SÃO PAULO, 7 OUT (ANSA) – Em um depoimento cheio de denúncias à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, o ex-médico da Prevent Senior Walter Souza Neto confirmou, nesta quinta-feira (7), que a operadora de saúde determinou a entrega do chamado “kit covid”, conjunto de medicamentos sem eficácia comprovada para tratamento do novo coronavírus (Sars-CoV-2), e ressaltou que havia política de “coerção” na empresa.   

Souza Neto prestou depoimento ao lado do advogado Tadeu Frederico de Andrade, paciente da Prevent. Os dois foram chamados a falar sobre as denúncias de que a operadora testou e disseminou remédios ineficazes em pacientes com diagnóstico positivo para Covid-19.   

Segundo o médico, quem se recusasse a prescrever os medicamentos sofria represálias. “Com a pandemia, eu acabei me recusando a prescrever o kit covid e fui repreendido por isso”.   

Ele acrescentou que a Prevent Senior começou a prescrever o kit em março de 2020 e que outros profissionais que tiveram a mesma conduta dele também foram advertidos pela empresa.   

“De fato, era obrigatório. Não havia autonomia médica. Nem em instituição havia uma hierarquia tão rígida como na Prevent. No ambiente, todos tinham medo de contrariar os superiores”, disse.   

De acordo com Souza Neto, no início da pandemia a pressão pela prescrição dos medicamentos não era explícita. “Era algo velado.   

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Falavam para prescrevemos, para manter nosso emprego”.   

O médico afirmou que chegou a receitar os medicamentos, mas advertia os pacientes. “Eu fazia isso na Prevent, e avisava aos pacientes que aquilo era um protocolo institucional. E que não tinha evidência científica. Depois de um tempo com mais evidências falávamos inclusive para não utilizarem todos os medicamentos do kit, só as vitaminas”, contou.   

Durante seu depoimento, o médico relatou que a falta de autonomia dos profissionais era tanta que, em certa ocasião, no início da pandemia, chegou a ser obrigado a retirar a máscara para não assustar os pacientes.   

Neto explicou ainda que a ordem partiu da médica conhecida como doutora Paola, a mesma que havia dito “prescreve cloroquina pra quem espirrar. Espirrou, dá cloroquina nele”. A troca de mensagem entre o médico e a gestora foi apresentada à CPI pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) na reunião de ontem.   

Além disso, a sessão exibiu o áudio de uma conversa telefônica entre Souza Neto e Pedro Benedito Batista Junior, diretor-executivo da Prevent. Na gravação, o diretor diz, entre outras coisas, que o médico deveria “voltar atrás” e falar para a imprensa que, quando fez as denúncias, passava por “um mal momento”.   

“Você tem muito a perder, velho. É sua vida, é sua família, cara, que vai ser exposta”, enfatizou o executivo no áudio, acrescentando que não era ameaça, mas, sim um “conselho”.   

Logo depois, o médico afirmou à CPI que “o Pedro tentou minimizar essas ameaças”. “E é uma tentativa de intimidação, uma tentativa de me silenciar. ‘Você fica quieto, não fala com a imprensa, fala que isso é mentira’. E eles continuam fazendo isso até hoje”, acrescentou Souza Neto.   

Paciente – Já o paciente da Prevent, o advogado Tadeu Frederico Andrade, relatou que médicos da operadora quiseram e chegaram a determinar o tratamento paliativo, só voltando atrás após grande resistência da sua família, que ameaçou recorrer à Justiça.   

“Eu teria meus equipamentos desligados, aplicariam uma bomba de morfina e eu viria a óbito. Minha família se insurgiu, ameaçou buscar a Justiça [para] uma liminar, ameaçou chamar a mídia. E hoje estou vivo”, afirmou. “Sou testemunha viva da política criminosa dessa corporação”.   

Caso Wong – O ex-médico também lembrou o caso do pediatra, toxicologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Anthony Wong, que morreu por complicações da covid-19 em janeiro deste ano. “Essa questão do prontuário [de Anthony Wong] é um caso interessante. Não tem dúvida. Dez entre dez médicos que avaliarem aquele prontuário [vão atestar]: ‘morreu de Covid’, não tem outro jeito. Isso está muito claro”, destacou o depoente.   

Walter Souza Neto admitiu que não atendeu Wong, mas teve acesso ao prontuário. “A declaração de óbito de Anthony Wong foi fraudada. Não tem a Covid lá. Ele morreu de Covid fazendo o tratamento precoce duas vezes e seria muito feio isso ficar claro, aí tentaram sustentar essa tese”, disse. Essas supostas fraudes em documentos aconteciam para “sustentar a desinformação” sobre a Covid-19.   


No dia em que prestou depoimento à CPI, o diretor da Prevent Senior Pedro Batista Júnior não comentou casos de óbitos de pacientes em hospitais da rede, sob o argumento de que não tinha autorização das famílias.   

Questionado pelo relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), se as declarações do presidente da República, Jair Bolsonaro, sobre o “kit covid” podem ter influenciado pacientes, Souza Neto disse que sim. “Pode induzir as pessoas ao erro. É uma desinformação que pode fazer com que as pessoas deixem de tomar outras medidas”, avaliou o médico.   

Redução de Custos – Ao falar sobre as condutas da Prevent Senior, Souza Neto destacou que, mesmo antes da pandemia, a empresa buscava a redução de custos no tratamento. O profissional disse que além de cercear a autonomia médica, a operadora restringia a realização de exames. “Era um modelo basicamente voltado para os custos, e não para o bem-estar que o paciente precisava. Algumas situações não são exclusivas da pandemia. São coisas que acontecem na Prevent de forma crônica e estão inseridas na cultura da empresa. Existe um pequeno número de médicos, muitas vezes envolvidos com a direção, que acaba até induzindo outros médicos ao erro”, disse.   

Segundo o especialista, às vezes, o médico tinha que negociar com quem era seu superior para fazer determinada coisa e aquilo não era autorizado. “Às vezes, o paciente evoluía com gravidade ao óbito. Isso era uma política antiga da empresa”, denunciou Walter Correa.   

Sobre o ambiente de trabalho na Prevent Senior, o médico classificou como hostil, com clima de “lealdade e obediência”. O termo, que já foi lema da empresa e não era mais utilizado, mas a cultura permaneceu. “Fui bombeiro militar e policial civil e não havia hierarquia tão rígida como o que acontecia na Prevent Senior. Era muitas vezes uma hierarquia baseada em assédio moral. Você se voltar contra qualquer orientação do seu superior, significaria em represálias importantes, talvez perder seu trabalho”, destacou o depoente.   

Fraude – Aos senadores, Souza Neto disse que os médicos da Prevent Senior sabiam que o tratamento de pacientes da Covid-19 com hidroxicloroquina não trazia os resultados prometidos e divulgados pela direção da operadora. Ele classificou como “fraude” o estudo desenvolvido pela empresa para justificar a prescrição da droga.   

“Essa coisa de que ninguém vai a óbito e ninguém intuba, isso já era muito claro: a gente sabia que era fraude. Além de o estudo ser muito ruim, já quando foi publicado, em abril, eu internava paciente que havia tomado o kit. Eu acompanhava esse paciente depois pelo prontuário durante a internação e via esses pacientes irem a óbito”, afirmou.   

Outro lado – Em nota, a Prevent Senior negou as práticas denunciadas por Souza Neto que classificou como ” infundadas” e disse que o depoimento não trouxe fatos, “apenas narrativas mentirosas”.   

“A denúncia mais grave é sugerir que os médicos da empresa optem pela adoção de cuidados paliativos para matar pacientes e economizar recursos, o que tanto os médicos quanto a direção da empresa veementemente contestam”, diz o texto.   

A operadora destaca que está colaborando para que órgãos técnicos, como o Ministério Público e Polícia Civil, investiguem todas estas acusações para restabelecer a verdade dos fatos.   

(ANSA – Com Agência Brasil) (ANSA).   


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