Para alguns, ela é uma prisioneira política; para outros, uma golpista. O julgamento contra a ex-presidente interina da Bolívia Jeanine Áñez por um suposto golpe contra seu antecessor, Evo Morales, começa nesta quinta-feira (10) em meio a polêmicas.

A direitista de 54 anos, presa em La Paz há 11 meses e em greve de fome desde quarta-feira, será julgada junto com oito ex-militares.

O início do processo, que será virtual, está previsto para as 10h00.

Ela é acusada de ter assumido inconstitucionalmente a presidência em novembro de 2019 após a renúncia de Morales (2006-2019) em meio a protestos massivos por uma suposta fraude eleitoral denunciada pela Organização dos Estados Americanos.

“Assumi a presidência da Bolívia sem pedir, sem procurar e muito menos esperar… com a única missão de convocar eleições e pacificar o país em convulsão”, escreveu a ex-presidente, que governou entre 2019 e 2020, em uma carta na terça-feira.

Seu advogado Luis Guillén solicitou um julgamento presencial e exigiu a presença das testemunhas durante as audiências, depois que o Ministério Público anunciou que apresentaria os testemunhos por escrito, o que impediria que juízes e advogados de defesa os questionassem.

Na terça-feira, um grupo de 21 ex-presidentes de países ibero-americanos pediu à ONU que visite Áñez e informe sobre possíveis “abusos de poder” contra ela.

– Dois processos –

O outro caso contra a ex-presidente – por sedição, terrorismo e conspiração – está em fase de investigação, portanto ainda não há acusações formais.

Segundo Guillén, “há dois processos por o mesmo ato”, o que viola um princípio geral do direito. Além disso, sublinhou que “um tribunal comum não pode decidir o que é constitucional”.

Já os demandantes – o governo, o MP e o Congresso – argumentam que serão julgadas as ações de Áñez anteriores ao seu governo.

Para o cientista político Carlos Cordero, da Universidad Mayor de San Andrés, “este é um julgamento político que o atual governo do presidente Luis Arce está realizando”.

“É uma forma de estabelecer uma sanção política para aqueles que ousaram ser adversários em um momento de crise do Movimento para o Socialismo (MAS)”, o partido oficialista, concluiu.

A ex-presidente também foi acusada de “genocídio”, que acarreta penas de prisão entre 10 e 20 anos, na sequência da denúncia de familiares de vítimas da repressão de novembro de 2019.

Um grupo de especialistas formado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em acordo com a Bolívia contabilizou 22 mortes nesses incidentes, que descreveu como “massacres”.

Mas, diferentemente das outras acusações, esta será tratada pelo Congresso, que decidirá se realiza um julgamento de responsabilidades contra a ex-presidente. O relatório também questiona a independência do sistema judicial boliviano.

Em outubro de 2019, Morales disputou um quarto mandato, apesar de ter perdido um referendo que permitiria sua reeleição. Em meio a uma forte convulsão social e acusações de fraude, finalmente perdeu o apoio do Exército e da Polícia e deixou o país.

Aqueles que deveriam sucedê-lo renunciaram: o vice-presidente, o chefe do Senado e o presidente da Câmara dos Deputados.

Em meio a um vácuo de poder, Áñez, advogada e ex-apresentadora de televisão, assumiu por ser a próxima na linha de sucessão.

O Parlamento, que era controlado pelo MAS de Morales, reconheceu a legalidade de sua gestão, cuja principal tarefa era organizar novas eleições. Estas foram realizadas em outubro de 2020 após dois adiamentos devido à pandemia, e o vencedor foi Arce, aliado de Morales.

Áñez deixou o poder em novembro de 2020 e em março de 2021 foi presa.

A ex-presidente foi finalista do Prêmio Sakharov para a defesa dos direitos humanos e da liberdade de pensamento, que é concedido pelo Parlamento Europeu.