Ninguém sai imune de uma interpretação de qualidade da Paixão Segundo São Mateus, de Bach, obra magna do compositor e também na história da música. Suas quase três horas de duração não são sentidas, tamanha a fluência da música a descrever uma história – a da condenação, crucificação e ressurreição de Jesus Cristo – que está no inconsciente da humanidade. E de início já deixo claro: a experiência de quinta, 11, foi transformadora para o público que não chegou a lotar a Sala São Paulo: Bach captura a atenção com incríveis sutilezas no modo como comenta musicalmente cada nuance do texto bíblico.

Nathalie Stutzmann, de gestos largos nos tuttis com orquestra e coro e sutis ao indicar contornos melódicos de um ou outro instrumento, construiu uma performance arrebatadora. Nisso teve a colaboração decisiva dos solistas, sobretudo o tenor Robin Tritschler, que encarnou o Evangelista com perfeição, assim como a maravilhosa contralto Aude Extremo. A soprano Martina Janková não ficou atrás. A Osesp, dividida em duas orquestras, e os coros da casa, incluindo o infantil, estiveram no mesmo nível de qualidade.

Compartilhar esta Paixão é “uma experiência avassaladora”, na feliz expressão do maestro John Eliot Gardiner – especialista em Bach, gravou uma integral das 200 cantatas e praticamente toda a sua obra coral e orquestral – em seu excelente livro Bach no Castelo do Céu. Também para os músicos e cantores, com toda certeza. A Revista da Osesp reproduz cinco páginas do livro e é leitura obrigatória para os que saíram da Sala na quinta perplexos com a Paixão.

Gardiner acentua, por exemplo, que “uma pista para a estrutura de Bach se encontra na eficácia do ritmo (…) e o sucesso de qualquer interpretação depende do grau com que se conecta – e replica – esse ritmo ao executá-lo sem perda de impulso dramático (…) Se o ritmo estiver correto, ajudará o ouvinte a acolher naturalmente cada uma das 28 cenas, a revivê-las e a se deleitar na história novamente narrada”.

Cenicamente, houve a tentativa de espalhar os solistas: Evangelista e Jesus no primeiro plano; soprano e contralto no centro ao fundo, atrás do órgão; e barítono e tenor à esquerda, no fundo. Mas eles ficaram estáticos. E não há como não lembrar a inovadora concepção cênica de Peter Sellars com a Filarmônica de Berlim e Simon Rattle (2012), em que até o coro se movimenta (disponível em DVD). O maestro belga Philippe Herreweghe também fez isso numa inesquecível performance cênica da Sinfonia Fantástica de Berlioz, há alguns anos, na Sala São Paulo.

Leipzig teve um teatro de ópera nas primeiras décadas do século 18, extinto em 1729. O poderoso impulso dramático desta Paixão nos faz pensar nas maravilhas que Bach teria criado se tivesse adentrado no reino da ópera.

P.S.: Ainda dá tempo de assistir a essa performance memorável: neste sábado, 13, às 16h30; e segunda-feira, 15, às 20h30.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.