Nascida em uma família progressista em Cabul, no Afeganistão, Khalida Popal sempre sonhou em ser jogadora de futebol. No entanto, a guerra civil nos anos 90 no país a obrigaram fugir para o Paquistão por conta da repressão e restrição de direitos para as mulheres.

Assim como está acontecendo na atualidade, por conta da volta do Talibã ao poder, a ex-capitã da seleção feminina do Afeganistão já enfrentava tudo isso no passado. Popal lembra dos anos em que jogava bola, quase que secretamente por conta do movimento fundamentalista.

“Tenho uma memória agradável dos meus anos de primário [escola], mas veio a guerra civil, os bombardeios … não podíamos ir à escola, estávamos sozinhos em casa e a minha família tentava arranjar comida. Sofri muito assédio e pressão por ser uma menina jogando bola. Mais tarde o Talibã dominou o país, eu tinha 15 anos e me disseram que eu não podia mais jogar, estudar, sair na rua ou fazer nada por nós mesmos, como escolher um marido”, lembrou em entrevista ao jornal espanhol Marca.

Após todos essas dificuldades, Khalida e a família decidiram fugir para o Paquistão para salvarem suas vidas.

“O mais difícil foi não poder me despedir dos meus colegas de classe e ter que fugir. Vi muitas pessoas na fronteira tentando fugir, caminhando pelas montanhas. Eu era muito jovem e me perguntava o que acontecia tudo aquilo e tínhamos que ir ”, lembra Khalida Popal.

Refúgio na Dinamarca

Após fugir pelo Paquistão, a então jovem afegã e a família encontraram na Dinamarca um lugar para recomeçar. Por lá, Khalida estudou e engatou sua carreira como jogadora de futebol profissional. Mesmo com o sonho de infância realizado, ela nunca se esqueceu do seu país e usou o futebol para poder transformar a vida de outras mulheres.

“O futebol tem sido minha arma na luta pelos direitos das mulheres”, frisou.

Apesar de não conseguir retornar ao Afeganistão, pois “eles [talibãs] rapidamente me assassinariam em vingança”, a jogadora se tornou capitã da seleção feminina, sempre com jogos fora do seu país de origem por conta da repressão.

“No dia em que vesti a camisa do meu país e pude ouvir o hino, foi a sensação mais linda que já tive. O melhor momento da minha vida. Porque sabíamos o que tínhamos que passar e lutar para chegar lá. “, disse a afegã.

Diretora da Girl Power Organization, Khalida fundou a entidade justamente com o objetivo de usar o esporte e a educação como ferramentas para capacitar, conectar e unificar mulheres e meninas de todas as culturas e origens sociais.

Volta do Talibã

Como se fosse um filme repetido, Khalida viu com preocupação a retomada do poder do Afeganistão pelo Talibã. A ex-capitã da seleção já esperava o que poderia acontecer e não deu outra, ela começou a receber pedidos de ajuda de colegas que estavam no Afeganistão e que temiam pelas suas vidas com o retorno do grupo fundamentalista.

“Quando o Talibã voltou ao poder, foi um momento que fiquei muito assustada. Falei por telefone com colegas, amigos, família … Escutei suas vozes desesperadas tentando sobreviver, pedindo minha ajuda. Rapidamente pensei em contar isso na mídia e as organizações me procuraram . Eles me ajudaram para que os jogadores pudessem Sair do país o mais rápido possível. Em poucos dias conseguimos tirá-los de lá, porque estavam procurando por eles para matá-los. São as verdadeiras heroínas por terem sido capazes de salvar suas vidas. “, detalha.

Com a ajuda de organizações internacionais como a Fifa, Khalida conseguiu tirar mais de 300 pessoas do Afeganistão, as quais em sua maioria eram meninas e adolescentes.

“Em primeiro lugar, 85 da seleção nacional conseguiram voar para a Austrália. Em seguida, cerca de 136 fugiram para o Paquistão e estamos tentando levá-las para países que oferecem asilo. Outras também foram aceitas em Portugal”, contou.

Khalida ainda fez questão de criticar as nações mais poderosas por conta do descaso com a situação vivida pelos afegãos e principalmente afegãs: “O Afeganistão foi abandonado pelo mundo”. Mesmo assim, Popal ainda acredita no poder de cada indivíduo como força para mudanças.

“Agora minha mensagem para quem está lendo ou ouvindo é para não subestimar o poder de nenhum indivíduo, todos nós podemos ter voz ou iniciativa para ajudar … Precisamos que as pessoas entendam o direito de quem, por exemplo, continua sofrendo no Paquistão e que nos ajudem a realocá-los “, completou.