O Ministério de Minas e Energia (MME), autor do projeto de lei que pretende autorizar a exploração de projetos minerários, agropecuários e de infraestrutura dentro de terras indígenas, declarou que o objetivo do PL é “corrigir uma lacuna” da Constituição Federal.

O governo federal se articula com o presidente da Câmara, Arthur Lira, para votar a urgência do Projeto de Lei 191/2020, que é de autoria do ministro Bento Albuquerque. O líder do governo na Casa, deputado Ricardo Barros (PP-PR), começou a colher assinaturas de parlamentares para aprovar um requerimento de votação em regime de urgência desse projeto. Caso esse requerimento seja aprovado pelo plenário, o texto já poderia ser submetido imediatamente à votação, atropelando o processo de discussão legislativa.

“O Projeto de Lei 191/2020 foi resultado de uma construção dedicada a corrigir uma lacuna que persiste desde 1988, quando a sociedade brasileira aprovou a Constituição Federal (CF), que recepcionou a possibilidade de aproveitamento dos recursos minerais em terras indígenas”, declarou o MME ao Estadão.

A pasta afirma que a Constituição “prevê a edição de lei para orientar o aproveitamento de recursos minerais nessas terras, o que permitiria não só o benefício das comunidades indígenas bem como de todo o País. No entanto, esse projeto de lei ainda não foi aprovado, portanto, o MME espera que possa seguir a tramitação da forma mais célere possível”.

O MME não cita, mas está fazendo referência ao artigo 231 da Constituição Federal. Esse artigo, que trata especificamente da permanência dos indígenas em suas terras, com respeito às suas crenças, costumes, tradições e direitos originários, estabelece que “o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei”.

O mesmo artigo, porém, deixa claro que “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. Outra determinação é que “as terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”, ou seja, nunca deixarão de ser terras indígenas.

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Para que o governo consiga fazer com que o regime de urgência do PL 191 vá à votação pelo plenário, precisa coletar a assinatura de maioria absoluta de deputados ou líderes que representem esse número (257 assinaturas). Se o requerimento for aprovado pela maioria, o projeto de lei pode ser incluído na ordem do dia da mesma sessão da Câmara.

Ontem, o governo Bolsonaro decidiu utilizar a interrupção do fornecimento de fertilizantes da Rússia como argumento para aprovar, o quanto antes, um projeto de lei que prevê a exploração mineral em terras indígenas. A justificativa do presidente Jair Bolsonaro é de que uma grande mina de potássio, localizada na região de Autazes, no Estado do Amazonas, já poderia estar em exploração, reduzindo a dependência do Brasil sobre a importação do insumo agrícola de Belarus e da Rússia. O empreendimento não teria avançado, porém, porque, segundo Bolsonaro, haveria terras indígenas na área a ser explorada.

Como mostrou o Estadão, trata-se, na realidade, de um argumento sem fundamento. Existem, atualmente, 544 processos ativos de exploração de potássio em todo o País, em andamento dentro da Agência Nacional de Mineração (ANM). Centenas de pedidos não têm impacto direto em terras indígenas e teriam condições de serem viabilizados por meio da legislação ambiental já em vigor. Outra razão é que o projeto de exploração de potássio em Autazes, que foi citado por Bolsonaro, tem impacto indireto sobre as terras indígenas locais, conforme informações da companhia Potássio do Brasil, controlada pelo banco canadense Forbes & Manhattan. Isso significa que a companhia é obrigada a consultar os povos indígenas que vivem na região para licenciar a sua obra, estabelecendo medidas de mitigação dos impactos que causará em toda a área. Na prática, portanto, não é necessário abrir a terra indígena para exploração mineral, mas, sim, chegar a um acordo sobre os impactos indiretos que a mineração terá.


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