O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse nesta quarta-feira (20) que determinou a proibição do retorno ao país de uma mulher do Alabama que se aliou ao grupo extremista Estado Islâmico (EI) e que está arrependida, com o argumento de que ela não é americana.
A negativa de Trump em admitir Hoda Muthana, de 24 anos, ocorre justamente quando o presidente pressiona países europeus a repatriar seus próprios combatentes do EI, e é provável que vá parar nos tribunais, pois é muito difícil perder a cidadania americana.
No Twitter, Trump informou ter instruído o secretário de Estado, Mike Pompeo, a “não permitir o retorno de Hoda Muthana ao país”, rompendo com o protocolo dos Estados Unidos de não comentar temas migratórios particulares.
“A senhora Hoda Muthana não é cidadã dos Estados Unidos e não será admitida nos Estados Unidos”, havia dito mais cedo Pompeo por meio de um comunicado.
“Ela não tem nenhum fundamento legal, nenhum passaporte válido dos Estados Unidos, nem direito a um passaporte, nem visto para viajar aos Estados Unidos”, acrescentou.
Os Estados Unidos costumam conceder a cidadania a todos os nascidos em seu território e acredita-se que Muthana, criada no Alabama, tenha viajado à Síria com um passaporte americano.
– “Um passaporte válido” –
Mas um funcionário americano informou à AFP que Muthana não tinha direito a esse passaporte e destacou: “A cidadania da senhora Muthana não foi revogada porque nunca foi cidadã”.
O pai de Muthana foi diplomata no Iêmen e os filhos de diplomatas não recebem automaticamente a cidadania embora tenham nascido em território americano. Mas o advogado da jovem, Hassan Shilby, mostrou uma certidão de nascimento indicando que sua cliente nasceu em 1994, em Nova Jersey, e disse que seu pai havia deixado de ser diplomata muitos meses antes de seu nascimento.
“Ela é uma cidadã americana. Tem um passaporte válido. Pode ter infringido a lei e, se o fez, está disposta a pagar o preço”, disse Shilby à AFP em seu escritório em Tampa, assegurando que Muthana quer ser submetida ao devido processo e aceitaria ser presa se for considerada culpada.
“Não podemos chegar a um ponto no qual simplesmente tiramos a cidadania de quem infringe a lei. Os Estados Unidos não se tratam disso. Temos um dos melhores sistemas legais do mundo e devemos acatá-lo”.
– “Lamento por minhas palavras” –
Trump exortou no domingo que seus aliados europeus repatriem e julguem centenas de cidadãos detidos na Síria, de onde prevê retirar as tropas americanas.
Em comparação, poucos americanos abraçaram o islã radical, segundo a ONG Counter Extremism Project, que identificou 64 que se uniram ao EI na Síria e no Iraque.
Muthana, criada em um lar estrito em Hoover, Alabama, disse que as mensagens do EI nas redes sociais fizeram uma lavagem cerebral nela e que viajou para a Síria em 2014 sem o conhecimento de seus pais. Pouco depois, publicou no Twitter uma foto de quatro mulheres que pareciam queimar seus passaportes ocidentais, inclusive um americano.
Sob o nome “Umm Jihad”, Muthana participou ativamente da propaganda extremista, inclusive incitando a “derramar sangue americano” e glorificando o EI, que chegou a dominar amplas áreas de Iraque e Síria.
Mas a jovem, detida no nordeste da Síria por forças curdas aliadas dos Estados Unidos, afirmou ter renunciado ao extremismo e que quer voltar para casa com seu filho de 18 meses, que teve com um de seus três maridos jihadistas, já falecidos.
“Seria muito difícil para mim expressar corretamente o quanto lamento minhas palavras passadas, a dor que causei à minha família e qualquer inquietação que causei ao meu país”, relatou em nota manuscrita endereçada a seu advogado.
– Uma cidadania difícil de perder –
A decisão dos Estados Unidos sobre Muthana ocorre em meio ao crescente debate na Europa sobre a nacionalidade dos extremistas. O Reino Unido acaba de revogar a cidadania de Shamina Begum, que em 2015 viajou para a Síria para se casar com um combatente do EI.
Londres afirmou que ela tinha direito à cidadania de Bangladesh, devido a vínculos familiares, mas o governo de Daca negou nesta quarta-feira que fosse elegível, o que a torna uma apátrida.
Trump, que tem um duro discurso antiimigração, propôs antes das eleições de meio de mandato no ano passado a possibilidade de terminar com a cidadania por nascimento, garantida na Décima Quarta Emenda da Constituição.
Mas a cidadania americana é difícil de perder, como provam, entre outras, a histórica decisão Afroyim de 1967, da Suprema Corte.
Em 2011, o governo não acreditou que fosse possível revogar a cidadania de dois americanos no Iêmen, o influente pregador da Al Qaeda Anwar al-Awlaki e seu filho de 16 anos: ambos morreram em ataques com aeronaves não tripuladas ordenados pelo ex-presidente Barack Obama.