EUA e Reino Unido rejeitam declaração final da cúpula de Paris sobre IA

EUA e Reino Unido rejeitam declaração final da cúpula de Paris sobre IA

"MacronDocumento assinado por dezenas de países que pede inteligência artificial sustentável e confiável é criticado por Londres e Washington. Vice de Donald Trump diz que "regulamentação excessiva" pode sufocar indústria.Em torno de 60 países assinaram nesta terça-feira (11/02) em Paris uma declaração que pede o uso transparente e sustentável da inteligência artificial (IA) e regulamentações internacionais. O documento afirma que o desenvolvimento dessas tecnologias deve ser "aberto, inclusivo, transparente, ético, seguro, protegido e confiável" e capaz de "tornar a IA sustentável para as pessoas e para o planeta".

Os Estados Unidos e o Reino Unido foram as notáveis ausências na lista de signatários da chamada "Declaração sobre Inteligência Artificial Inclusiva e Sustentável", mesmo com o apoio da China garantido pelos coanfitriões França e Índia. Entre os que também apoiam a declaração estão a União Europeia (UE), Alemanha e Brasil.

A cúpula reuniu em torno de 1.500 participantes de cerca de 100 países, assim como os CEOs de gigantes do setor como Microsoft, OpenAI e Google, para debater o impacto dessas tecnologias no público, suas potenciais aplicações e regulamentações.

Nos Estados Unidos, empresas como a OpenAI e a Anthropic vem se mantendo na vanguarda da pesquisa de IA. No mês passado, a startup chinesa DeepSeek disponibilizou gratuitamente um novo e bem sucedido modelo de IA, o que gerou um declínio acentuado no preço das ações da empresa americana Nvidia, cujo valor de mercado havia aumentado mais de dez vezes nos últimos dois anos em meio ao surgimento de modelos de IA como o ChatGPT.

Vance critica "regulamentações excessivas"

O vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, expôs em discurso na cúpula realizada no Grand Palais de Paris as várias reservas dos EUA em relação ao tema.

"Acreditamos que a regulamentação excessiva do setor de IA pode matar uma indústria transformadora", afirmou Vance. "Sentimos fortemente que a IA deve permanecer livre de preconceitos ideológicos e que a IA americana não será cooptada como uma ferramenta de censura autoritária."

Vance alegou que as regulamentações da União Europeia, como Lei de Serviços Digitais e as Regulamentações da Proteção Geral de Dados (GDPR) sobre privacidade online, geraram custos de conformidade inaceitáveis para empresas menores.

"Claro, queremos garantir que a internet seja um lugar seguro, mas uma coisa é impedir que um predador ataque uma criança na internet; bem diferente é impedir que um homem ou mulher adulta acesse uma opinião que um governo considera desinformação", disse Vance.

Alerta americano à China

Embora Vance não tenha mencionado diretamente a China – que, para a surpresa de muitos, assinou a declaração – ele não perdeu a chance de dar algumas indiretas a Pequim.

"De CCTV [câmeras chinesas de segurança de circuito fechado] a equipamentos 5G, todos nós estamos familiarizados com tecnologias baratas no mercado que foram fortemente subsidiadas e exportadas por regimes autoritários", disse Vance.

O governo britânico foi menos enfático ao explicar suas razões para não assinar a declaração. Um porta-voz do primeiro-ministro Keir Starmer disse que a percepção no Reino Unido era de que o texto carece de "clareza prática" em questões como governança global e evita algumas das "perguntas mais difíceis" sobre segurança nacional.

Brasil defende governança internacional

O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, que representou o governo brasileiro, reafirmou na cúpula o posicionamento do Brasil a favor de uma governança internacional para regular a IA.

Ao participar de um painel no evento, Vieira destacou a importância de um modelo de governança para que a IA que seja democrática, equitativa e acessível a todos os países.

"Se deixada sem controle nas mãos de poucos atores, a revolução da IA pode ter sérias consequências para os sistemas democráticos, corroendo regimes internacionais e minando a própria base do direito internacional, da verdade e dos laços sociais", disse o ministro.

No Brasil, um projeto de lei que estabelece regras para o uso da inteligência artificial já foi aprovado no Senado e aguarda votação na Câmara dos Deputados.

Macron pede menos burocracia e "IA confiável"

O presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou no encerramento da cúpula – mas não a Vance, que saiu logo após fazer seu discurso – que também é a favor da redução da burocracia, mas acrescentou que a regulamentação se faz necessária para garantir a confiabilidade da IA e evitar que as pessoas a rejeitem por desconfiança. "Precisamos de uma IA confiável", afirmou.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, cujo gabinete elaborou o GPDR e a Lei de Serviços Digitais, afirmou de forma semelhante que a UE planeja reduzir os obstáculos burocráticos, já que a Europa corre o risco de ficar atrás dos EUA e da China no setor de IA.

Ela prometeu injetar bilhões de euros para apoiar o setor europeu de IA e lembrou que as novas tecnologias são capazes de melhorar a assistência médica, impulsionar a pesquisa e a inovação e aumentar a competitividade.

Von de Leyen disse que a chamada iniciativa InvestAI será aumentada em 50 bilhões de euros (R$ 298 bilhões), e que um novo fundo europeu já soma 20 bilhões de euros para apoiar o desenvolvimento de gigafábricas de IA. Essas fábricas são para, por exemplo, treinar modelos de IA e fornecer a infraestrutura necessária para seu desenvolvimento.

Investimentos bilionários

De acordo com a Comissão Europeia, as gigafábricas são a maior parceria público-privada do mundo para o desenvolvimento de IA confiável.

Nos Estados Unidos, a OpenAI e seus parceiros planejam investir 500 bilhões de dólares (R$ 2,9 trilhões) em novos centros de dados de IA como parte do programa Stargate, anunciado pelo CEO Sam Altman e pelo presidente Donald Trump nos primeiros dias de seu novo mandato.

Por sua vez, Macron anunciou que empresas planejam investir cerca de 109 bilhões de euros na expansão da infraestrutura de IA na França.

Até agora, apenas alguns poucos atores europeus conseguiram se destacar no setor de IA. Os líderes estão sediados principalmente nos EUA, com alguma concorrência na China.

rc (DW, dpa)