O ex-presidente Jair Bolsonaro é alvo de 16 ações que podem torná-lo inelegível. A que está em estágio mais avançado de tramitação e pode complicar sua vida política tem julgamento marcado para esta quinta-feira (22/06) no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e é referente ao encontro com embaixadores em 18 de julho de 2022 no Palácio da Alvorada, em Brasília.

Naquele dia, o então presidente da República e pré-candidato à reeleição se reuniu com dezenas de representantes diplomáticos de outros países para falar sobre a votação com urnas eletrônicas, que ele criticava. Poucos meses depois, Bolsonaro tentaria a reeleição – e na época do encontro ele já estava atrás nas pesquisas eleitorais.

Na reunião com os embaixadores, Bolsonaro fez uma série de acusações mentirosas e sem provas contra o sistema eleitoral brasileiro. Ele repetiu teorias fantasiosas sobre as urnas eletrônicas, atacou ministros do Poder Judiciário e declarou que o TSE deveria acatar “sugestões de transparência” feitas pelas Forças Armadas. O evento durou cerca de 50 minutos e foi transmitido ao vivo pela TV Brasil e em redes sociais.

Na época, o jornal The New York Times chegou a publicar que diplomatas ficaram abalados e incomodados com as falas de Bolsonaro.

A ação que vai ser julgada pelo TSE

Depois da reunião com os embaixadores, já em agosto de 2022, o PDT moveu uma “ação de investigação judicial eleitoral” contra Bolsonaro. O partido – que tinha Ciro Gomes como candidato à Presidência – diz que o então presidente praticou abuso de poder político.

Segundo o TSE, o abuso de poder político ocorre quando aquele que detém o poder se aproveita da sua posição “para agir de modo a influenciar o voto do eleitor”.

O PDT argumentou ainda que Bolsonaro fez uso indevido do aparato estatal, já que a reunião ocorreu no Palácio da Alvorada e foi transmitida na íntegra pela TV Brasil, que é pública. A legislação brasileira proíbe candidatos que buscam a reeleição de usar a estrutura estatal e a máquina pública em seu proveito.

A ação também aponta para o uso indevido de meios de comunicação social, já que Bolsonaro usou suas redes sociais para divulgar os ataques ao sistema eleitoral. O PDT argumenta que o ex-presidente visava ganhos eleitorais com a publicação das imagens, até porque ele parecia ter o apoio dos países representados na reunião.

Ou seja, o encontro com embaixadores em Brasília foi uma das peças que compuseram a narrativa criada por Bolsonaro de que as urnas eletrônicas podiam ser fraudadas.

A ação movida pelo PDT é a que avança mais rápido entre os processos contra Bolsonaro. Numa das últimas etapas antes do julgamento, o Ministério Público Eleitoral se manifestou a favor da inelegibilidade do ex-presidente. Antes disso, a investigação coletou depoimentos e provas. O vídeo da reunião com os embaixadores é, com certeza, a principal delas. Ele foi entregue pelo próprio PDT quando moveu a ação.

Outra prova incluída no processo é a chamada “minuta do golpe”, apreendida pela Polícia Federal. O documento é o rascunho de um decreto presidencial com o qual Bolsonaro instauraria Estado de Defesa e realizaria uma intervenção na sede do TSE em caso de derrota nas eleições. Ele foi encontrado na casa de Anderson Torres, que foi ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro.

Essa minuta pode reforçar o entendimento de que ameaças golpistas eram recorrentes no governo passado – e inclusive envolviam outros órgãos de Estado.

E se Bolsonaro for condenado?

No direito eleitoral, a inelegibilidade e a cassação do mandato são as sanções máximas que podem ser aplicadas a um político. Se o TSE declarar Bolsonaro inelegível, ele não vai poder disputar eleições por oito anos. O que pode variar é quando esse prazo começa a ser contado. Dependendo do entendimento do TSE, pode ser que o ex-presidente, que tem 68 anos, só volte a disputar eleições em 2030 ou 2032.

O pior dos casos para Bolsonaro é se o tribunal entender que ele praticou abuso de poder. Nesse caso, os oito anos começariam a ser contados em janeiro de 2023, o que o impediria de participar também das eleições de 2030.

E o que diz a defesa?

Os advogados do ex-presidente negam que a reunião com embaixadores tivesse objetivos eleitorais. Segundo eles, o encontro era apenas um “intercâmbio de ideias”. A defesa sustenta que Bolsonaro se pronunciou na condição de chefe de Estado, num ato de governo. E afirma também que o público-alvo do evento eram cidadãos estrangeiros, e não eleitores.

Esse último argumento simplesmente ignora o fato de a reunião ter sido amplamente divulgada em meios de comunicação.

O julgamento pelo plenário do TSE, que se inicia nesta quinta-feira, é a próxima etapa do processo. Se um dia não for o suficiente para concluir a audiência, há duas datas adicionais previstas: 27 e 29 de junho.

Quais são as chances de Bolsonaro ser punido?

No meio político e também entre especialistas, a opinião prevalecente é que o TSE provavelmente vai tornar o ex-presidente inelegível. Até mesmo aliados de Bolsonaro consideram elevada essa probabilidade.

Analistas lembram que existe um precedente. Em 2021, o tribunal cassou e tornou inelegível o então deputado estadual Fernando Francischini por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. São as mesmas acusações que pesam contra Bolsonaro.

Francischini foi considerado culpado por ter propagado informações falsas sobre o sistema de votação no primeiro turno das eleições de 2018.

Alguns especialistas apontam que o caso de Bolsonaro é ainda mais grave, já que se trata de um chefe de Estado que, no curso do mandato, convocou diplomatas estrangeiros para pôr em xeque o sistema eleitoral que o elegeu.