Muito falada, mas pouco praticada, a cidadania é o conjunto de direito e deveres de um indivíduo de intervir no espaço público. Por mais que se conviva com o sucateamento da máquina governamental, nela também se encontra serviços de excelência. Um deles é o ensino universitário. Porém para que ele avance na velocidade de transformação do mundo globalizado, só a participação do estado não parece ser suficiente. A comunidade também precisa colaborar, como já acontece no exterior e agora nas famosas arcadas da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP). Esta semana, os ex-alunos lançaram o fundo endowment , um investimento de sustentabilidade institucional e financeira. Em dois dias, recolheram R$ 15 milhões, que serão revertidos em benefício à faculdade.
“O fundo viabiliza a manutenção do prédio e das bolsas de estudantes, com poucas condições econômicas”, diz o diretor da faculdade, Floriano Azevedo Marques, de 54 anos. Atualmente, 40% dos alunos matriculados na faculdade são egressos da escola pública e 37% de famílias com renda de até 5 salários mínimos. “Precisam de recursos para comprar material, como laptop; para se manter em São Paulo, no caso dos alunos vindos de outras cidades; ou mesmo para estudar no exterior”, diz Marques. Alguns conseguem bolsas fora do país, mas precisam de uma ajuda extra para custear a estadia. “Essa é uma das funções do fundo, mas é a Universidade de São Paulo que elege os alunos que receberão recursos, baseados no perfil socioeconômicos que possui dos estudantes”, completa ele.
Nos últimos três anos, Marques adotou dois programas em parceria com advogados que estudaram ali. Um deles é o “adote um aluno”, que abre a possibilidade deles contribuírem financeiramente na formação da geração futura de advogados. O outro é o “adote uma sala”. “As classes estavam muito desatualizadas. Precisavam de novas iluminações, telões, cabeamento de internet, entre outros equipamentos, além da recuperação dos lambris de madeira comum às salas do prédio histórico”, diz Nathalie Malveiro, promotora de justiça que se formou na faculdade em 1990.
Há cerca de dois anos, ela ajudou a montar uma comissão de trabalho que reuniu boa parte dos estudantes que se formaram com ela, que ficaram entusiasmados com o projeto. Foi o caso, por exemplo, do advogado Renato Sterman, de 54 anos. “Eu fiquei muito feliz. Achei ótima a forma de devolver tudo que recebi na faculdade.” O diretor da faculdade explica esse sentimento: “Sou de uma família de classe média. Meu pai era servidor público. Tudo que construí na minha vida foi devido ao que eu aprendi na Faculdade de Direito.”
A sala pela qual Nathalie tanto batalhou para ser reformada – sim, porque alterações em prédios históricos necessitam de uma série de aprovações do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico – foi entregue nessa semana. Custou R$ 140 mil. A turma de 1990 foi a primeira a adotar uma sala e serviu de exemplo a tantas outras, que aderiram ao programa. Atualmente todas as classes do prédio histórico estão comprometidas com alguma turma com os ex-alunos. São muitos e bem-posicionados os ex-alunos do largo São Francisco, entre eles, os ministros José Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. Vale lembrar que passaram por ali figuras ilustres da história como os escritores José de Alencar e Monteiro Lobato.
Marques diz que os preços das reformas variam de acordo com a condição da sala. Por isso tem reforma orçada em até R$ 800 mil. “São tantos os gastos dentro de uma universidade de excelência que o cobertor é curto. Por mais que o estado faça a sua parte, o orçamento nunca é suficiente”, diz Marques. “Acho que vamos deixar um bom legado para o próximo diretor.” A gestão dele se encerra ao final deste ano. Mas os trabalhos continuam.