23/09/2022 - 10:59
Washington responsabiliza corporação pela morte de Mahsa Amini, detida por não usar véu. Sanções também atingem militares de alto escalão. Repressão violenta a protestos contra a morte causou indignação internacional.Os Estados Unidos impuseram sanções à chamada polícia da moral do Irã, acusada de "abuso e violência contra mulheres iranianas". Washington responsabilizou a corporação pela morte de uma jovem de 22 anos que havia sido presa por não usar o hijab obrigatório.
O Departamento do Tesouro americano, que anunciou as sanções na quinta-feira (22/09), também acusou a polícia da moral de violar os direitos dos manifestantes pacíficos que realizam protestos em massa no país em condenação à morte de Mahsa Amini, na semana passada.
"Mahsa Amini foi uma mulher corajosa cuja morte sob custódia da polícia da moral foi mais um ato de brutalidade das forças de segurança do regime iraniano contra seu próprio povo", disse a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen.
"O governo iraniano precisa acabar com sua perseguição sistemática de mulheres e permitir protestos pacíficos", afirmou o secretário de Estado americano, Antony Blinken, em outro comunicado.
As sanções americanas também atingem sete autoridades militares e de segurança de alto escalão, incluindo o chefe da polícia da moral, Mohammad Rostami, o comandante das forças terrestres do Exército iraniano, Kioumars Heidari, e o ministro da Inteligência, Esmail Khatib.
"Esses funcionários supervisionam organizações que rotineiramente empregam violência para reprimir manifestantes pacíficos e membros da sociedade civil iraniana, dissidentes políticos e ativistas dos direitos das mulheres", disse o Tesouro.
Segundo o departamento americano, todos os ativos dos sancionados nos EUA serão congelados. As sanções também proíbem americanos, incluindo instituições financeiras internacionais com operações nos EUA, de fazer negócios com eles, limitando efetivamente seu acesso às redes financeiras globais.
A morte
Mahsa Amini, da pequena cidade de Saghes, na província ocidental do Curdistão, havia viajado para Teerã com seu irmão no início da semana passada para visitar pontos turísticos da capital.
Por supostamente não usar o véu islâmico obrigatório sobre a cabeça, Amini foi presa pela polícia da moral iraniana por volta das 18h de 13 de setembro. Duas horas depois, ela foi levada a um hospital já sem vida. A polícia alega que a jovem desmaiou abruptamente.
Uma foto mostra Amini deitada, com os olhos negros inchados e a orelha sangrando. A imagem se espalhou rapidamente na internet e reacendeu o debate sobre a humilhação diária e o abuso sofrido por mulheres iranianas devido ao uso obrigatório do hijab.
Amini foi oficialmente declarada morta na sexta-feira, 16 de setembro, apenas três dias após ter sido levada ao hospital. A polícia nega as alegações de tortura. A morte foi explicada como um "ataque cardíaco repentino".
Um vídeo transmitido pela televisão estatal iraniana mostra a jovem caindo de repente no chão, enquanto negociava sua libertação com os policiais. O pai de Amini garante que a filha não tinha problemas de saúde.
Desde a Revolução Islâmica em 1979, as mulheres no Irã têm sido forçadas a se submeter a regras rigorosas que regulamentam exatamente como seu cabelo e o resto do corpo devem ser cobertos.
Milhões de mulheres se opõem a isso, a maioria de forma silenciosa e discreta, mas nos últimos anos também publicamente. Muitas iranianas usam o lenço na cabeça com mais folga e o deixam cair sobre os ombros, sob o risco de serem presas.
O governo do presidente Ebrahim Raisi e religiosos da linha dura no Parlamento vêm tentando, há meses, fazer com que as leis islâmicas sejam cumpridas com mais rigor.
Após a morte de Amini, uma série de vídeos voltou a circular nas redes sociais mostrando mulheres sendo espancadas e abusadas pela polícia quando são presas. As imagens frequentemente revelam golpes violentos na cabeça enquanto elas são arrastadas pelos cabelos para dentro de viaturas.
Protestos
A morte de Amini gerou protestos generalizados no país, resultando em confrontos violentos entre forças de segurança e manifestantes. A TV estatal iraniana diz que 26 pessoas morreram nos atos desde sábado, quando as manifestações eclodiram em dezenas de cidades.
Embora a abrangência dos protestos permaneça incerta, o movimento representa a maior agitação popular desde 2019, quando manifestações contra o aumento dos preços do combustível foram reprimidas de forma violenta, deixando cerca de 1.500 mortos, segundo grupos de direitos humanos.
"Temo que estão por vir coisas ainda piores do que vivemos em 2018", disse Saeed Dehghan, advogado de direitos humanos de Teerã, em entrevista à DW.
"A situação é muito tensa. Muitas pessoas estão com raiva e desesperadas. Elas sentem que não têm mais nada a perder. Agora, a morte de uma jovem por supostamente violar a lei do véu trouxe à tona a raiva e o ressentimento contra o sistema político. É uma grave crise doméstica, e o governo não tem resposta, exceto mais repressão", avalia.
Em meio à onda de indignação, o Irã também interrompeu o acesso à internet para além das fronteiras do país, de acordo com o monitor de tráfego de internet Netblocks, reforçando as restrições em plataformas populares usadas para organizar atos, como Instagram e Whatsapp.
Para Dehghan, "o apagão na internet tem um propósito claro: a polícia e as forças de segurança vão reprimir as manifestações e massacrá-las". "O mundo não pode ver as fotos disso."
Indignação internacional
A morte de Amini e a repressão violenta aos protestos que se seguiram também foram condenadas pela comunidade internacional. A ONU pediu uma investigação independente sobre o caso, enquanto a Alemanha disse estar "do lado das mulheres iranianas".
"O ataque brutal às corajosas mulheres no Irã é também um ataque contra a humanidade", afirmou a ministra do Exterior alemã, Annalena Baerbock, na quinta-feira.
Já a Anistia Internacional disse que um "mecanismo internacional independente de investigação e prestação de contas" é necessário para lidar com a impunidade generalizada no Irã.
"O governo iraniano vem violando sistematicamente os direitos humanos fundamentais há anos. Prisões arbitrárias, tortura, execuções extrajudiciais e a repressão brutal de protestos são incentivados pela impunidade desenfreada", afirmou Katja Müller-Fahlbusch, especialista em Oriente Médio do grupo de direitos humanos.
Falando à margem da Assembleia Geral da ONU na quinta-feira, o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, disse que a morte de Amini precisa ser investigada, mas também acusou as potências ocidentais de hipocrisia por levantarem preocupações.
"Tenha certeza, [a morte] certamente será investigada", disse Raisi a repórteres, alegando, porém, que o relatório do médico legista não indicava abuso policial.
ek/lf (Reuters, AP, DW)