Foram quatro dias em que Manaus não era apenas o ponto de partida — era o próprio destino. Em meio ao calor úmido da floresta, desembarquei para uma experiência que fugia da agenda comum de grandes eventos: o Festival da Cunhã não é uma festa — avalio que é uma espécie de chamado. Um reencontro com a força feminina da Amazônia, idealizado por Isabelle Nogueira, que agora, mais do que ex-BBB e influenciadora, se torna líder de um movimento cultural e social que mistura ancestralidade, palco e propósito.
Junto a cantores, atores e influenciadores — mais de 50 personalidades de várias regiões do Brasil — fui convidado a viver experiências imersivas no coração da floresta, em contato direto com uma tribo indígena. Foi ali, descalço sobre a terra vermelha e envolto pela sabedoria dos mais velhos, que percebi que essa viagem seria algo maior. Prometo voltar para contar mais detalhes do que vivi na tribo – algo potente e muito marcante. Um belo “esquenta” para o que viria a seguir.
No sábado, 24 de maio, a Arena da Amazônia se transformou em templo. Mais de 25 mil pessoas vibravam em sintonia num espetáculo que não era só música, era muita emoção. Ritmos tradicionais se encontravam com novas expressões artísticas. O canto era também denúncia, celebração, e principalmente, um lembrete: a Amazônia é protagonista. E o Festival da Cunhã se consagra como a verdadeira introdução para Parintins — o maior espetáculo folclórico a céu aberto do mundo.
E então, no fim da noite, as luzes se voltam para elas: Maiara & Maraisa. A apresentação da dupla coroou a noite com brilho, entrega e emoção. As irmãs estavam felizes e gratas. No meio do show, veio o silêncio antes do choro: “A Marília escolheu Manaus para fazer seu segundo trabalho”, lembrou Maraisa. A voz embargada encontrou eco no público. Era mais do que homenagem. Era aliança. Uma forma de costurar memórias e futuro.
Nos bastidores, antes de subir ao palco, falei com exclusividade com Maraisa. Conversamos sobre a polêmica com a música Borderline nas redes sociais. A canção escrita por ela com Lari Ferreira, Rafa Borges e Renato Sousa estava pronta para ser lançada. Havia até sinal verde para entrar no repertório, mas diante de toda repercussão, como já havia adiantado para vocês, no mês passado, a dupla preferiu dar uma pausa para avaliar o que seria feito.
A música aborda um relacionamento abusivo e usa o termo borderline para ilustrar comportamentos intensos, instáveis e tóxicos. O problema? Parte do público entendeu que a música estigmatizava o transtorno de personalidade borderline. A postagem com a música foi apagada, e, por alguns dias, a dúvida permaneceu: lançar ou não lançar?
Perguntei para Maraisa se a dupla já tinha uma definição sobre o caso. Ela respondeu com franqueza: “É normal. Músicas com temas polêmicos geram discussão. E aí a gente tem sempre essa escolha: se vamos seguir por aquele caminho ou não.”
Mais direta ainda, revelou que a decisão já foi tomada: a música não vai mais entrar no repertório. “Não tem como entrar na casa de cada pessoa para explicar nossa intenção”, completou a cantora.
A decisão das artistas marca um ponto de inflexão no sertanejo. Sim, a música foi criticada. Mas a crítica ignorou que esse mesmo estilo — visceral, emocional, intenso — já abordou temas semelhantes. A própria dupla tem sucessos como Surtos e Narcisista, que também fazem uso de termos ligados à saúde mental. Só que agora, talvez pela maior atenção do público à pauta da saúde emocional, Borderline parece ter batido numa ferida mais aberta.
Não se trata de banalizar doenças. A crítica pode ser válida. Mas também é necessário entender o contexto lírico e dramático das composições. O sertanejo sempre bebeu da fonte da intensidade de comportamentos que por muito tempo não se tinha nome ou diagnóstico. É amor que mata, dor que vicia, saudade que destrói. As metáforas da psicologia foram apenas atualizadas ao dicionário da dor romântica. Na minha opinião, a polêmica, no fim, diz mais sobre a sensibilidade dos tempos atuais do que sobre a música em si.
E então, o que restou?
A música saiu, mas a força delas ficou. A primeira edição do Festival da Cunhã terminou com a energia lá em cima, palmas no alto e uma certeza no peito: quando mulheres se unem para cantar, lembrar, provocar e convocar — algo se transforma. Isabelle Nogueira foi a ponte. Maiara e Maraisa, o eco. E o público, a prova viva de que quando a música se encontra com a floresta, o que nasce é mais do que som. É grito, é cura, é legado.
E, pelo que percebi nos bastidores, a segunda edição do Festival já começou a ganhar forma. Coisa boa!
Movimentação Econômica do Festival da Cunhã surpreende
Em meio aos bastidores do evento, conversei com José Cirilo, CMO da Mynd, que destacou de forma brilhante como o evento representa não apenas um marco cultural, mas também um case poderoso da creator economy em movimento. Como ele bem pontuou, o Festival da Cunhã vai muito além do entretenimento — é uma vitrine estratégica que evidencia a força de uma região historicamente invisibilizada nas grandes ações de mercado. Cirilo foi enfático ao afirmar que Isabelle Nogueira marca um novo tempo: o de influenciadores com raízes amazônicas finalmente ocupando espaços de protagonismo nacional, usando sua visibilidade para direcionar os holofotes a talentos locais antes ignorados. Mais do que um evento, é o início de uma movimentação econômica robusta, com impactos reais. Um exemplo emblemático foi o aumento expressivo na busca por reservas no hotel que hospedou artistas e influenciadores — segundo serviços de reserva online e plataformas parceiras, a demanda surpreendeu, com bloqueios já sendo solicitados para todo este ano e até para o ano que vem.
Legado social e de sustentabilidade
Por trás do brilho no palco e dos aplausos na arena, teve também um importante compromisso social do festival com a Amazônia e seu povo.
Entre uma apresentação e outra, olhares atentos se voltavam para uma iniciativa paralela e essencial: a entrada gratuita no evento mediante a doação de um quilo de alimento.
“Arrecadamos muitos alimentos para doar para as mais de 200 mil pessoas que são impactadas pelas mudanças climáticas aqui na Amazônia”, comemorou Isabelle Nogueira, com a voz carregada de propósito. “A gente vai doar esses alimentos para famílias ribeirinhas, quilombolas e indígenas. E vamos também zerar a emissão de carbono do evento, plantando 750 árvores na Amazônia. Agora, em junho, vou acompanhar tudo de pertinho”, completou.
Enquanto o som ecoava na Arena da Amazônia, nascia também um novo tipo de festival: aquele que não apenas celebra, mas transforma. Que não apenas reúne, mas repara. A primeira edição do Festival da Cunhã superou todas as expectativas, conectando milhares de pessoas por meio da arte, da música e de experiências únicas — e deixando, no chão e na consciência, sementes reais para o futuro. Um marco inesquecível para a nossa cultura brasileira — e, agora, também para a causa climática.
Até amanhã.