01/09/2024 - 11:10
O presidente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), desembargador Silmar Fernandes, criticou a PEC da Anistia e disse que o projeto é um “desestímulo” aos trabalhos da Justiça Eleitoral. A declaração foi dada em entrevista exclusiva ao site IstoÉ.
O projeto prevê a imunidade no pagamento de multas por não cumprimento de cotas para candidaturas de negros e mulheres, além de dívidas tributárias acima de cinco anos. A proposta ainda cria um programa de refinanciamento de dívidas partidárias e remodela os valores que devem ser destinados às candidaturas de mulheres e negros em patamares abaixo do recomendado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O texto já foi aprovado pelo Congresso Nacional sem resistências após a pressão dos partidos. O projeto está na mesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que deve sancionar a proposta.
“Você sabe que o juiz não inova, ele não cria, ele tem que interpretar a lei que existe. Nós julgamos, condenamos, trabalhamos em prestação de contas, analisamos tudo e de repente vem uma PEC da Anistia. Isso eu já vou te dizer que é um desestímulo”, afirmou o desembargador.
Especialistas e alguns políticos afirmam que o crime eleitoral compensa para os partidos e candidatos devido às penas brandas impostas pela lei eleitoral. Em alguns casos, multas de R$ 15 mil e R$ 30 mil são aplicadas, valores irrisórios em comparação aos R$ 4,9 bilhões do fundo eleitoral previsto para este ano.
O PL arrecadou a maior fatia desse valor, com R$ 886,6 milhões na conta. O PT vem na sequência, com R$ 619,8 milhões, seguido pelo União Brasil, com R$ 536,5 milhões.
Na avaliação do desembargador, há falta “boa vontade legislativa” para endurecer as penas. Ele afirma que os candidatos e partidos podem extrapolar em alguns momentos devido às punições brandas.
“[Falta] boa vontade legislativa. Multa fraca [as penas], muitos trabalham com essa percepção. Sem falar em nenhum caso concreto, é possível que um candidato extrapole o direito de manifestação porque ele sabe que haverá apenas uma multa. Essa multa realmente não é alta”, explica.
Fernandes pontua que a cassação do registro e a inelegibilidade são a única forma de frear as ações ilegais dos candidatos. De acordo com ele, a pena pode ser vista como um atestado de óbito político e são raras as exceções de retomada da vida pública. Como exemplo, ele cita o ex-presidente Fernando Collor de Mello, que sofreu o impeachment em 1992, mas voltou ao cargo de senador em 2007.
“Mas o que inibe mesmo o mau uso ou aquele que abusa do Direito Eleitoral é a pena de inelegibilidade. Isso é um fantasma na vida dele. Porque alguns ficam inelegíveis por 8 anos. Salvo raras exceções, ele acaba tendo seu atestado de óbito político. Sou o ex-isso, ex-aquilo, ex-deputado, ex-senador, vou ficar 8 anos inelegível”, ressalta.
Leia a entrevista completa
IstoÉ – Quais são os maiores desafios do TRE-SP para as eleições deste ano? E como estão os preparativos para os trabalhos?
Silmar Fernandes – Primeiro, que aquilo que você falou agora no começo, espero piamente que você esteja errado. Eu espero que não tenha essa carga de processos tão grande, mas você não está longe da realidade. Só aqui, na última eleição municipal, de 2020, tínhamos nessa época oito processos em andamento. Agora, estava olhando, temos mais de 50.
Está tendo uma judicialização maior. Isso acontece, a sociedade vai evoluindo, as coisas vão mudando, tem vários candidatos, cada hora muda. A eleição municipal é mais aguerrida mesmo. E, também, o aumento do volume é porque o brasileiro parece ter no sangue a judicialização. Se formos comparar, o Tribunal de Justiça de São Paulo, que é o maior tribunal do mundo em volume de processos, tem 20 milhões de processos em andamento.
Então, a judicialização é muito grande. Se pensarmos que temos 34 milhões de eleitores e nesta eleição, nós teremos quase 80 mil candidatos a vereador em todo o estado, 2.700 candidatos a vice-prefeito e prefeito. Então, tudo isso há uma potencialidade de ter demanda. Sem contar as demandas obrigatórias que cada vereador e cada candidato a prefeito têm que prestar contas para o Tribunal Eleitoral daquilo que eles gastam. É verba pública, então só precisa ter uma noção, porque tem tanto processo.
No mínimo, cada candidato tem que prestar três contas para o tribunal, porque é verba pública e ele tem que prestar contas ao início, ao meio e ao final da campanha, eleito ou não eleito. Então, só isso, você calcula que são 270 mil processos de prestação de contas.
IstoÉ – A inteligência artificial entra oficialmente nas candidaturas deste ano, como fiscalizar a distribuição desse tipo de material para evitar abusos?
Silmar Fernandes – Já está acontecendo – mas, felizmente, eu sou um otimista – em grau menor do que eu imaginava e do que as expectativas da mídia, digamos assim, isso foi muito divulgado ‘olha essa vai ser a eleição da Inteligência Artificial’. Por hora, não tivemos casos relevantes do mau uso da inteligência artificial. Primeiro, que a inteligência artificial é uma criação humana que tem que nos ajudar. Fomos nós que criamos para nos ajudar, então ela não pode atrapalhar.
O mau uso dela, como colocar na boca de um candidato algo que ele não disse, pode acontecer? Pode. Mas nós estamos julgando casos de propaganda, desinformação já há uns três meses. Nesses três meses, tivemos muitos casos de desinformação – centenas – e eu acho que nós julgamos dois ou três casos só onde houve o mau emprego da inteligência artificial, ou deep fake, digamos assim, para desinformar e foram casos pontuais.
E é bom que o público saiba, nós conseguimos localizar. Muitos pensam que ‘olha, sob o anonimato da internet da rede social, posso fazer qualquer coisa’. Não é assim. A internet, como o ministro Alexandre de Moraes sempre diz, não é uma terra sem lei. Nós temos como rastrear o IP, descobrir de onde veio – ainda que seja lá na deep web – nós temos como rastrear. Então, se a pessoa for identificada, ela vai responder, inclusive, em processo criminal, que é uma desinformação dolosa. Está proibido por resolução do TSE o uso de deep fakes nessas eleições.
IstoÉ – Temos alguns casos peculiares, principalmente na capital paulista, com candidatos se atacando com notícias falsas. Com a disputa nesse nível, você vê um enfraquecimento da disputa eleitoral? Como o tribunal tem visto os ataques entre os candidatos e as ações levadas à corte?
Silmar Fernandes – Vou começar pelo final, eu não acho que enfraquece. Isso faz parte do processo democrático. É que, como eu disse, assim como a inteligência artificial foi criada por humanos, nós somos humanos, e os humanos erram. Então, um candidato acaba sendo mais beligerante do que o outro, há uma ofensa aqui e outra ofensa ali, mas nada que não tenha acontecido em outras ocasiões.
O que pode estar acontecendo agora, talvez, é uma exacerbação, um desvio de conduta de alguns candidatos que são mais extremos, mas a gente recebe, vamos julgar, aquele que precisar ser punido será punido. Nós temos a penalidade de multa, temos a penalidade de cassação do registro, se mesmo depois da eleição [o candidato] for eleito e tiver praticado abuso do poder político, econômico, desvio de verba pública, captação ilícita de sufrágio, tudo isso pode, no futuro, cassar o diploma daquele que foi eleito e diplomado.
Tanto que muitos me perguntam: ‘Olha, a justiça eleitoral trabalha muito nas eleições e depois o que acontece?’. No ano seguinte, é o rescaldo, quer dizer, aqueles que são eleitos, nós damos uma preferência para julgar os casos, mas tem muitos casos que são julgados depois. Então, o cidadão recebe o diploma, é empossado e acaba sendo cassado meses ou anos depois.
IstoÉ – As penas para crimes eleitorais são muito brandas, o que motiva alguns candidatos a correr o risco de infringir a lei. Você concorda com a necessidade do endurecimento das punições? O que é preciso para mudar esse cenário?
Silmar Fernandes – Você tem toda razão. [Falta] boa vontade legislativa. Você sabe que o juiz não inova, ele não cria, ele tem que interpretar a lei que existe. Nós julgamos, condenamos, trabalhamos em prestação de contas, analisamos tudo e de repente vem uma PEC da Anistia. Isso eu já vou te dizer que é um desestímulo.
Multa fraca, muitos trabalham com essa percepção. Sem falar em nenhum caso concreto, é possível que um candidato extrapole o direito de manifestação porque ele sabe que haverá apenas uma multa. Essa multa realmente não é alta. Mas o que inibe mesmo o mau uso ou aquele que abusa do Direito Eleitoral é a pena de inelegibilidade. Isso, para todo político, todo candidato, é um fantasma na vida dele.
Porque alguns ficam inelegíveis por 8 anos, salvo raras exceções, ele acaba tendo seu atestado de óbito político. Sou o ex-isso, ex-aquilo, ex-deputado, ex-senador, vou ficar 8 anos inelegível. Com raras exceções, e nós podemos dar um caso concreto que foi o ex-presidente Fernando Collor. Ele sofreu impeachment, ficou oito anos inelegível, mas a população o trouxe de volta. Mas são casos raros. Quando o cidadão tem uma pena máxima, que é a cassação do diploma seguida de inelegibilidade, isso assusta o candidato. É uma forma de inibir. Agora as multas, eu acho, realmente, que são brandas.
IstoÉ – Outro ponto que tem gerado certa preocupação nos candidatos é o abuso de poder econômico. Muitos deles são ricos e influentes e se aproveitam disso para dispararem conteúdos nas redes sociais impulsionados, chegando até a descumprir regras eleitorais. Como você avalia essa onda nas redes sociais e o impulsionamento das campanhas? Você tem visto algum abuso por parte dos candidatos?
Silmar Fernandes – É isso que você disse, tendo o abuso. Eu não posso te responder especificamente porque eu posso ser instado a julgar casos concretos, mas veja, tudo isso para nós é uma experiência. Em 2018, a gente não sabia o que era fake news, e todos foram pegos de surpresa. Aprendemos a lidar com isso, agora chegou uma nova discussão que, sem discutir caso concreto, impulsionamento por cortes em redes de terceiros é uma coisa que não havia jurisprudência a respeito, não há inclusive.
Então, nós estamos lidando, agora, com uma coisa nova, mas isso já está inclusive sub-judice. Já existe decisão de primeiro grau, já existe decisão aqui do TRE e não sabemos como será um eventual recurso até o TSE. Mas isso é uma matéria, é uma conduta vedada, é proibido e nós estamos passando por isso, mas vamos resolver. A gente aprende com essas novidades.
IstoÉ – Na sua avaliação, como anda o questionamento sobre a eficácia e segurança das urnas eletrônicas?
Silmar Fernandes – Absolutamente segura. Isso de falar que a urna não é confiável, eu brinco com os meus alunos da graduação. Eu uso uma expressão em latim que é o “jus sperniandi” que é o direito de espernear. É reclamar, é choro de perdedor. Porque, na verdade, nós usamos as urnas eletrônicas desde 1996. Vai completar agora 28 anos, nós não temos um caso, nem indiciário, quanto mais concreto, de que ela pode ser fraudada.
Como todo mundo sabe, mas é bom a gente sempre repetir, a urna eletrônica não tem acesso à internet. Ela tem inúmeras, eu sempre comparo com aquela dançarina de dança flamenco que tem uma série de saias, vai tirando uma saia, tem outra, aqui algum eletrônica é a mesma coisa, ela tem várias camadas de segurança. Tem o código-fonte, tem as camadas de segurança, na hora de transmitir os dados é tudo por rede criptografada, então o sistema é confiável, não tem um caso concreto que se possa dizer que houve fraude. O que se tem é direito de espernear ou o choro do perdedor.
IstoÉ – Estamos a cerca de um mês das eleições. Qual a expectativa do senhor para o dia do pleito e as atividades do tribunal até lá?
Silmar Fernandes – Estamos preparados, estamos desenvolvendo. O nosso corpo técnico tem uma expertise incrível. Por quê? Porque nós vivemos de eleição. No TRE são funcionários concursados federais que têm uma expertise e a cada dois anos isso se renova. Então, é a manutenção da urna, a lacração da urna, há testes de viabilidade, tudo isso é repetido a cada dois anos.
Tem uma estrutura enorme, aqui no Estado de São Paulo. Para você ter uma ideia, são 103 mil urnas que serão utilizadas. Nós vamos precisar dos serviços de 500 mil pessoas no dia da eleição. Entre mesários e funcionários, nós movimentaremos 500 mil pessoas em 645 municípios. Veja que a eleição geral, que você me perguntou no início, é mais tranquila, porque é uma eleição para deputados e senadores de cada estado, é geral, não são 645 municípios. Então, é uma eleição diferente, são 645 eleições. Mas nós temos estrutura, temos expertise e nós vamos dar conta do recado. Eu sou otimista, eu acho que nós temos proteção da Polícia Militar, da Polícia Federal, da Guarda Civil Metropolitana, sempre nos ajuda nas cidades onde tem a Guarda Civil Metropolitana.
Então, há uma segurança para a urna, há uma segurança para o eleitor e, voltando no que você falou da segurança da urna, eu sempre comento isso, nas cidades pequenas, a população, os candidatos, não ficam esperando nosso boletim oficial. Porque o sistema eletrônico 17 horas encerrou, de imediato já saiu o BU, que é o boletim de urna. Aquele boletim de urna tem um QR code, naquele QR code, o cabo eleitoral do candidato vai com o seu celular, escaneia e ele já tem todo o resultado daquela urna.
Começam a falar: ‘Oi, você aí, como é que foi e você ali’, 10 colégios, 10 cabos eleitorais que pegam ali, o QR code já divulga. ‘Olha, cidadão está eleito prefeito, cidadão está eleito vereador’ e já começam a comemorar. Quando sai o nosso resultado oficial, é tão certo isso que bate exatamente com aquilo que os próprios candidatos ou cabos eleitorais constataram ali 5 horas atrás. Tem cidades em que às 17h10, 17h15 você sabe quem é o vencedor. Em que outra democracia do mundo temos o resultado tão imediato como no Brasil? Não existe. Não vai falar da Venezuela, né? Porque eu não considero que lá seja urna eletrônica, lá é um sistema totalmente diferente do nosso.