou produzindo proteína e aquilo que era subproduto virou energia através do biodiesel. Então são políticas que fortalecem a nova economia, que é a economia da transição energética, a economia verde. E, fora dela, na nossa compreensão, não há salvação.