Deixar Donald Trump sem sua conta no Twitter é uma decisão “problemática”. A opinião não é de um partidário do presidente dos Estados Unidos, mas sim da chanceler alemã Angela Merkel, após a medida polêmica da rede social, que relançou o debate sobre a regulamentação dos gigantes da internet.
– “Terremoto” –
A decisão do Twitter de suspender “permanentemente” a conta pessoal do presidente republicano (88 milhões de seguidores) é “um terremoto”, disse à AFP a professora universitária Florence G’sell, especialista em direito digital.
É uma medida unilateral justificada pelo “risco de novas incitações à violência”, dias após a invasão do Capitólio por seus seguidores.
A mesma decisão foi seguida pelo Facebook, Instagram, Snapchat e YouTube na terça-feira.
A iniciativa relançou o debate sobre o poder e a regulamentação dos gigantes digitais. E a crítica não vem apenas de partidários do presidente republicano.
A chanceler alemã, Angela Merkel, considera “problemática” a expulsão de Donald Trump das principais plataformas digitais, disse sua porta-voz na segunda-feira.
“É possível interferir na liberdade de expressão, mas de acordo com os limites definidos pela Legislação, e não por decisão da direção de uma empresa”, explicou.
“A regulação dos gigantes digitais não pode ser feita pela mesma oligarquia digital”, criticou o ministro da Economia e Finanças francês, Bruno Le Maire, à rádio France Inter.
O opositor russo Alexei Navalny denunciou – no Twitter – “um ato de censura” baseado em “sentimentos e preferências políticas”.
Kate Ruane, da poderosa União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), acredita que “todos devem se preocupar quando essas empresas têm o poder de remover de suas plataformas pessoas que se tornaram indispensáveis para a expressão de milhões de indivíduos” .
– “11 de setembro das redes sociais” –
O comissário europeu Thierry Breton, que apresentou dois projetos legislativos em meados de dezembro para tentar regular os gigantes da Internet, comparou a decisão do Twitter a um “11 de setembro de redes sociais”.
Desde a sua criação, as redes sociais são protegidas pela Seção 230 do “Communications Decency Act” da legislação americana, que as impede de serem processadas pelo conteúdo publicado por terceiros e as exonera de responsabilidades civis e criminais por serem consideradas meros provedores.
“O dogma do artigo 230 que é o dogma no qual as redes sociais têm baseado sua força desde 2000 (…) acaba de desmoronar, e é um monumento que desmorona no espaço da informação”, declarou o Comissário Europeu na segunda-feira.
“Pela primeira vez nas redes sociais, este ato reconhece que os atores principais têm uma responsabilidade editorial.”
“É uma censura enquadrada pelas condições gerais” das redes sociais, que em última análise são as únicas chefes, afirma a advogada digital Christiane Féral-Schuh.
“Nos Estados Unidos, a primeira emenda protege os cidadãos americanos contra qualquer ataque à sua liberdade de expressão, mas a Suprema Corte também considera que particulares podem moderar seus espaços de discussão como quiserem”, lembra à AFP.
– Qual é o marco legislativo? –
“Isso justifica plenamente o que estamos fazendo há um ano, a regulamentação das redes sociais (…) que responde com muita precisão a esse tipo de questionamento. E uma vez em prática, o que aconteceu nos Estados Unidos nunca poderia ser reproduzido”, disse Breton aos jornalistas.
“Os textos legislativos não são suficientes para regular o problema”, lembra Christiane Féral-Schuhl.
“Há um problema transnacional e precisamos colaborar com esses atores, sob o controle posterior do juiz, e fazer cumprir essas decisões dentro de nossas fronteiras”.
Resta saber o que o governo Joe Biden fará, após uma audiência particularmente tensa em novembro com os fundadores do Facebook e do Twitter no Senado dos Estados Unidos sobre a famosa “seção 230”.
Para Florence G’sell, “o que está previsto na Europa e que poderia ser de grande interesse para os americanos é o estabelecimento de um procedimento para a aplicação das decisões de moderação, a possibilidade de contestar essas decisões e de recorrer a uma terceira instância para resolver a disputa”.
Para isso, “devemos legislar” na Europa e nos Estados Unidos e “esclarecer qual regime se aplica aos líderes políticos, mas também de forma mais ampla a todos os participantes do debate público”, explica a especialista.
“Acho que as plataformas estão dispostas a colaborar. Mas não devemos ser ingênuos, há enormes interesses financeiros e eles se beneficiam muito com a polarização.”
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