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É cada vez mais improvável o lançamento de uma candidatura unificada da terceira via no próximo dia 18. A data deveria selar o acordo de PSDB, MDB, União Brasil e Cidadania para as eleições de outubro, iniciativa que vinha sendo costurada desde o ano passado. Os partidos de centro ensaiavam um acordo para superar a polarização que tem dominado a cena política nos últimos anos, mas não conseguiram ser bem-sucedidos nessa engenharia complexa – que nunca aconteceu desde a redemocratização, diga-se de passagem, pelo menos com essas forças envolvidas.

Luciano Bivar anunciou na última quarta-feira que não faz mais parte das negociações e será o candidato do União Brasil. Simone Tebet descartou categoricamente qualquer arranjo que não a coloque na vaga de presidente. E Doria, ainda que continue pregando uma via democrática com essas legendas, já não conta mais com um acordo. É legítimo que cada força queira testar seus próprios candidatos. Para isso, afinal, existe a eleição em dois turnos, que permite às forças derrotadas apoiarem o nome mais forte na segunda etapa do processo. O problema é que as eleições serão um teste para a sobrevivência da própria democracia. Como previsto, o pleito deve ser uma batalha entre duas rejeições: o antipetismo contra o antibolsonarismo.

SEM ACORDO Sergio Moro (esq.) foi escanteado e Luciano Bivar será o candidato do União: os dois com Felipe Cunha, advogado do ex-juiz (Crédito:Divulgação)

Essa não é a única ameaça para uma renovação política. Dois partidos associados ao fim da ditadura, o MDB e o PSDB, estão em frangalhos porque suas lideranças renunciaram a um projeto de poder nacional em função de interesses paroquiais. Vantagens obtidas com o atual presidente (como o orçamento secreto ou o desmanche da Lava Jato), assim como a lembrança das fartas benesses da era petista, atraem os políticos fisiológicos. Para isso também contribui o bilionário fundo eleitoral. Aprovado pelo Centrão com as bênçãos de Bolsonaro, ele deu um poder excessivo às burocracias partidárias, que preferem engordar e fortalecer as bancadas no Congresso a perseguir uma difícil corrida presidencial.

Tebet e Doria se esforçam para pacificar seus próprios partidos, mas essa é uma tarefa muito difícil. Levantamento interno do MDB mostra que a maioria dos seus dirigentes gostaria de apoiar Bolsonaro. É uma ironia. A legenda de Ulysses Guimarães está aderindo ao bolsonarismo, que flerta com a volta do regime militar. Senadores nordestinos querem reatar a aliança com Lula, mas são minoria. No PSDB, dirigentes também acham conveniente apoiar Bolsonaro, ainda que de forma disfarçada. É o caso de Aécio Neves, que torpedeou como pôde a candidatura do próprio candidato da legenda, vencedor das prévias tucanas.

O caso de Luciano Bivar, presidente do União Brasil, que juntou PSL e DEM, mostra que essa tentativa de cooperação tinha problemas de origem. Ele tem o maior naco do fundo eleitoral, quase R$ 1 bilhão, conquistado após seu partido (PSL) surfar na onda bolsonarista de 2018, quando patrocinou o ex-capitão. Por isso achava que seria o líder natural dos partidos. Mas é um nome pouco conhecido (apesar de já ter concorrido à Presidência em 2006) e dificilmente conseguiria crescer nas pesquisas com sua bandeira do “imposto único”. De certa forma, seu maior interesse é justamente esvaziar uma alternativa a Bolsonaro e Lula. Isso permitirá ao União se aliar na hora certa com um dos líderes – que deve ser o próprio Bolsonaro. Bivar culpou a “falta de unidade” dos outros partidos, mas escamoteou que o presidente ameaçou demitir os apadrinhados da sua legenda no governo federal. Nos bastidores, Doria avaliou o movimento de Bivar como um grande equívoco, em que todos perdem.

Doria nem conta mais com qualquer anúncio no dia 18. Para ele, é possível que o nome da “melhor via” tenha o apoio de outros partidos, mas confia na própria candidatura e no apoio do Cidadania, que se federou ao PSDB. “Essas serão as eleições mais curtas e intensas da história. Tenho energia de sobra, determinação e coragem para seguir”, afirma. Sua possível vice será a senadora Eliziane Gama, do Cidadania do Maranhão. Ele conta com a seção mais forte do partido, a paulista, para manter o PSDB no páreo federal. Seria uma aberração a legenda que concorreu em todas as eleições presidenciais desde o fim da ditadura, foi até 2018 o contraponto ao petismo e ocupou o governo por duas vezes renunciar a uma nova disputa à Presidência, justo no momento em que o legado do Plano Real está ameaçado pelos dois candidatos que lideram a disputa.

O tucano tenta vencer as dissidências e intensifica negociações na legenda. Por exemplo, com a bancada de deputados federais, como fez na última semana. E se beneficia do recuo do ex-governador gaúcho Eduardo Leite, que era usado como escudo para os ataques internos.

Doria dá expediente em seu comitê de pré-campanha em São Paulo, que funciona a pleno vapor. Sua equipe acredita que a rejeição registrada nas pesquisas, seu maior problema, foi insuflada pela rede bolsonoarista nas mídias sociais e que o legado positivo da gestão no governo paulista será suficiente para decolar nas consultas populares. Ele comemora os números recentes do Instituto Paraná Pesquisa em São Paulo, que o colocam na terceira colocação na corrida presidencial (5,8%) no estado, 0,1 ponto percentual acima de Ciro Gomes. Em outro levantamento divulgado no dia 4, o mesmo instituto mostrou que Lula diminuiu sua vantagem sobre Bolsonaro, mas lidera no cenário nacional (40% a 35,2%), enquanto Ciro Gomes mantém a terceira colocação (7,4%) e Doria, logo atrás, pontua com 3,2% – 0,9 ponto percentual acima de sua performance em abril.

Nessa pesquisa, Simone Tebet registra 0,7% (tinha 0,6% há um mês). Nenhuma sondagem a mostrou em posição superior a Doria até hoje. Mesmo assim, a senadora afirma que tem mais chances que o ex-governador de São Paulo, e não abre mão da cabeça de chapa. Isso também ajudou a azedar as chances da terceira via.Na última semana, adversários de Doria tentaram uma última manobra para reanimar a chapa conjunta colocando o paulista como vice de Tebet. Ou então aventado o senador tucano Tasso Jereissati (aliado histórico de Ciro Gomes) como vice da emedebista. Tudo sem nenhuma chance de prosperar. Eles tentam sem sucesso uma fórmula que evite a judicialização dentro do PSDB, já que o pré-candidato da legenda tem a prerrogativa (óbvia) de concorrer, pois venceu as prévias de novembro último.

VOO SOLO A senadora Simone Tebet deve ser a candidata pelo MDB: a maioria do partido pode se aliar ao presidente Bolsonaro (Crédito:Divulgação)

Refém de Bivar

Contribuiu para esvaziar a terceira via a atitude errática do ex-juiz Sergio Moro. É avaliação corrente nos partidos que ele foi inábil ao trocar o Podemos pelo União, ficando refém de Bivar e do vice-presidente do partido, ACM Neto – que já havia vetado qualquer candidatura presidencial do ex-magistrado. Os dois chefões são claros que essa possibilidade está definitivamente enterrada. Moro vê um cenário nebuloso e considera nos bastidores que o próximo presidente, mesmo se for Lula ou Bolsonaro, terá dificuldades de governar. Resta a ele concorrer a deputado federal ou senador em São Paulo. No primeiro caso, o União tira a sorte grande. Com um potencial de milhões de votos, Moro inflaria a bancada da legenda. Se ele optar pelo Senado, quem pode se beneficiar é Doria. O União é aliado do PSDB em São Paulo, e o nome do líder da Lava Jato pode atrair votos para si e indiretamente para o tucano, que sempre se mostrou próximo dele.

Em terceira posição nas sondagens, Ciro Gomes nunca deu bola para a terceira via. Ele se considera uma alternativa natural a Lula no campo da esquerda, apesar de nunca ter conseguido viabilizar coligações vitoriosas nem sair da sombra do petismo nas suas várias candidaturas presidenciais. Mas virou um nome conveniente até para o presidente do PSD, Gilberto Kassab, que fracassou em três tentativas de conseguir um presidenciável para sua legenda. Agora, o político veterano, que tem o DNA do Centrão, declara que “Ciro é a única terceira via”. Desde o início, Kassab queria criar uma candidatura fantoche, que permitiria na prática liberar seus aliados regionais para apoiarem Lula ou Bolsonaro. Sua estratégia é apenas crescer nos estados, e Lula já conta com sua adesão em um eventual governo petista.

O próprio ex-presidente Michel Temer,que chegou a liderar as conversas para uma terceira via, se afastou do projeto. Já deu declarações apontando que pode apoiar Bolsonaro em um eventual segundo turno, pois o PT representa um mal ainda maior. A posição do líder histórico do MDB é mais um sinal da crise dos grandes partidos da redemocratização. Para garantir esse legado, Doria, assim como Tebet, terá de escapar da cristianização, anomalia frequente na história política nacional. Os dois também precisarão fugir da pecha de anticandidatos. O último que concorreu apenas simbolicamente foi lançado em plena ditadura nos anos 1970. Não faz sentido que 50 anos depois essa figura volte à política nacional, assim como o populismo enraizado que parecia ter sido superado após o fim da ditadura.