Rivais na decisão deste domingo, às 17 horas, no Maracanã, Brasil e Peru se enfrentarão pela primeira vez em uma final de Copa América. Em caso de empate no tempo normal, o jogo irá para a prorrogação e, se for preciso, o título será definido nos pênaltis. E se há um bom tempo é comum os campeões serem determinados desta forma, 44 anos atrás um sorteio considerado suspeito pelos jogadores da seleção brasileira, na época, levou os peruanos à luta pelo título e eliminou o time nacional na semifinal da edição de 1975 do torneio continental.

Naquela ocasião, a competição foi realizada em várias sedes e Brasil e Peru se enfrentaram em jogos de ida e volta. No primeiro duelo do mata-mata, no Mineirão, em Belo Horizonte, os visitantes surpreenderam com uma vitória por 3 a 1, com direito a um golaço de falta de Cubillas, considerado até hoje o melhor jogador da história do seu país. Menos de uma semana depois, os brasileiros venceram por 2 a 0, em Lima, e o regulamento previa o sorteio como único critério de desempate para esta fase.

Este sorteio, entretanto, não foi o habitual que costuma ocorrer quando o juiz da partida chama os capitães dos times ao centro do campo e pede que os mesmos escolham cara ou coroa. Em vez de utilizar a tradicional moedinha, o sorteio ocorreu fora do local do jogo e foi conduzido pela filha do então presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol, o peruano Teófilo Salinas, em episódio tratado até hoje com desconfiança pela própria CBF. “Por mero acaso, a bolinha escolhida (no sorteio) era vermelha e branca e tinha a letra P. A Copa América ficava para a próxima”, disse a entidade, com certa dose de ironia, em nota publicada em seu site oficial, há quatro anos, ao lembrar daquela edição da competição.

Ex-jogadores que participaram da campanha de 1975 entrevistados pelo Estado admitem que não têm como afirmar que o sorteio foi manipulado para beneficiar o Peru, mas criticaram o seu formato e o consideraram suspeito. O ex-zagueiro Wilson Piazza, tricampeão mundial com o Brasil em 1970 e capitão da seleção nos jogos contra o Peru naquela Copa América, destacou que até hoje aquele episódio é visto com desconfiança por ele.

“Eu não posso afirmar o que aconteceu, mas o que comentou-se na época é que pode ter sido tirada de um saco uma bolinha ‘gelada’ no meio das outras no sorteio, como se fosse uma pedra maior, que continha um número maior, que uma pessoa já sabia onde estava e deveria tirar. Não foi no cara ou coroa, o sorteio foi depois do jogo. Eu era o capitão da seleção naqueles jogos e o sorteio não foi com os capitães em campo”, relembrou. “Não sei quem representou o Brasil e não sei se o nosso representante foi ingênuo naquele sorteio, mas tem muitas coisas que aconteciam e ainda acontecem fora das quatro linhas que, se você não estiver atento, você dança”, completou Piazza.

O ex-jogador ainda lembrou que a sensação de eliminação veio depois que os jogadores do Brasil deixaram o estádio em Lima após o duelo de volta com os peruanos. “Estávamos indo embora e ouvimos um foguetório. Ali concluímos que estávamos eliminados. Não há como provar nada, mas suspeitamos de alguma maracutaia”, disse.

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O ex-atacante Reinaldo, ídolo histórico do Atlético-MG, enfrentou o Peru no jogo de ida daquela semifinal, com apenas 18 anos, e deixou claro que a seleção brasileira já esperava que o sorteio beneficiaria o adversário. Ele lembrou que até um neto do então presidente da Conmebol participou do ato fora de campo que revelou os peruanos como vencedores daquela disputa.

“O neto do Teófilo Salinas foi tirar o papel de uma taça no sorteio e definiu o ‘campeão’ desta taça. Tivemos aquela decepção já prevista. São aquelas coisas do futebol infelizmente e eu só sei que um ‘inocente’ menino foi buscar o vencedor do sorteio e já era esperado que o Peru venceria o sorteio, até porque o presidente da Confederação Sul-Americana era um peruano, né?” disse o ex-jogador, que atualmente trabalha como observador das categorias de base do Atlético-MG.

Reinaldo ainda lamentou uma situação curiosa que viveu no primeiro jogo da semifinal após entrar em campo. “Foi a primeira competição que fiz pela seleção brasileira, eu tinha 18 anos e entrei no segundo tempo quando o Brasil já estava perdendo o jogo. E já no meu primeiro lance de ataque o goleiro peruano caiu com o joelho em cima de mim e quebrou a minha costela. Eu nem percebi que tinha quebrado e continuei em campo. E depois acabei não disputando o segundo jogo da semifinal”, afirmou.

Maior artilheiro da história do Vasco, com 702 gols, Roberto Dinamite participou daqueles dois jogos contra o Peru em 1975, então com 21 anos, e também lamentou ao Estado o fato de o Brasil ter sido eliminado daquela Copa América após um sorteio. “Isso foi ruim, uma coisa que foge àquilo que é o resultado dentro de campo. Acho que foi uma ‘bola fora’ para a competição. É claro que tinha um regulamento, que estava ali, mas foi um negócio ruim principalmente para nós jogadores que estávamos representando a seleção brasileira. Isso é uma coisa que não existe mais para decidir um classificado”, destacou.

“O presidente da Conmebol na época era um peruano. Não estou querendo acusar (que o sorteio foi arranjado), mas acho que isso deixou margem para que a classificação fosse definida daquele jeito e as coisas acabaram indo para (beneficiar) o lado deles”, reforçou.

SELEÇÃO MINEIRA – Naquela Copa América de 1975, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD), que depois daria lugar à CBF, optou por poupar alguns jogadores da competição e formar uma seleção apenas com nomes que atuavam em times mineiros, principalmente de Atlético-MG e Cruzeiro. Entre eles figuravam então como principais destaques Piazza, o goleiro Raul, o lateral Nelinho, o atacante Palhinha e o craque Dirceu Lopes. Reinaldo, ainda garoto, era opção de banco. Depois, porém, o técnico Oswaldo Brandão resolveu reforçar a seleção com as convocações de Dinamite, do Vasco, dos zagueiros Luís Pereira, do Palmeiras, e Amaral, do Guarani, e também do meia Geraldo, do Flamengo.

Com este grupo, o Brasil chegou a vencer por duas vezes a Argentina na competição e avançou com 100% de aproveitamento às semifinais, para as quais só se classificavam os líderes de cada um dos três grupos do torneio. O Uruguai, atual campeão, estreou direto na semifinal, como previa o regulamento da época. No mata-mata decisivo, os peruanos venceram os brasileiros no duelo de ida com dois gols de Casaretto e uma “pintura” de Cubillas em sua cobrança de falta. No primeiro destes gols, Piazza falhou e permitiu ao atacante peruano invadir livre a grande área para marcar. Roberto Batata chegou a igualar o placar para a seleção, antes de o Peru balançar as redes por duas vezes nos dez minutos finais.

Na volta, em Lima, o Brasil ganhou por 2 a 0 com gols de Meléndez (contra) e Campos. Depois disso, porém, o time nacional foi eliminado por meio do polêmico sorteio. Na outra semifinal, a Colômbia superou os uruguaios, mas caiu diante dos peruanos na decisão. Venceu o duelo de ida por 1 a 0, em Bogotá, e perdeu o de volta por 2 a 0, em Lima. Na época, o saldo de gols não servia como fator de desempate para definir o campeão e a Conmebol desta vez optou pela realização de um terceiro jogo, na Venezuela, onde os peruanos ganharam por 1 a 0 para conquistar o seu segundo e último título da Copa América – o primeiro foi obtido em 1939.


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