Na manhã da segunda-feira, 29, a revista IstoÉ, em parceria com o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), organizou um debate sobre o papel das Forças Armadas no Brasil. Em torno do tema: “Da criação do Ministério da Defesa aos dias atuais”, participaram da live os ex-ministros da Defesa Nelson Jobim (2007-2011), Aldo Rebelo (2015-2016) e Raul Jungmann (2016-2018), além do ministro do STF Gilmar Mendes.

O debate teve moderação de Ney Bello e Victor Mudrovitsch, ambos do IDP, e Germano de Oliveira, diretor de redação da IstoÉ. A questão da defesa nacional atravessou governos tanto de esquerda quanto de direita. Recentemente, no governo Bolsonaro, ganhou ainda mais importância, diante da preocupação com a possibilidade de os militares atentarem contra a Constituição e as instituições democráticas.

Uma hipotética movimentação golpista dos quartéis e da caserna foram o eixo do debate. “A política dentro dos quartéis é uma questão mal resolvida”, afirmou Jungmann, que conclui: “O poder político não assume a responsabilidade de definir os rumos das Forças Armadas na defesa nacional”.

No debate, chegou-se à conclusão de que a criação do Ministério da Defesa percorreu um longo caminho de resistência na história brasileira. “Os interesses entre civis e militares convergiram para uma rejeição do modelo unificado”, explica Jobim. Para ele, os parlamentares durante o debate na Constituinte avaliavam que a criação do ministério traria como consequência a atribuição a um único homem, o ministro da Defesa, o comando de todo o poder militar, o que, eventualmente, poderia gerar graves riscos para manutenção da democracia. “Era um fato que todos os constituintes desejam evitar”, afirma o ex-ministro.

Em 1997, lembra Jobim, as questões militares e de segurança na área internacional ganharam visibilidade porque o Brasil, com uma possível candidatura ao Conselho de Segurança da ONU, retomou essa diretriz e criou um grupo de trabalho interministerial comandado por Clóvis Carvalho para aprofundar o debate.

Muitos enxergam que a criação do Ministério da Defesa foi resultado de um esforço do próprio presidente Fernando Henrique Cardoso. Foram lembradas as negociações entre líderes governamentais, ministros e técnicos da alta burocracia governamental, mas destacou-se que o Congresso Nacional teria sido um “ausente” no debate.

“FHC conduziu com muita habilidade esse processo”, afirma Raul Jungmann. “No nosso imaginário, defesa e segurança passavam pela repressão política. Pouca discussão se teve em relação à questão militar e defesa e segurança no Congresso”, argumenta Jobim.

A transição entre o regime militar e o regime civil ficou afastada na Constituinte, tanto pela esquerda como pela direita, concordam os debatedores na live da IstoÉ.  Entendeu-se que o fim da ditadura dos militares foi marcado pelo fenômeno que alguns estudiosos chamam de crise da identidade militar.

Daí, o debate evoluiu para qual é o papel das Forças Armadas no desenvolvimento da criação do Estado da Defesa, ou seja, a integração das Forças Armadas na vida democrática num binômio de controle civil versus autonomia militar.

“É inegável que, nos últimos 20 anos, a existência da autonomia militar tem conseguido se colocar de forma harmônica ao lado desse modelo de controle civil político”, avalia Jungmann. “Nós devemos aos militares a integração nacional”, disse Jobim. Os militares, concluiu-se no debate, estão definitivamente comprometidos com o espírito democrático.

Na verdade, entende Aldo Rebelo, “não há propriamente um conflito de identidade por parte dos militares”, disse. O ex-ministro, que é historiador, fez uma imersão na história de lutas e guerras para avaliar o cenário.

“Isso revela contradições, desequilíbrios do próprio País e que se projetam nas Forças Armadas e no seu papel. No Brasil, as Forças Armadas têm uma dupla missão e um duplo papel, o de defender a pátria e a defesa da construção do País”, afirmou o ex-ministro.

Ele avaliou o protagonismo das Forças Armadas na construção dos valores nacionais, inclusive no desenvolvimento da Amazônia. “Eu tenho convicção absoluta de que hoje não há nenhuma possibilidade de uma intervenção militar em favor de A, B ou C. O compromisso dos militares é notoriamente com o processo democrático”, conclui.

Outro ponto forte do debate foi sobre o risco de as Forças Armadas tomarem alguma atitude antidemocrática ou inconstitucional. Um consenso entre os ex-ministros é que as forças armadas estão integradas no projeto constitucional.

O ministro do STF Gilmar Mendes suspeita que há no Brasil um movimento político, que tem como base, ou intencionalidade, o amedrontamento das Instituições.

“Não vejo esse perigo. Embora tenhamos que reforçar as defesas democráticas”, disse. Mendes chama atenção para a politização das polícias militares. “Há um perigo. Se não afetam a democracia como um todo, causam instabilidade na própria ordem pública”. diz.

Gilmar Mendes cita como exemplo, a atuação das milícias no Estado do Rio de janeiro. “São organizados e precisam ser questionados”, afirma. A politização das PMs também preocupa. Para ele, pode ser uma ameaça pelo menos para a instabilidade e a normalidade institucional.

Sobre o risco de politização das polícias militares, Jobim diz que a questão dos militares que fossem eleitos seriam ou não agregados à Força sempre dominou o ambiente político, que foi pacificado pelo ex-presidente general Castelo Branco.

“Ele estabeleceu que, se um oficial militar fosse eleito, imediatamente ia para a reserva. Foi uma providência de afastamento dos oficiais dos militares da política.”

Para Jobim, o ex-ministro Sérgio Moro foi omisso em relação aos levantes dos policiais militares do Ceará. Os rebeldes acabaram sendo apoiados e, inclusive, foram chamados de heróis. Jobim lembra que o Senado aprovou que os militares eleitos não fossem para a reserva.

“Não existem estatísticas nacionais confiáveis na área da segurança, não há como medir as políticas públicas na área, nem que existam evidências para saber se o dinheiro tá sendo mal ou bem empregado. Nós criamos o Sistema de Segurança Pública, e o atual governo resolveu não implantar. É imperativo dizer que no Brasil não tem política nacional de segurança pública”, disse Jobim.

“Greves policiais não podem ocorrer. Houve uma espécie de sindicalização da agenda do país”, aponta Aldo Rebelo. Para ele, “setores da esquerda começaram a sindicalizar a atividade policial-militar. Só tem solução se proíbe esse tipo de sindicalismo. Carreiras de Estado não podem ter sindicalização, nem Judiciário, Ministério Público nem Polícia Militar.”

No ponto de vista de Rebelo, a sindicalização é a negação de dois princípios: da hierarquia e da disciplina. “Para construir um futuro, não se pode olhar para trás. Nós devemos ter orgulho da nossa história, da nossa memória, um olhar crítico para as deformidades, mas devemos olhar para frente para construir o futuro”, finaliza o ex-ministro.