Ambição. Inveja. Paixão. Amores fracassados. Ciúme. Intriga. Corrupção. Quatro séculos se passaram, mas os sentimentos e temas forjados por William Shakespeare em sua obra continuam a dizer da condição humana. Para homenagear o autor, na data que marca os 400 anos de sua morte, dia 23/4, uma série de eventos ao redor do mundo discutem sua atualidade. E não será diferente no Brasil. Uma ampla agenda, que reúne encenações, exibições de filmes, debates e leituras, deve prosseguir ao longo do ano.

“Shakespeare ainda soa tão contemporâneo porque usou sua imaginação para capturar arquétipos”, considera o ator britânico Greg Hicks, um dos principais intérpretes da Royal Shakespeare Company. “O homem ainda se debate entre as luzes e as trevas, entre a paixão e a morte, a condição humana não mudou.” No dia 20, Hicks estreia Macbeth no CCBB de São Paulo, uma versão em que dirigiu atores brasileiros. A montagem integra ainda o Fórum Shakespeare, evento que inclui oficinas e uma conferência para discutir temas presentes na obra do Bardo sob a ótica atual.

Sempre a nos equilibrarmos entre heroísmo e vilania. Grandeza e mesquinhez. Continuamos iguais.

A percepção guia o Shakespeare Lives, programa do British Council que celebrará o legado em 110 países. No Brasil, as ações envolvem a Olimpíada no Rio de Janeiro, a Flip – Feira Literária Internacional de Paraty – que terá uma casa inteiramente dedicada ao escritor – e outras cidades. A agenda em São Paulo tem início na quinta, dia 14. Um debate reúne Greg Hicks, Jô Soares e Gabriel Vilela, com mediação de Nelson Sá, na sede do Conselho Britânico. “O foco não está apenas na grande qualidade de suas obras, que é inquestionável, mas na perenidade dos assuntos que levantou”, comenta Eric Klug, diretor do British Council. “Apesar de morto há 400 anos, Shakespeare ainda vive no imaginário coletivo porque foi quem melhor descreveu a ambição política, o amor incondicional e a tragicomédia humana.”

Além dos tradicionais debates e colóquios, Shakespeare também será lembrado nas redes sociais. A campanha global #PlayYourPart reúne anônimos, atores, diretores e celebridades gravando o seu trecho preferido de Shakespeare. Entre os participantes, nomes conhecidos do público como o britânico Hugh Bonneville, da série Downton Abbey, e a brasileira Fernanda Torres.

Nas telas dos celulares ou diante dos mais antigos registros filmados do escritor, títulos do acervo do British Film Institute e do National Theatre poderão ser vistos no País. Entre eles, a primeira filmagem de uma peça shakespeariana de que se tem notícia, uma versão de Rei João, de 1899, ou um Mercador de Veneza, de 1909. Os filmes, com legendas em português, estarão em entidades como Sesc, Itaú Cultural e Instituto Tomie Ohtake.

Existem muitas maneiras de se aproximar desse universo – tão familiar e tão estranho. Para guiar os atores brasileiros, Greg Hicks usa a capoeira, uma de suas antigas paixões. “Não estou fazendo uma versão de Macbeth como capoeira, mas usando esses movimentos fortes, essa linguagem, essa emoção para liberar os atores.” Lidar com seus textos, atravessados de perspicácia psicológica, urdidos em ódio e desejo, é essencial, inclusive, para quem trabalha com a velocidade da televisão. A Rede Globo utiliza a metodologia desenvolvida na Shakespeare’s Globe em oficinas de atores que se estendem pelas próximas duas semanas. Entre os participantes, Cassia Kiss, Patricia Pillar, Osmar Prado e Jesuíta Barbosa. “Sei que para televisão os atores passam por um processo muito rápido. Mas o processo pelo qual estamos passando não se restringe a Shakespeare, ele pode ser transferido para outros contextos”, crê Yolanda Vasquez, atriz e professora da Shakespeare’s Globe, que conduz a oficina.

Nos palcos da cidade, outras experiências devem vir a público. Devotado ao autor, o produtor Alexandre Brazil prepara duas montagens. “É uma homenagem ao autor que atravessa os meus mais de 20 anos no teatro. Devo tudo a ele”, diz. O Rio de Infância para Shakespeare, com estreia marcada para 10 de junho, parte de um poema de Jorge Luis Borges. Prevê ainda uma encenação de Tito Andrônico, com direção assinada por Caco Ciocler.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.