De um lado, a comovente história de um tetraplégico que exorciza suas tragédias se tornando um cartunista célebre. Do outro, a reconstituição em tempo real dos 72 minutos de um massacre num camping de jovens pelas mãos de um extremista de direita. É Gus Van Sant num canto, com sua toda sua experiência, e Erik Poppe no outro córner, um ex-fotógrafo de guerra, com muito horror a expurgar. EUA x Noruega.

Esse é o prognóstico que promete guiar a cerimônia de premiação do 68º Festival de Berlim, que chega ao fim neste sábado24,com um favoritismo bem demarcado entre o drama americano Don’t Worry, He Won’t Get Far On Foot versus o horror norueguês U-July 22.

Embora sejam os mais cotados (e com o maior número de méritos), Van Sant e Poppe têm um rival sul-americano de peso: o paraguaio Las Herederas, do estreante Marcelo Martinessi, laureado na sexta-feira, 23, com o Prêmio da Crítica, votado pela Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica (Fipresci), cujo júri foi presidido pelo jornalista brasileiro Mario Abbade. A história de reinvenção de uma lésbica sexagenária, cuja mulher vai pra cadeia por fraude, teve entre seus produtores a cineasta carioca Julia Murat, premiada na Berlinale 2017 com Pendular, também pela crítica.

“Críticos são companheiros invisíveis que nós, cinéfilos, temos pela vida afora. E graças à crítica, este prêmio pode ajudar o cinema da América do Sul a circular pelo mundo”, disse Martinessi, complementado na sequência pelo jurado da Fipresci.

“O uso da câmera subjetiva no filme é uma ideia brilhante, que nos ajuda a entrar no universo de duas protagonistas às voltas com a velhice”, disse Abbade, lembrando que o antigo delegado brasileiro da Berlinale, o crítico José Carlos Avellar (1936-2016), era um fã do cinema paraguaio. “Esta vitória honra os caminhos de debate estético abertos por Avellar e pode incentivar os filmes do Paraguai na busca por espaço.”

Las Herederas é uma história sobre volta por cima, pautada na conciliação, palavra central em todos os filmes da competição deste ano, começando pelo de abertura, a divertida animação Ilha de Cachorros, que refina o visual de Wes Anderson. Conciliar (fosse com familiares, com governos, com inimigos ou com a alegria de viver) foi “o” verbo de ação desta Berlinale, que pode coroar Gael García Bernal como melhor ator por Museo, surpresa mexicana baseada num roubo (real) de obras de arte ameríndia em 1985.

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O prêmio de melhor atriz deve ficar entre a alemã Marie Bäumer (por viver Romy Schneider em 3 Days in Quiberon) e a dupla italiana Valeria Golino e Alba Rohrwacher, de Figlia Mia. Duas mulheres disparam nas apostas pelo prêmio de direção: a romena Adina Pintilie, por Touch Me Not, e a polonesa Malgorzata Szumowska, pelo irônico Mug.

Para arrematar seu cardápio de atrações autorais com um toque pop, a Berlinale encerrou seu pacote de estreias na sexta, 23, com a visita do cantor e compositor inglês ed Sheeran, cujo processo criativo é revelado no documentário Songwriter, dirigido por seu primo Murray Cummings. “Música boa é aquela que mexe com o sentimento da gente”, disse Sheeran à Berlinale.


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