Na Europa, autoridades políticas, especialistas de saúde e engenheiros tentam encontrar uma maneira de usar os telefones celulares para lutar contra o coronavírus, sem que isso represente um ataque à vida privada de seus cidadãos.

Confira abaixo alguns dos pontos envolvendo o assunto:

– Coleta de dados agregados e anônimos

A Comissão Europeia pediu às grandes operadoras europeias de telefonia que lhe transmitam dados homologados e anônimos sobre os deslocamentos da população, obtidos com base na conexão dos celulares às antenas das redes móveis.

Na França, a operadora Orange já transmite estes dados para o Inserm (Instituto de Pesquisa Médica).

Os dados agregados são a base de grupos geográficos correspondentes a cerca de 50.000 pessoas, definidos pelo instituto francês de estatística.

A operadora SFR também transmite dados similares para o organismo que administra os hospitais de Paris (AP-HP) e para o Instituto Nacional de Pesquisa de Ciências e Tecnologia Digital (Inria).

Na Alemanha, a Deutsche Telekom alimenta com dados o Instituto Robert-Koch, o estabelecimento público de referência no país em matéria de saúde pública.

Já a Google publicará estatísticas de dados de localização de seus usuários para ajudar os poderes públicos a avaliarem a eficácia das medidas de distanciamento social.

Serão baixados em uma rede específica para mais de 131 países, entre eles a França.

– Acompanhamento individual, o exemplo de Singapura

Além dos dados em massa e anônimos, o diretor da Orange, Stéphane Richard, e o governo alemão esperam implantar um sistema que permita usar os dados dos celulares de particulares.

O objetivo é avaliar o deslocamento da população e também informar a cada indivíduo se esteve em contato, nas últimas duas semanas (tempo de incubação do vírus), com uma pessoa infectada.

O sistema funciona com Bluetooth, uma tecnologia que permite aos celulares identificar aparelhos próximos (auriculares, alto-falantes, impressores, etc.).

O exemplo vem de Singapura.

As autoridades da cidade-Estado criaram um aplicativo chamado Trace Together, que começou a funcionar em 20 de março. Ele guarda na memória a identificação dos telefones que passam perto.

Se, depois, o usuário declarar que está contaminado, ele passa estes dados para o Ministério da Saúde, que irá decodificá-los para entrar em contato com as pessoas que cruzaram com o doente.

O sistema funciona apenas entre pessoas que tiverem baixado o aplicativo, sendo necessário um número suficiente de usuários para que tenha efeito.

Em Singapura, até 1º de abril, o aplicativo havia sido baixado um milhão de vezes, segundo contagem do governo, em uma população total de 5,7 milhões de pessoas.

Outros sistemas usam um princípio similar, mas com base em dados de geolocalização.

– Risco para a vida privada

O risco de invasão da vida privada depende de se é relativo a agregar dados para acompanhar os deslocamentos da população, ou de monitoramento individual.

No primeiro caso, pesquisas como a do belga Yves-Alexandre de Montjoye demonstram que, com um conjunto de dados de geolocalização anônimos é possível identificar todos os deslocamentos de um indivíduo em 95% dos casos, desde que se conheça quatro lugares pelos quais passou e em que horário.

O agregado permite, em princípio, reduzir o risco de espionagem individual.

No caso do aplicativo de Singapura, o risco teórico de atentar contra a vida privada é muito mais elevado.

Se uma pessoa está infectada, tem de compartilhar a informação com uma autoridade que receberá a identificação das pessoas, com as quais cruzou nos últimos 14 dias.

As autoridades de Singapura garantem, porém, que o sistema tem várias camadas de segurança.

Cerca de 100 ONGs, entre elas Anistia Internacional, Privacy International e Human Rights Watch, assinaram uma carta, na qual, embora não descartem o uso de dados na luta contra o coronavírus, pedem garantias a respeito da vida privada, a limitação do tempo de uso destes sistemas e a proibição de utilizar os dados para fins comerciais.