NOS EUA Gilson Machado Neto (esq.), o deputado Hélio Lopes, o lutador Vitor Belfort e o senador Flávio Bolsonaro em evento de apoio ao presidente (Crédito:Divulgação)

Desponta uma nova estrela no círculo íntimo do presidente Jair Bolsonaro: o presidente da Embratur, Gilson Machado Neto. Em menos de nove meses no cargo, ele conseguiu angariar a maior verba da história do órgão, superior a meio bilhão de reais. Com ela, prepara um projeto megalomaníaco para divulgar a gestão Bolsonaro de forma positiva no exterior, desfazendo o estrago que a sua política antiambiental está provocando. O programa parece um almanaque de 80 anos atrás, que exalta as maravilhas exóticas nacionais, reintroduz o mito do bom selvagem e banaliza a cultura. Traz a animação “Aliados da Amazônia”, com o objetivo de combater as “fake news “ da imprensa mundial sobre a destruição da floresta. As “arenas do Brazil” serão temáticas com atrações como uma réplica do Palácio do Planalto e modelos vestidos como Dragões da Independência. Na Broadway, haverá um espetáculo musical estrelado por uma Carmen Miranda revivida, “Brazil”, que contará a história da música e da dança nacionais. Uma HQ deve trazer os personagens Mickey e Minie compartilhando “experiências divertidas” em estados brasileiros. Em um reality show a ser dirigido por um estúdio de Hollywood, 14 participantes ficarão em diferentes casas pelo País.

O baú de más ideias da Embratur inclui pelo menos sete filmes. Prevê o financiamento de “Além do Paraíso”, ficção com a atriz norte-americana Sharon Stone no papel de uma arqueóloga em busca um tesouro perdido do Imperador Constantino. Na sua jornada nos trópicos, ela percorreria praias paradisíacas do Nordeste, o que poderia seduzir futuros viajantes. Não se sabe se a estrela já foi sondada para esse projeto, mas Machado tem um argumento forte para sua contratação: um monte de dinheiro para o cachê. Significativamente, a superprodução seria patrocinada exatamente quando o governo ameaça extinguir a Agência Nacional de Cinema (Ancine) e deseja cortar quase metade do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). A iniciativa representa uma visão limitada do audiovisual e do seu potencial para difundir a cultura brasileira. Até a ditadura militar, tão exaltada pelo presidente, tinha uma visão muito mais sofisticada. Criou nos anos 1970 a Embrafilme e estimulou escolas de cinema. Para alcançar o público americano, o órgão planeja uma propaganda ambiciosa: anúncios sobre destinos turísticos na Times Square, em Nova York, e ações publicitárias em eventos da milionária Liga Americana de Basquete (NBA) e da Liga de Futebol Americano (NFL).

FAKE NEWS Para desfazera imagem de destruição da Amazônia, o projeto da Embratur é atrair turistas para a floresta com dois filmes (Crédito:Divulgação)

O presidente da Embratur deve seu cargo à proximidade com a família Bolsonaro, de quem se aproximou antes da corrida presidencial. É dono de uma pousada na praia alagoana de São Miguel dos Milagres — já autuada por descumprir regras de turismo sustentável. Ficou conhecido em Pernambuco como sanfoneiro e cantor da banda “Forró da Brucelose”. É um dos grandes articuladores do Aliança pelo Brasil, o novo partido do presidente. À frente da Embratur, propôs ideias como o o turismo religioso e o turismo de estudo militar. Deseja promover grandes ícones militares do País, como fortes, locais de batalhas, museus e quartéis. Quer afundar navios e vagões de trem na costa brasileira com o objetivo de formar corais e atrair turistas, mas ignora os especialistas que alertam para os riscos de a iniciativa prejudicar a fauna e flora marinhas. É entusiasta da transformação do paraíso ecológico de Angra dos Reis na “Cancún brasileira” — um projeto que já foi defendido várias vezes pelo presidente. Ao lado do senador Flávio Bolsonaro, Machado participa ativamente do lobby para a abertura do País aos cassinos.

A ascensão de Machado representou uma mudança profunda na Embratur, que teve seu orçamento multiplicado por 15 — de US$ 8 milhões para US$ 120 milhões. Por meio de uma Medida Provisória enviada no final de 2019, a antiga autarquia passou a ser denominada Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo, podendo atrair recursos privados. Como serviço social autônomo, vai abocanhar parte das contribuições empresariais pagas de forma compulsória para entidades como Senai e Sesc. Na nova distribuição, quem mais perderá é o Sebrae, o serviço de apoio às micro e pequenas empresas. A iniciativa foi mal recebida dentro do próprio governo. Desgastou o ministro da Economia, Paulo Guedes, que tinha prometido diminuir os recursos do Sistema S. Na contramão do discurso liberal e de austeridade, a nova Embratur é mais um órgão estatal superdi mensionado que incha a máquina pública.

Setor pouco explorado

Trata-se de uma má notícia para o País. O turismo é um setor ainda pouco explorado, apesar de representar cerca de 8% do PIB. Tem um potencial enorme para a economia. Deveria ser tratado de forma moderna e profissional, e não como instrumento político para atenuar um problema de imagem do governo. Obviamente o objetivo não será atingido. A Medida Provisória que criou o novo órgão vence em maio. Cabe ao Congresso derrubá-la, em nome do bom uso do dinheiro público e como forma de evitar que a imagem do Brasil, tão conspurcada por uma administração errática, seja agora também motivo de chacota.

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