Os Estados Unidos se reintegraram oficialmente, nesta sexta-feira (30), à Unesco, da qual saíram em 2018 sob a presidência Donald Trump, com o apoio da ampla maioria dos membros desta agência da ONU dedicada à educação, ciência e cultura, mas com a oposição de Rússia e China.

O pedido de readmissão foi aprovado durante uma conferência geral extraordinária da organização por 132 votos a favor, 10 contra e 15 abstenções.

“A resolução foi adotada”, proclamou o presidente da assembleia, o brasileiro Santiago Irazabal Mourão, seguido de uma salva de palmas.

“Estamos realmente felizes com este apoio (…) É muito importante para nós fazer parte desta organização multilateral”, disse à AFP a embaixadora dos Estados Unidos na França, Denise Bauer.

“É um grande dia, um momento histórico”, comemorou a diretora-geral da Unesco, Audray Azoulay, destacando “uma resposta extremamente clara, favorável para mais de 90% dos Estados votantes e presentes”.

Vários países expressaram satisfação após a votação. “Todos dentro (da Unesco), muito melhor”, reagiu uma diplomata argentina. “Este retorno reforça o multilateralismo” e as finanças da organização, afirmou um diplomata espanhol.

Entre os países que votaram contra estão Irã, Síria, China e, sobretudo, Rússia, que multiplicou os procedimentos e as emendas para atrasar a votação.

– Voto contra da China –

Os Estados Unidos anunciaram, em outubro de 2017, sua saída da organização, denunciando seu “persistente viés anti-israelense”. Sua saída, juntamente com a de Israel, foi efetivada em dezembro de 2018.

Washington já havia congelado sua contribuição financeira à Unesco desde 2011, sob a presidência de Barack Obama, quando a Palestina ingressou na agência.

Foi um duro golpe financeiro para a entidade, ao privá-la de 22% de seu orçamento anual.

Mas este mês o governo de Joe Biden propôs, em carta à diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, “um plano” de reintegração na organização, que tem sede em Paris.

Essa mudança ocorre em um contexto de crescente rivalidade com a China, que aspira consolidar sua emergência como protagonista de uma nova ordem mundial multilateral, processo no qual a Unesco desempenha um papel de destaque.

O chefe da diplomacia dos EUA, Antony Blinken, garantiu em março que a ausência de seu país na agência permitiu à China impor com mais facilidade seus critérios em questões cruciais como a Inteligência Artificial (IA).

A Unesco emitiu uma recomendação sobre a Ética da IA em 2021.

“Realmente acho que deveríamos voltar para a Unesco. Não para fazer um favor, mas porque o que acontece na Unesco é importante”, declarou.

Pequim, que inicialmente disse que não se oporia ao retorno dos Estados Unidos após uma aparente melhora recente nas relações bilaterais, acabou votando contra.

– Dívida de 619 milhões de dólares –

A dívida americana contraída entre 2011 e 2018 com a Unesco chega atualmente a 619 milhões de dólares (aproximadamente R$ 3 bilhões na cotação atual), um montante superior ao orçamento anual da organização, avaliado em 534 milhões de dólares (aproximadamente R$ 2,6 bilhões).

Washington informou em sua carta a Azoulay que pediu ao Congresso americano o pagamento de 150 milhões de dólares (aproximadamente R$ 730 milhões) para o exercício fiscal de 2024 e a manutenção dessa contribuição nos próximos anos “até a liquidação dos atrasos” com a organização.

Um diplomata russo expressou sua decepção pelo retorno dos EUA à entidade.

“Estaríamos dispostos a acolher favoravelmente a vontade de Washington”, que “permitiria reforçar nossa organização”, mas “consideramos que tentam nos arrastar para um mundo paralelo, que supera todas as descrições absurdas dos livros de Lewis Carroll”, o autor de “Alice no país das maravilhas”, declarou.

“Nesse espaço deformado, quem defende a democracia e a primazia do direito tenta nos arrastar para uma violação das regras e se apropriar de direitos privilegiados”, acrescentou, avaliando que Washington deveria pagar toda sua dívida com a Unesco antes de ser readmitido.

Os Estados Unidos deixaram a Unesco pela primeira vez em 1984, sob a presidência de Ronald Reagan, devido à sua suposta inutilidade e excessos orçamentários, mas retornaram em outubro de 2003.

“Os Estados Unidos já se retiraram duas vezes da organização. Não sabemos quantas vezes mais teremos que ‘dar-lhes as boas-vindas'”, ironizou um diplomata norte-coreano.

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