O episódio envolvendo Taís Araújo e Manuela Dias, autora de ‘Vale Tudo’, ao que tudo indica, será um divisor de águas na história da teledramaturgia da TV Globo. De acordo com o jornalista Gabriel Vaquer, da Folha de S. Paulo, tudo começou quando Taís, que interpretou a personagem Raquel, registrou uma denúncia no setor de Compliance da emissora, questionando os rumos da sua personagem na trama. Em resposta, Manuela Dias também apresentou uma queixa formal contra a atriz, alegando quebra de conduta interna após Taís falar sobre seu incômodo em entrevista à revista Quem. A situação expôs tensões raramente vistas nos bastidores da TV Globo.
Segundo apuração exclusiva do titular desta Coluna, que deu os detalhes no programa Fofocalizando (SBT), Taís Araújo é muito respeitada nos bastidores da emissora, não à toa, foi escolhida para protagonizar obras de grande relevância, como Da Cor do Pecado (2004) e Viver a Vida (2009). Antes, ela já havia protagonizado Xica da Silva (1996) na TV Manchete.
De acordo com uma fonte da Coluna Matheus Baldi, a atriz formalizou a queixa contra Manuela Dias um mês antes de qualquer declaração pública. Ela teria buscado diálogo direto com a direção da Globo e com o Compliance, pedindo ajustes no roteiro que julgava comprometer a força da representatividade preta no arco dramático da sua personagem, algo que, na leitura da artista, reproduz padrões de exclusão e retrocesso.
A questão central girava em torno da comparação com a versão original de 1988, quando Regina Duarte viveu a mesma personagem. Na trama clássica, Raquel superava adversidades e ascendia socialmente. Já no remake, Taís se surpreendeu ao perceber, nas novas versões de roteiro, que sua personagem, uma mulher preta, bem-sucedida e símbolo de superação, voltaria a enfrentar a pobreza e, por exemplo, precisou voltar a vender sanduíches na praia. Para a atriz, a mudança soava como um retrocesso simbólico: a personagem branca havia mantido o sucesso, enquanto a versão preta precisava “recomeçar”.
O conceito por trás da crítica de Taís, segundo representantes do movimentos de representatividade, aponta para o tokenismo. Uma prática na qual minorias são incluídas apenas para preencher cotas de diversidade, mas sem profundidade narrativa, mudanças estruturais reais ou oportunidades autênticas.
Segundo uma fonte da emissora, o episódio acendeu um alerta nos bastidores da TV Globo. A Coluna descobriu que há, inclusive, uma sugestão interna para que em casos de futuras alterações significativas de personagens em outros folhetins as equipes passem a fazer leituras coletivas, para garantir que todos os envolvidos se sintam confortáveis com os novos rumos sugeridos. A avaliação é de que casos como esse exigem um diálogo mais próximo e transparente entre os roteiristas e o elenco, especialmente em tramas com protagonistas que representam minorias sociais.
A Globo, vale lembrar, vem adotando importantes políticas de diversidade desde 2018, com a contratação de autores, diretores e roteiristas negros, além da revisão de critérios de composição de elenco em suas obras. A partir dessas mudanças, protagonistas pretos passaram a ganhar espaço real, com novelas como Vai na Fé e Dona de Mim, que também trouxeram mulheres pretas como Bella Campos e Clara Moneke como protagonistas.
Segundo fontes da Coluna, a autora Manuela Dias defendeu sua posição argumentando que o enredo precisou passar por ajustes para reter o interesse do público diante de tantas outras adaptações feitas em relação ao texto original. A autora teria explicado que o arco dramático de queda e superação de Raquel foi pensado para gerar impacto emocional e manter a atenção da audiência, um recurso comum em tramas longas.
Com esse episódio, o titular desta Coluna, reforça que em vez de reduzir o caso à lógica do “quem errou”, ele pode servir como um convite à revisão de processos, diálogo transparente e pactos mais maduros entre autores, direção, elenco e produção. Quando duas profissionais de grande relevância se chocam, é sinal de que estruturas precisam ser revisitadas, seja no planejamento, na comunicação ou no respeito aos limites individuais. O futuro da nossa teledramaturgia, inclusive, depende justamente dessa capacidade de transformar desgaste em aprendizado. É possível criar novos caminhos e reconhecer que o brilho de uma obra nasce, sobretudo, de ambientes onde confiança, escuta e corresponsabilidade não sejam exceções, mas regra.