Por Lisandra Paraguassu

SÃO PAULO (Reuters) – Linhas de crédito verdes, com juros mais baixos, para incentivar uma agricultura que converte pastagens degradadas em lavoura e captura carbono são uma aposta do plano em discussão na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva para diminuir o desmatamento ao mesmo tempo em que aumenta a área plantada e tenta melhorar a imagem do Brasil no exterior.

A proposta, que está sendo desenhada a várias mãos para o programa de governo do ex-presidente Lula, que lidera as pesquisas de opinião, envolve não apenas o meio ambiente, mas também parte do agronegócio que apoia a sua candidatura.

“A transição ecológica é um eixo estruturante de todas as nossas políticas”, disse à Reuters o coordenador do plano de governo petista, Aloizio Mercadante. “Podemos abrir linhas de crédito diferenciadas para incentivar a migração para uma agricultura que sequestra carbono.”

O desenho final está sendo trabalhado, mas a ideia-chave é que o agricultor que aderir a algumas das propostas de transição agrícola passa a ter direito a um crédito em melhores condições, ou seja, valor e juros que façam valer a pena a migração.

O programa petista em debate lembra objetivos do Plano ABC, lançado no final do segundo mandato de Lula. Mas a iniciativa, que ainda existe e conseguiu mitigar 170 milhões de toneladas de CO2 até 2018, só detém percentual ínfimo dos recursos dos financiamentos do governamental Plano Safra, mostrando que há espaço para uma melhora neste tipo de incentivo.

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Na safra 2022/23, o orçamento do reformulado ABC+ é de 6 bilhões de reais, ou cerca de 2% do volume total orçado para financiamentos Plano Safra (341 bilhões de reais), quase a mesma fatia percentual de 12 anos atrás. As taxas de juros do programa, embora mais baixas, subiram para até 8,5% ao ano, na esteira da Selic.

No plano gestado agora, o PT mira dois pontos principais: a conversão de pastagens degradadas em lavoura –já um dos objetivos do ABC+– e o incremento do uso de biodefensivos. A conta do partido, municiada por empresários do agronegócio, é que o país tem hoje 30 milhões de hectares de áreas de pastagens subutilizadas que poderiam ser usadas para lavouras.

A conversão permitiria que hoje terras em que há apenas pecuária extensiva,ou às vezes nem isso, passassem a ser lavoura, em sistemas de plantio direto que, segundo análises já feitas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), ajudam no sistema de sequestro de carbono.

Um estudo publicado pela Embrapa em 2020 mostrou que o sistemas de rotação de culturas entre soja, milho e algodão, no sistema de plantio direto, sequestra 31% a mais de carbono que a monocultura, além de aumentar a produtividade de todas elas.

O debate sobre essa migração usa como exemplo o Mato Grosso, um dos campeões em desmatamento da região amazônica e onde atuam hoje três dos principais nomes de apoio ao PT na área de agronegócio, um setor onde ainda é forte o apoio a Bolsonaro: o empresário Carlos Ernesto Agustin, o senador Carlos Fávaro (PSD) e o deputado federal Neri Geller (PP), ex-ministro da agricultura no governo de Dilma Rousseff e visto com especial reserva por ambientalistas por defender afrouxamento da legislação ambiental.

O CASO DE MATO GROSSO

Em em 2021, o Mato Grosso perdeu 2,3 mil quilômetros quadrados de floresta, apenas atrás do Pará e do Amazonas, de acordo com o sistema Prodes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O estado tem hoje, nas estimativas do plano petista, pouco mais de 11 milhões de hectares de lavouras, e quase o mesmo em terras de pastagens subutilizadas.

“Por que não acontece essa migração? Porque falta um incentivo. Porque falta uma política pública de financiamento”, diz Carlos Ernesto Agustin.

Chamado para conversar com Lula em janeiro deste ano, quando o ex-presidente tentava se reaproximar do agronegócio, Agustin foi um dos empresários da área que passaram a trabalhar com o PT para desenhar um plano que, ao mesmo tempo em que permitisse uma maior produtividade, ajudasse a diminuir os riscos de desmatamento e ainda melhorasse a imagem do país no exterior.

“Quais são as vantagens de você fazer essa mudança? Tira pressão sobre a Amazônia, transforma pastagem em soja e ainda consegue crédito de carbono. Produz mais e ajuda na questão do carbono”, diz Agustin. “O governo ou mesmo o agricultor pode ir ao exterior pegar recursos com juros mais baixos.”

Como o Brasil é um dos maiores produtores –e exportadores– de carne bovina do mundo, pode causar estranheza a ideia de trocar área de pasto por lavoura, o que poderia levar à resistência nos produtores. Agustin, porém, afirma que boa parte das áreas ou não está sendo usada ou é mal usada, com uma pecuária que pode ser levada a produzir mais com menos terra.


A ideia de uma pecuária intensiva é defendida também pela ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, uma das consultoras do PT na área ambiental. Segundo Teixeira, apenas 35% da produção pecuária no Brasil é na região amazônica, então essa mudança não afetaria tanto a produção brasileira. Além disso, explica, a média hoje na produção é de uma cabeça de gado por hectare na região, e é possível chegar a três.

“Se incrementa a produtividade, sobra área, não precisa expandir fronteira para pecuária e agricultura e pode ocupar essas áreas porque já estão desmatadas”, diz, explicando que o Brasil tem condições de ter também uma pecuária mais verde e produtiva, com tecnologia para diminuição da produção de metano pelo gado e com abate mais cedo.

Em meio a seguidos recordes de desmatamento da Amazônia, produtores brasileiros se vêem sob pressão para mostrar que a produção brasileira não vem de área de desmatamento, frente a um governo que fez menção até mesmo de levantar a chamada “moratória da soja” –o acordo, feito em 2008, que assegura aos exportadores que a soja brasileira não vem de áreas desmatadas.

“A maior burrice é brigar com o consumidor como esse governo faz. Se a Europa, a China, quer um produto mais verde, tenho que oferecer, mas esse governo tem uma política de ‘o mato é meu e se eu quiser eu boto fogo’. Não dá”, disse Agustin.

Teixeira, hoje copresidente do Painel Internacional dos Recursos das Nações Unidas –entidade que analisa políticas para aprimorar o uso de recursos naturais– também defende a política de financiamento como uma boa aposta.

“O Brasil hoje só financia 2% de atividades de baixo carbono, mas o país tem alternativas tecnológicas que permitiriam uma ação muito maior nessa área. Precisa de uma política de crédito bem feita,que faça as empresas migrarem para uma economia de baixo carbono”, afirmou.

Teixeira explica que o país tem como produzir toneladas de soja a mais com menos agrotóxicos e mais sequestro de carbono, e uma política de crédito eficiente pode inserir o Brasil em um mercado que hoje existe uma produção mais verde.”Tem total lógica tanto do ponto de vista financeiro como de mercado.”

A ex-ministra só lembra, no entanto, que os problemas de desmatamento na Amazônia vão além da necessidade de mais terras para produção –a escassez de área, na verdade, não existe, como já defenderam vários ministros da Agricultura, inclusive Tereza Cristina, no próprio governo Bolsonaro.

O desmatamento na região, antes de chegar na agricultura, passa pela extração ilegal de madeiras nobres, garimpo ilegal e a simples grilagem de terras para venda ilegal.

“Uma coisa é enfrentar desmatamento. Tem ter que políticas de comando e controle. Outra coisa é transformar setores econômicos em baixo carbono”, disse.

(Reportagem adicional de Roberto Samora, em São Paulo)

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