Dez anos após fugir do Irã para a Alemanha, o político de esquerda Shoan Vaisi concorre a um mandato como deputado federal nas eleições alemãs de setembro. Ele pode se tornar o primeiro ex-refugiado no Bundestag.Imagens de pessoas desesperadas, que em pânico arriscam suas vidas para fugir do regime talibã no Afeganistão, dominam o noticiário nos últimos dias. A tragédia afegã e suas terríveis consequências para a população local inquietam Shoan Vaisi. Ela traz de volta lembranças de seus próprios tempos sombrios. “Eu conheço a situação pela minha história. Quando se tem de fugir da morte. Quando se está tão desesperado que se tenta escapar a todo custo”, disse Vaisi à DW.

Cinco meses em fuga

Vaisi sabe o que significa não estar mais seguro no próprio país. Em 2011, ele teve que fugir do Irã. A acusação: como membro de uma organização de esquerda, ele preparou manifestações e leituras de livros proibidos, fez campanhas pela igualdade entre mulheres e homens, e forneceu informações sobre a opressão da minoria curda. Com isso, Vaisi, que também é curdo, atraiu a ira do regime dos mulás e estava sujeito à prisão e tortura. A Vaisi só restou fugir de sua cidade natal, Sanandaj, perto da fronteira entre Irã e Iraque. A jornada a pé durou cinco meses. Ele passou por Turquia e Grécia até chegar à Alemanha.

Embora tenha encontrado segurança, faltava a sensação de realmente ter “chegado”. Ele não falava alemão e seu certificado de conclusão do ensino médio valia apenas como prova de que terminou o ensino obrigatório. Vaisi teve que começar do zero. Ele fez cursos noturnos, estudou alemão e procurou trabalho.

Recomeço na cidade de Essen

Como ex-lutador profissional representou o Irã em competições representando, ele teve perseverança e disciplina suficientes para superar os obstáculos no curso de integração. Hoje, dez anos depois, ele fala fluentemente alemão e se sente em casa na cidade de Essen, no estado alemão de Renânia do Norte-Vestfália.

Atualmente, com 31 anos, faz um curso de serviço social, e trabalha como assistente social e tradutor e intérprete para as línguas curda e persa. Ele tem cidadania alemã desde 2017. Na vida privada, tudo também vai bem. Ele tem uma filha com a esposa que conheceu na Alemanha e luta pelo clube de luta livre local. Vaisi é visto por muitos como um exemplo de integração bem-sucedida.

Seu próximo objetivo é se tornar deputado federal e ingressar no Bundestag pelo Partido A Esquerda. Se nas eleições federais de 26 de setembro próximo seu partido conseguir um resultado semelhante ao de há quatro anos, Vaisi teria uma boa chance de uma cadeira no parlamento.

Se eleito, ele seria o primeiro ex-perseguido político no Bundestag. “No ano de 2021, para uma sociedade diversa, é mais necessário do que nunca que pessoas de grupos desfavorecidos sejam representados no Bundestag”, enfatiza Vaisi. Não será fácil porque, de acordo com as últimas pesquisas, seu partido perdeu parte da popularidade. A Esquerda é atualmente o segundo menor grupo parlamentar depois dos verdes.

Ódio e agitação de extremistas de direita

Vaisi decidiu concorrer ao Bundestag depois que Tareq Alaows retirou sua candidatura. Alaows, um advogado que fugiu da Síria há seis anos, queria concorrer a um mandato pelo Partido Verde. Em março, ele retirou a candidatura devido a hostilidades racistas. “Isso me chocou. Minha candidatura é uma resposta a sua retirada”, disse Vaisi. Se refugiados ou pessoas com experiência em migração se envolvem socialmente e na política, a hostilidade é esperada, mas Alaows não contava com tanto ódio, contou Vaisi.

As reações da política e da sociedade civil o surpreenderam mais ainda. “Eu queria mais indignação. Isso não pode ser! Em 2021, um refugiado na Alemanha ser ameaçado e proscrito da vida política. Tenho a impressão de que isso foi aceito sem protesto. Houve alguns tuítes de consternação, dizendo tratar-se de um fato triste. Mas de que adianta isso? Eu gostaria que tivesse havido mais discussão, mais apoio para ele e para as pessoas que tiveram essa experiência ou estão pensando em entrar na política.

Mas Vaisi não se deixa intimidar pelo ódio. Ele não quer fazer esse favor aos provocadores. Ele tem recebido comentários misantropos nas redes sociais desde sua candidatura, mas aprendeu a lidar com isso. Vaisi escreveu no Twitter: “As ameaças contra Alaows mostraram como é aterrorizante para os racistas na Alemanha a ideia de que um refugiado ocupe um assento no Parlamento alemão. Quero tornar seu pesadelo realidade”.

Luta contra a pobreza

Como político, ele quer combater a pobreza e a desigualdade e dar melhores perspectivas às crianças e aos jovens, que muitas vezes também têm um histórico de migração, e isso num país que, visto de fora, parece tão rico. “Estamos no caminho certo na Alemanha. Mas ainda estamos muito distantes de uma sociedade na qual ninguém vive na pobreza, na qual ninguém é discriminado, disse Vaisi.

Acima de tudo, na sua opinião a pandemia do coronavírus acentuou o desequilíbrio social no país: “Na Alemanha, há pessoas que ficaram mais ricas durante a crise. O número de milionários e bilionários aumentou, numa época em que muitos temem por seus empregos ou serem demitidos.” Da mesma forma como seu partido, ele defende um imposto sobre o patrimônio dos ricos para amortecer o fardo financeiro da crise.

Outra preocupação importante para ele é uma política de migração mais humana. Ele diz sempre ter sido uma pessoa política. Já no Irã, ele costumava lidar com problemas internos do país. “Mas outras questões surgiram na minha fuga: a desigualdade no mundo, que leva as pessoas a fugir, como elas são tratadas, mas também a chegada à Alemanha, a integração e a discussão sobre ela − essas foram as razões para eu voltar a me engajar politicamente na Alemanha.”

Conselho de um lutador

Vaisi recebe muito apoio. Muitas pessoas, incluindo eleitores de outros partidos, como a União Democrata-Cristã e o Partido Liberal, escreveram manifestando seu apoio para continuar e se manter forte. “Além disso, pessoas que, como eu, vieram para a Alemanha como refugiados, me escrevem que querem entrar na política por minha causa. Parte do que eu queria atingir foi alcançado. Minha candidatura colocou algo em andamento.”

E se ele não for eleito ao Bundestag? “Aí você tem que se levantar, seguir em frente, não desistir”, responde o ex-lutador profissional. Ele diz que por meio do esporte aprendeu a sempre acreditar na vitória e continuar treinando para tempos melhores. “Isso me ajuda na política, na medida em que acredito em nossa sociedade e luto para que os ideais se tornem realidade.”