Gisele Vitoria Fotos Masao Goto Filho/Ag. IstoÉ O baiano Nizan Guanaes está descobrindo sua alma carioca. Outro dia ele escreveu ?Minha alma canta? como título da crônica de sua coluna quinzenal no jornal Folha de S.Paulo para descrever sua sensação de ter um lar em Ipanema, ainda que como casa de praia, em pleno momento áureo do Rio de Janeiro. ?Vamos passar todos os finais de semana no Rio?, afirmava ele há um mês, quase eufórico, na noite em que recebia com sua mulher, a consultora de moda Donata Meirelles, os primeiros amigos num petit comité para inaugurar o apartamento no arpoador. Anoite era fria, mas Nizan e Donata ? linda de vestido curto e sandália rasteirinha ? estavam tão radiantes que não escaparam da gozação do amigo Luciano Huck: ?Esse verão de 11 graus tá uma beleza?, disse ele, provocando risos no grupo, enquanto os demais amigos, como Vik Muniz e Paula Lavigne, caminhavam encolhidos rumo ao restaurante Fasano al Mare. A visão de que o Rio é a porta do Brasil para o mundo o animou não só em passar mais tempo na Cidade Maravilhosa. Com faro para novos negócios, o publicitário e presidente do grupo ABC, já entrou em ação com a abertura da agência Africa Rio, voltada para o entretenimento. Para Nizan, agora o Rio é o mundo. E no mundo, esse cidadão global se sente em casa faz tempo. Desde os 8 anos, quando morou em Londres com o pai, que era médico, diz ter perdido o medo do mundo ao vencer um concurso de poesia na escola de lá. Quando pergunto, no fim desta entrevista, como era o poema, ele desconversa esbravejando: ?Ah, tenha santa paciência, não vou falar da vaquinha no céu?. Ri e insisti: ?Mas não foi com esse poema que você perdeu o medo do mundo?? E ele acabou contando ao menos o título: ?O nome da minha poesia era Crianças de Biafra, porque Biafra era o lugar da fome… Pronto?. Nizan Guanaes se tornou um cidadão global. Está em listas das personalidades mundiais mais influentes do mundo. Como construiu isso? Se você olhar, o Brasil é um líder global. Os líderes do Brasil nas suas respectivas áreas têm que ir além das nossas fronteiras porque o Brasil foi. Há uma expectativa. Todo dia você tem alguém que liga, que quer saber, que quer saber onde investir. Você foi escolhido como Embaixador da Boa Vontade da Unesco, foi eleito pela revista Fast Company, o 50 mais criativo em negócios no mundo, conte-nos um pouco disso… Mas, pera aí, isso não é muito diferente de dizer que as duas maiores empresas de carnes do mundo são brasileiras. A Petrobrás, a Valle, a Ambev, a Hipermarcas são do Brasil. O Brasil está inseridíssimo no mundo. Você tem o Francisco Costa, da Calvin Klein, que é do Brasil. O Marcelo Serpa é do Brasil. A Wallpaper escolheu a casa do ano, um projeto do Isay Weinfeld, que é do Brasil. A cidade do ano é o Rio de Janeiro. Existe o momento do Brasil. A gente pode virar avestruz, enfiar a cabeça dentro da terra e ficar na área de conforto. Essa história de dizer que você vai para o exterior, você vai para o final da fila. Ninguém te conhece. Você vai querendo mostrar seu trabalho, estar nos fóruns e fazer network. Eu não fico falando dos meus negócios, falo do meu País. Se você pegar uma entrevista minha na CNN, vai me ver falando quatro minutos e nenhuma frase sobre o Grupo ABC, e sim do Brasil. E as pessoas perguntam, mas qual seu modelo de negócio? E eu digo é simples: toda vez que a maré sobe, todos os barcos sobem juntos. O que lá fora querem ouvir de você? Ninguém quer ouvir falar de um grupo de publicidade. O que as pessoas querem ouvir é sobre onde investir no Brasil, o que está crescendo no Brasil, quais são as áreas de oportunidades no Brasil. Eu não vou para o World Economic Forum ou para o Clinton Global Iniciative para falar sobre o meu negócio. Nós estamos fazendo um evento em São Paulo com o BID (Banco Inter Americano de Desenvolvimento) sobre a base da pirâmide. É da base da pirâmide que está vindo toda essa prosperidade no Brasil. 30 milhões de pessoas saíram da linha de pobreza e entraram na classe C, na classe média. É uma transformação. Áreas de oportunidades: turismo e cultura. São duas áreas que o Brasil para se firmar como potência. Existe um tripé: educação, do ponto de vista interno, turismo e cultura. Se você quiser vender a indústria brasileira tem que firmar a cultura, a arquitetura e o design do Brasil.
Explique mais. Ontem eu vi um negócio fantástico na televisão. Um sujeito que está vendendo sapatos para a China. Só que ele vende sapatos caros. Isso é uma maravilha porque é uma inversão da lógica. É claro, todo mundo na vida tem que se posicionar. Eu tinha 140 quilos e quando você é gordo e tem 140 quilos você entende o que é posicionamento. Porque se você tem 140 quilos, não consegue namorar ninguém. Porque ninguém quer um homem de 140 quilos, então você tem que saber seu posicionamento na vida. Claro que o Brasil tem todos os problemas que a gente sabe que ele tem. Sobre carga tributária, sobre os perigos de desindustrialização, mas a gente não pode ficar só nessa pauta. A gente também precisa entrar na pauta da produtividade, da inovação, da construção de marca. Então essa fábrica disse, eu não vou competir com o sapato barato da China, eu vou competir com o caro. É tudo desenhado a laser e sabe qual o mercado da China para isso? 450 milhões. É fantástico. É o Brasil. Porque eu não acredito que o Brasil vá poder competir com os produtos baratos. O Brasil vai conseguir competir com os produtos melhores. Eu não acredito que o biquíni brasileiro possa ser vendido por preço. Ele vai ser vendido por charme, por appeal, por marketing. É evidente que eu não sou bobo de achar que a indústria não tenha que lutar pelos incentivos. Não tenho a menor dúvida, mas é que a pauta não pode se resumir a isso. O que eu estou dizendo é o seguinte: vender uma cadeira brasileira não é fácil, agora se ela for dos Irmãos Campana é muito mais fácil. É ser global. É ter um pensamento global. É o lema: I am a Global Latin American. Em que mais isso se aplicaria? Antigamente se olhava para o Rio de Janeiro e se via um mercado pequeno, é verdade. O Rio é o terceiro menor Estado da federação, Só que hoje o mercado do Rio é o mundo. É a cidade mais global que o Brasil tem. Então é isso, tem que transcender. A vida é uma pista de avião. Se um marciano descer e olhar uma pista de avião… o que é uma pista de avião? É um negócio que liga nada a nada. Ela só faz sentido se você voar. É uma tripa de asfalto que liga nada a nada. Não tem sentido. Parece a vida, começa aqui, acaba ali e não leva a lugar nenhum. Como é esse dia a dia de sair pelos quatro cantos do mundo? Tina Brown, diretora da Newsweek, quer oferecer um jantar para você… O que acha que já construiu? Eu que quero jantar com Tina Brown, estamos acertando a data. Nesse sentido é muito bom você ter uma companheira como a Donata (Meirelles, com quem é casado há oito anos) porque ela também por natureza, o trabalho dela é global, é internacional. Ela sempre trabalhou com moda. Moda é uma coisa global, a moda brasileira é cada vez mais global. Está na cara que o Pedro Lourenço vai ser uma figura cada vez mais global. Você tem o Oscar Metsavaht, que é um cara global. Veja o Vik Muniz? Eu me senti completamente em casa, eu, o Vik e o Oscar (escolhidos embaixadores da Boa Vontade da Unesco) porque eram três facetas de um mesmo Brasil. São três caras se virando para que seu trabalho não fique só aqui. Como foi o almoço com o presidente da França, Nicolas Sarkozy e a Carla Bruni? Você também se sentiu em casa? Foi ótimo. Nunca achei que fosse me sentir em casa no Elysèe. Como é se sentir em casa no Palácio Elysèe? Eles são extremamente simpáticos e é um casal encantador. Nós conversamos muito sobre a Fundação, fomos os três como embaixadores da Unesco e conversamos muito sobre a Fundação que a Carla Bruni tem. A Bruni Sarkozy. E o que eles sabem do Brasil? Sabem muito do Brasil, gostam muito do Brasil, e o presidente me falou muito sobre sua admiração pelo país…
Qual a importância do network nesse contexto global? Total. Como nós temos um mercado interno imenso, a tendência de países como o Brasil é serem umbilicais. Eu sou uma pessoa voltada para meu mercado interno. Boa parte da receita do meu grupo, sei lá, 80% vai vir daqui, mas meus clientes querem uma visão internacional. Eles querem um padrão de serviço internacional. Um trabalho internacional, então eu não posso ser paroquial. Não existe mais produto nacional e produto internacional. Os mercados e os serviços são abertos. Sabe aquela coisa de que os produtos do mundo entraram no Brasil? Os serviços do mundo estão entrando no Brasil. Então você tem que responder com o mesmo padrão. É isso quando eu falo que levei a minha cabeça para passear, cada vez mais pessoas da minha empresa estão indo e vindo. Você acabou de ver uma reunião com três pessoas em Nova York. Nós conversando aqui e eles lá, num telão que reproduzia a mesa de reunião. Todas as nossas agências da África estão ligadas por tele-presença. A única coisa diferente que tem é o fuso. Ter uma visão mundial é fundamental e isso, eu devo muito a meu pai: não ter medo do mundo. Não achar que você é menos, não se constranger com o mundo. Por que você deve ao seu pai? Meu pai foi fazer pós-graduação na Inglaterra, no antigo Brooktown Hospital em Londres, que não existe mais. Eu tinha 8, 9 anos na época. E fui junto. Aprendi inglês, ganhei meu primeiro prêmio em Londres, que foi na área de poesia, na escola. E nunca mais tive medo do mundo. Me sinto em casa. Acho o Brasil um país talentosíssimo, nós temos uma forma curiosa de viver. Outro dia fui jantar com um casal de libaneses, ela uma jornalista libanesa e ele um grande empresário libanês. Eles estavam entusiasmados com a comida do Dom. Vibro com o Brasil, eu gosto de levar no Dom e dizer que o Alex Atala acabou de ser eleito o sétimo melhor do mundo. Gosto de mostrar o Isay Weinfeld, um arquiteto de renome mundial. E contei ao casal como no Brasil convivemos com árabes e judeus numa absoluta boa. E eu disse para ela: no Brasil, o sexo derrotou o racismo. O cara até queria ser racista, mas a volúpia dele foi maior que o racismo. E criou uma raça interessante, tolerante. As nossas questões são outras. Não ficamos naquela coisa enjoada de discussão, nossa cabeça é mais elástica. Falam que o brasileiro é machista, mas se você for ver as questões que as mulheres tem pelo mundo, que são de uma violência absurda. Claro que existe um machismo, mas estão em outro esquadro diante das questões de opressão absoluta que as mulheres têm. A gente tem que aproveitar que é uma potência criativa, democrática e comportamental. Nós somos uma potência interessante. Nós não odiamos ninguém. Isso é um diferencial, uma vantagem porque o ódio consome muito tempo. Agora temos que ter consciência da importância da cultura, do turismo, do design e da educação na formação da imagem da nação. Temos que firmar a cultura brasileira para vender o produto brasileiro, a indústria brasileira. Quanto mais o mundo tiver uma visão refinada da gente, mas elevada de nós, mais respeitado vai ser quando lerem Made in Brazil. E, por seus passeios pelo mundo, sente que isso realmente está acontecendo,? Você vê a expansão do Brasil pela expansão da churrascaria. Toda grande potência tem a sua comida: a comida chinesa, a japonesa, a comida americana, a comida italiana, a comida árabe, são séculos e ciclos históricos. Dá uma olhada se tudo que vem não vem junto com os costumes, com o way of life… Agora está na hora de fazer o contrário: a economia empurrou o way of life, agora nós temos que usar o way of life para empurrar a nossa economia. O cara tem que ler lá Made in Brazil, o país dos Irmãos Campana, de Beatriz Milhazes, de Machado de Assis, de Fernando Meirelles. É assim quando você lê Made in USA, Made in Italy… O que gerou de frutos internacionais a sua amizade com o ex-presidente Clinton? Eu tenho uma admiração imensa por ele. É, sem sombra de dúvida, um presidente global. Um grande líder global. A coisa mais importante de participar do Clinton Global Iniciative é estarmos ligados ao centro de inovação e de pensamento moderno que aquilo é. Já tem três anos. Participo ativamente porque não é só um evento social e de network. O Clinton Global Iniciative junto com o World Economic Forum são os dois maiores fóruns de inovação e discussão social do mundo. E você se encontrou em Paris com a Hilary Clinton… Nós participamos de um painel, ela falou sobre desenvolvimento de jovens mulheres, o grande tema do mundo hoje. Você não consegue resolver alguns dos maiores problemas do mundo se não fortalecer a presença da mulher. Porque quem pode controlar a natalidade e a educação dentro de casa é a mulher. Quem pode ajudar na implantação de políticas públicas de saúde é a mulher. Quem é responsável pelo controle de microcrédito é a mulher. Tem uma palestra bem interessante em Cannes que diz: 5 problemas e uma resposta: a mulher.
E como você usa seu tempo livre? Você falou que gosta de rotina… Como eu não tenho dia a dia, eu gosto de ter rotina quando estou de folga. Gosto de estar com meus filhos. Tenho um filho que é o Antonio, e dois enteados – que é um nome horrível, feito para se ter horror das pessoas: enteado, padrasto e madrasta. São os piores nomes do universo. Eu tenho uma relação maravilhosa com eles, é uma delícia ter uma família, eu adoro criança, adolescente, adoro viajar com meus filhos, faço várias viagens com eles. Os meninos, um vai fazer 15 anos, o outro vai fazer 13. Fizemos uma viagem para Dubai, depois para a Roma, eu, o Antonio e o Zeca. Depois fui com eles para Benjing e para Xangai, na China. Foi fantástico poder ficar 20 dias. Fizemos tudo que você pode imaginar. Eu me recuso a tratar criança e adolescente como criança e adolescente. Vou jantar com eles nos melhores restaurantes, proíbo de ficar usando só camisa de futebol, quero que vá ver concerto de música clássica mesmo que não suporte. Nunca me esqueço uma vez que fui levá-los em um dia de Natal para ver uma ópera em Nova York, mas não podia ser pior a montagem e eles odiaram com toda razão. A minha estreia na ópera com eles foi um desastre. Mas eu procuro fazer tudo, ir a museus… Claro que eu já fui na Eurodisney, mas se você só trata com essas coisas fáceis, elas acabam ficando limitadas, tem que puxar… E eles entendem você, nessa filosofia? Entendem porque eu tenho intimidade. Uma vez levei o Zeca ao Louvre e ele, ala por ala, me dizia: ?estou muito cansado?. Os dois me chamam de Junior, porque eu ando na frente, e eles acham que eu sou mais infantil que eles. Você tem que ter intimidade com seus filhos. Agora eles compraram um bulldog inglês e já botaram o nome de Junior. Porque ele é gordo, bravo e só faz o que quer. É filhote. É bom ter isso. Eles são adolescentes normais, inclusive insuportáveis, aborrecentes, gostam de futebol, brincam, discutem, mas sabem conversar sobre qualquer coisa porque vêem o mundo. O Antonio sabe mandarim? Ele começou a estudar mandarim, mas agora, enquanto adolescente, ele tem horror a qualquer coisa que o pai orientou. Então parou. E como não estou a fim de encher a paciência, fiquei na minha. Mas cada um deles tem uma vocação. Antonio lê Tolstoi, Dostoievski. O Zeca sabe tudo de negócios, business, é antenadíssimo nessas coisas de dinheiro, fica ligado nas coisas do Jorge Paulo Lema. Antonio gosta de política, discute política internacional sobre a China, literatura, ama cinema. Helena mora em Nova York, gosta de moda, trabalha com o Valentino. Com ela já faço outro tipo de programa. No verão passado, fomos ao Líbano: eu, a Donata, ela e o namorado. Como foi? Tem parentes lá? Não tenho. Nunca tinha ido ao Líbano. É um espetáculo, uma capital linda, maravilhosa, pulsante. Meu irmão também foi. Eu e ele fomos lá para Bsharri, que é de onde minha família veio. Uma experiência incrível. É uma cidade pequena ao norte. O Líbano é muito pequeno. Minha avó, Helena Mansur, veio para a Bahia, no final do século XIX. Veio de navio, eles vieram visitar uns primos. Aí eles voltaram para o Líbano, mas gostaram e voltaram para cá. Ela conheceu meu avô aqui, que era brasileiro. Entrei na internet: Bsharri tem 300 habitantes, não tinha ninguém na rua. É uma vila no norte do Líbano, que é muito pequeno. Eu falei para o Roberto Duailib, eu atravessei o Líbano e ele respondeu: e o que você fez de tarde? É muito pequeno e bonitinho. Muito bonito, lamentavelmente sofre as pressões da guerra o tempo todo, mas é muito bonito. Nessas suas andanças você conheceu gente como Beyoncé… Não, isso não. Não? Mas você foi ao casamento da Alicia Keys? Mas aí é diferente. Eu conheci a Alicia Keys por causa de um outro amigo Alex Alard, que estava fazendo o casamento na casa dela, mas nós nem ficamos. Nós a conhecemos na Córsega, na casa desse nosso amigo. Mas veja bem, eu odeio ?Maria celebridade?, como tem ?Maria chuteira?. Eu conheço as pessoas pela minha atividade profissional. Tanto que eu sou um dos donos da XYZ e não vou aos shows… No ano passado, eu fiquei 157 dias viajando. A coisa que eu mais adoro é ir jantar com meus filhos. Eu já fui a todas as festas que eu tinha que ir. Eu prefiro ficar lendo em casa. Até porque profissionalmente, e claro, não vou virar um ermitão, já tenho uma vida social. Veja bem, de segunda a sexta eu já tenho que sair muito, tenho que viajar muito. Todas as vezes que eu posso, eu prefiro ficar em casa, ir para uma praia… Mas quando você diz ficar em casa, onde é? você tem casa em Paris, casa em NY… É ficar em casa em São Paulo. Eu passei o reveillon em casa. Dentro de casa, em Paris. Eu não tenho um monte de casas porque eu quero só. Eu gosto, mas eu uso esse monte de lugares para fazer relacionamento. Sou uma pessoa que trabalho em cima de comportamento. É evidente que meus clientes da Africa vão querer saber o que está acontecendo na última moda, qual a tendência, o que está acontecendo de novo. Então eu não posso ficar deitado em Trancoso. Isso é levar a sua cabeça para passear. Você estar permanentemente se atualizando.
Como resume sua história? A tradição da minha vida foi mudar. Tem uma frase da Cecília Meirelles que eu gosto muito que diz que ?a vida só é possível se reinventada?. Não é à toa que em todas as coisas metafísicas, espirituais e místicas, se fala de ciclos. E não é só a vida que tem ciclos. Uma marca tem que se reinventar e se reposicionar constantemente para significar a mesma coisa. A minha vida foi se transformando. Eu era redator na Bahia, depois saí da minha zona de conforto porque o mercado baiano na época era muito regional. Fui para o Rio de Janeiro, na fase do primeiro Rock in Rio, ganhei meus primeiros prêmios, depois senti que eu precisava partir para um vôo maior. Foi quando foi para São Paulo? Sai de novo da minha zona de conforto. Estava estava na linha de frente da Artplan, e comecei como redator sub junior na DPZ. Em São Paulo, eu vim com um visto do Washington Olivetto. Saí para acompanhar o Washington, que estava começando na W. Quando eu já estava como diretor de criação da W, mais uma vez saí da minha zona de conforto e fui começar uma agência pequena, que era a DM9. Comecei do zero. Aí transformamos aquela agência na maior, na melhor e mais bombada agência na década de 90 e que está aí até hoje com esse sucesso todo. E eu poderia ter me acomodado, mas me arrisquei. É fácil dizer: vou vender a agência por US$ 111 milhões. É um super negócio, mas também dá um supermedo. Ter 35 anos e vender a sua agência é um negócio que dá medo. Mas você tinha planos… Fiquei dois anos na internet, no IG. Depois quis fazer um grande grupo. Sou formado em administração, sou descendente de libanês. Tenho uma vocação fenícia para comércio e negócios. Não sou financista, mas sempre, por natureza, fui um empreendedor. E sou um homem de criação. O Brasil estava se globalizando. Desde 1994, a economia brasileira estava se estruturando. Ficou claro para mim que se você quisesse perenizar seu negócio do ponto de vista empresarial, teria que ter escala. Assim criei o ABC. Agora quero construir uma WPP, uma Publicis, uma Omicom nacional, porque terá que haver um grande grupo nacional. Sonhar é uma delícia, agora construir sonho é uma encheção de saco. É por isso que as pessoas desistem. Todo mundo sonha sábado, o problema é segunda-feira. Todo mundo inventa, ah eu vou fazer isso ou aquilo. O problema é você ter a disciplina de colocar as coisas… Como você constrói sonhos? Você tem que abrir mão de uma série de coisas. Você quer ver um negócio? Eu passei a década de 90 competindo em Cannes, ganhando em Cannes, envolvido em prêmios. A primeira coisa que coloquei na cabeça quando resolvi construir o ABC foi abrir mão do controle das coisas. Não entro na DM9 para dizer o que Sérgio Valente vai fazer, ou na Loducca, ou na Sunset, ou na New Style. Senão você não constrói um grupo. Você só constrói um grupo tendo talentos, time, gestores, dando a eles independência… Você tem que ser a visão, uma filosofia. O grupo ABC, o conjunto das empresas do Grupo ABC tem uma filosofia. Ele é unido pela qualidade. O Celso Loducca é um super publicitário. O Sérgio Valente, o Sérgio Godilho, o Márcio Santoro, o Luis Fernando, o Bazinho Ferraz, a XYZ, o Guto da Sunset, a Alice e o Cláudio, eles são o que há de melhor. Quero ser grande, mas a gente tem que tomar cuidado para não ser grande ruim. Porque geralmente, no mundo, os maiores não são os melhores, não é?
Como posiciona o seu grupo hoje? Quero ser o maior e o melhor grupo brasileiro. Esse é o posicionamento da gente. E aí, eu tive que abrir mão. Eu nunca mais fui à Cannes, eu nunca mais entrei em prêmios, eu me cerquei de gente, se você olhar, quem comanda o Grupo ABC é o Guga (Valente), o Paulo Queiroz, o Bazinho. E hoje os filhos estão crescidos: eu construí uma LVMH. E agora quero fazer uma Louis Vuitton. Ou seja, eu quero fazer da Africa uma marca global. Por todas as pesquisas, a Africa é a empresa top of mind e a agência mais desejada do Brasil. Mas eu quero que ela seja agora global como o Brasil é. Como é isso de a Africa ser uma agencia de publicidade artesanal? Sempre digo que ela é a Hermès. Ela é feita à mão. Se você olhar, eu não sei teclar. Eu catava milho na época da máquina de escrever. Faço tudo escrito à mão e gosto de ver as coisas pessoalmente. A tecnologia que eu mais amei de todas as coisas modernas é a tele-presença, que é o sonho de consumo de um sujeito controlador. É tudo que um sujeito controlador quer na vida. Eu sempre digo que o padroeiro da Cisco, que é o pessoal que faz a tele-presença é o Santo Antônio de Pádua, que está em dois lugares ao mesmo tempo, e tinha o poder da onipresença. Então hoje, o que é a Africa Global? São quatro empresas, que embora tenham perfis completamente diferentes, trabalham separadas pelo mundo e unidas, se o cliente quiser. Africa Rio, que estará voltada ao entretenimento, a nossa Holywood, que é o Rio. Africa São Paulo, que é a agencia de publicidade. A Africa de San Francisco é digital. A Africa de Nova York é uma empresa de PR, mas não no sentido clássico. Usaremos uma estrutura para divulgar as marcas brasileiras no mundo. Dá um exemplo… Ipanema da Grendene pelo mundo. Queremos organizar ações para que a marca esteja nas revistas do mundo inteiro, que tenha espaço nos eventos. E é isso que eu vou fazer. Quero fazer isso com produtos de consumo, com empresas… temos empresas que querem ser conhecidas porque vendem ações pelo mundo, porque querem ser reconhecidas pelo valor de suas marcas. Então esse trabalho de PR é tornar empresas brasileiras globais e empresas globais brasileiras. E como você enxerga essa Africa digital? Não preciso nem enxergar. Eu pego aqui e te mostro. Eles já estão em pleno emprego, já trabalham para algumas das maiores empresas dos Estados Unidos. Essa não está começando, ela já existe. É uma empresa que nós compramos, que se chama Dojo Africa, os caras são incríveis. Eles já têm um trabalho fabuloso. O Mauro Alencar e o Jeff (Edwards), que não sei o segundo nome aqui, é uma das duplas mais premiadas dos Estados Unidos em internet. Só para te lembrar aqui que o Grupo ABC é dono da Pereira & O’Dell, nos Estados Unidos, que é a agência na área digital mais famosa e conceituada os Estados Unidos. E você teve ofertas para vender o Grupo ABC… Venderia? Tenho 53 anos. Durmo pouco, amo trabalhar. Ia fazer o que? O que um homem rico faz? Eu acho que eu não consigo me ver sem trabalhar. É um negócio que eu não concebo. Eu só vou para a aposentadoria compulsória. Motivo: Alzheimer. Adoro trabalhar… E gosta de ganhar dinheiro, de multiplicar… Gosto de empreender. Porque se eu gostasse só de ganhar dinheiro, eu venderia meu negócio, aplicava e talvez ganhasse mais dinheiro. Tudo isso foi feito reinvestindo, e não com endividamento. Tocando isso por uma equipe. Jamais conseguiria fazer isso sem o Guga. Isso aqui é o trabalho do Guga, do Paulo Queiroz, do Sérgio Valente, do Sérgio Gordilho, do Celso Loducca, do Luis Fernando, de um monte de gente. Não há nada que me irrite mais do que pessoas que venham para mim com estereótipos formados de publicitários. Porque isso para mim não cabe. Eu não me chamo Africa, não me chamo DM9, não me chamo Loducca, não me chamo XYZ. Mas que tipo de esteriótipo? É aquela coisa assim: o culto à personalidade. Não chamo nem A, nem B, nem C. Você pode ir a qualquer uma das minhas empresas e perguntar: Nizan anda aqui? Não, não ando. Então eu deleguei totalmente. Eu sou uma pessoa disciplinada. Tudo que eu disse ao mercado que eu ia fazer, eu fiz. Algumas coisas em mais tempo, outras em menos tempo. Claro porque eu não comando no cenário internacional. Porque tem coisas que eu queria fazer e tive que puxar o freio por causa da recessão mundial. Mas as coisas que eu disse eu disse que i afazer, eu fiz. Errei, mas acho que o problema não é errar. É você errar rápido para corrigir logo. É você não ter nenhum problema de admitir que aquilo está errado e fechar a empresa, muda, muda de curso e tal. Fizemos um grupo de 18 empresas, o Grupo ABC é o Grupo que mais cresceu o ano passado, no mundo. 30%. Em 8 anos, o décimo nono grupo mundial. Qual o faturamento? 350 milhões de dólares. Ou seja, não é pouca coisa. Mas se eu tivesse uma empresa sozinho talvez, hoje, possivelmente, estaria ganhando tanto quanto ou mais dinheiro. Só que você não constrói um patrimônio. Eu quero fazer uma empresa perene, que revela talentos, para agregar valor, para fazer meu país crescer. Fico feliz de ver, e quero lembrar o seguinte: Paulo Queiroz era o chefe do Luis Fernando, que era o chefe do Daniel Chafon. Tem três gerações de mídia que são meus sócios. Eu tenho 40 sócios. É difícil abrir mão porque isso me dilui. E tem que pensar maior. Nos disciplinamos. Uma vez, uma pessoa que eu gosto muito me disse “Nizan, eu admiro você porque está conseguindo fazer tudo que não é da sua natureza”.
Então, você é um criativo, que está sempre a mil, mas conseguiu construir um grupo organizado, disciplinado. Como faz? Vou te falar: só se vive muito comendo e bebendo o que não se gosta. É isso. Eu tinha 140 quilos, eu fiz uma operação de redução de estômago. Há cinco anos eu reduzi o meu estômago. Não é fácil fazer isso. Não é só uma mudança de estômago, é uma mudança na alma. Você tem que reaprender tudo. E o que você reaprendeu? Tudo. Por exemplo, alface é péssimo. Porque ele desce arranhando. Você tem que escolher, porque tem que comer arroz integral, porque não estufa. Você tem que fazer escolhas, por exemplo, eu não gosto muito de comer salada porque eu fico sem proteína. Mas você tem que reaprender, e nos anos seguinte. Sofri muito. Você se deprimiu? Não, mas é você ficar entalado com a comida. É um monte de coisas inconvenientes. Mas teve aquela coisa de ter vontade de comer e não conseguir? Não, não. Ao contrário. É ter comido demais e não estar se sentindo bem. E é uma operação de alto risco. Você teve medo de morrer? Não. Não acho que é uma operação de alto risco. É uma operação de alta paciência, de alto saco. Porque ela não é 100 metros rasos, é uma maratona. Se você olhar, tem gente que opera e volta a engordar porque começa a tomar leite condensado, que é uma coisa que desce fácil. Ou chocolate. Você passa por uma coisa que é doloroso, chato, você tem que tomar cuidado para não cair cabelo. O Roberto Kalil é meu médico e como bom hipocondríaco, nada melhor do que ter um médico como o doutor Roberto Kalil. Como era a poesia do concurso da sua escola em Londres, aos oito anos? Ah, tenha santa paciência, não vou falar da vaquinha no céu, mas não vou mesmo…(risos) Mas foi com ela que você diz ter perdido o medo do mundo… O nome da minha poesia era “Crianças de Biafra”, porque Biafra era o lugar da fome… Pronto.