Paulo Nobre, 48 anos, é o presidente mais jovem do Palmeiras desde Dante Delmanto, empossado em 1932, e é considerado um dos melhores dirigentes brasileiros da atualidade. Bilionário, ele assumiu a presidência no vermelho em janeiro de 2013, no momento em que o time, um dos mais populares do País, passava por uma das maiores entressafras de conquistas – disputava a Série B do Campeonato Brasileiro. Advogado, ex-piloto de rali e trader em Bolsas de Valores, o paulistano reergueu o caixa do clube e tem sido apontado como o grande responsável pelo título Brasileiro de 2016, após um jejum de 22 anos. Palmeirense fanático, diz que dedicou cento e um por cento do seu tempo ao alviverde nesses últimos quatro anos e que chegou a chorar em desespero, trancado sozinho em seu escritório, tamanha a situação crítica do clube quando assumiu. Nesta entrevista à ISTOÉ, Nobre conta como foi encarar o desafio de assumir o time,  fala sobre o empréstimo que fez ao Palmeiras em seu nome e comenta a conturbada  relação com a construtora WTorre.

É verdade que o presidente Marco Polo Del Nero ajudou o sr. no início de sua gestão?

A gente ganhou a eleição numa segunda-feira. No dia seguinte, já sabia que tinha uma conta de R$ 7 milhões para pagar na sexta-feira com zero em caixa. Na época, procurei o Marco Paulo Del Nero, que era presidente da Federação Paulista de Futebol, conselheiro do Palmeiras e que foi meu padrinho no clube. Quando eu tinha 13 anos, estudava com a filha dele no colégio. Ele foi meu técnico num clubinho na Granja Vianna. Então, a gente sempre teve uma relação muito próxima. Del Nero nunca ajudou o Palmeiras mais do que outros clubes. Ele não fez nada do que não faria para outros. Mas ele ligou para a Globo e pediu para que me ajudassem, explicando a situação. Acho que o Palmeiras tinha para receber R$ 50 milhões, não me lembro bem, e podia adiantar até R$ 15 milhões, mas só tinha para receber R$ 18 milhões. Ou seja, já tinha adiantado mais do que podia. Foi o primeiro e único adiantamento que fiz.

Então o apoio do Del Nero foi decisivo?

A gente não está preocupado em inventar a roda. A gente está preocupado com que a roda, que foi uma invenção maravilhosa, funcione. E eu não acho que é demérito nenhum observar casos que deram certo e tentar “palmeirizar” esses casos. O que eu falava muito é que uma fonte de receita que era pouco explorada pelos clubes, exceção feita ao Internacional e ao Grêmio, era o programa de sócio-torcedor. Esses dois clubes tinham mais de 100 mil sócios e a gente se questionava como eles conseguiram. E comparávamos: como o Palmeiras, detentor de uma torcida infinitamente maior, tinha apenas 8 mil sócio torcedores?Como conseguiu virar o jogo?

Quando o torcedor investe no próprio clube não é uma estratégia de marketing, ele está investindo na própria felicidade. Eu acho que uma das grandes conquistas da nossa gestão foi ganhar a credibilidade da massa crítica palmeirense. O torcedor quer ver o Palmeiras ganhar. Então, quando você consegue mostrar pra ele que, se investir, a gente vai colocar 100% do dinheiro no futebol, você consegue ganhar a credibilidade. Foi por causa disso que a gente conseguiu dar essa revertida em tão pouco tempo. Nós temos o ticket médio mais caro do Brasil e o melhor público. Hoje, nós temos mais de 120 mil sócio-torcedores.
Mas o sr. também fez empréstimos em seu nome para ajudar o clube.
Para fazer um empréstimo, você precisa dar garantias. Quando eu levantei todos os imóveis do Palmeiras para dar como garantia, vi que todos já estavam garantindo alguma coisa. Não tinha jeito. Não entrei como presidente do Palmeiras para colocar meu patrimônio no clube. Não é essa minha visão, acho isso uma contramão, uma derrota. Mas é aquele remédio que em um determinado momento faz sentido. E, confesso, não encontrei outra maneira de a roda não parar de rodar. Foi muito dinheiro que acabei emprestando para o clube. Vi que adiantar não era solução e comecei a tomar dinheiro emprestado no mercado em meu nome.

Como foi essa negociação?

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail
Eu comecei a passar o dinheiro para o clube com as mesmas condições que o mercado me fazia, até que, em um determinado momento, a pessoa que cuida dos meus investimentos falou pra mim que era para avaliarmos aquela situação sem tapar o sol com a peneira. Ela disse que, na verdade, era eu quem estava emprestando dinheiro para o Palmeiras e não o banco. Aí ela me perguntou por que eu não emprestava o dinheiro diretamente, tirando o intermediário e fazendo ainda mais barato. E é importante deixar claro que eu não sou mecenas. Eu não dei dinheiro para o Palmeiras. Eu emprestei a uma taxa que o clube jamais conseguiria pegar.

Como o Palmeiras vai conseguir devolver esse dinheiro para o sr.?

A questão era: como o Palmeiras me devolveria esse dinheiro e como fazer para que não ficasse dependente de mim após acabar meu mandato? O Palmeiras ainda me deve, então eu posso continuar mandando? Não, eu não posso continuar mandando. Então, nós estudamos muito sobre como fazer isso. Nós criamos um FIDC (Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios), que aprovamos em todos os órgãos dentro do clube à luz do estatuto. O Palmeiras não pode gastar mais do que 10% das suas receitas anuais para devolver o dinheiro que foi aportado. Então, criamos uma regra dentro do FIDC e 10% vão para os Fundos e 90% vão para o Palmeiras. A gente dava, no início, em torno de 15 a 20 anos para a dívida se encerrar. Dado ao sucesso econômico, talvez esse dinheiro retorne em menos de 10 anos. Desde 2015, eu não aporto mais dinheiro e o Palmeiras já começou a me devolver.
Se o sr. tivesse que atribuir esse título Brasileiro a uma só pessoa, a quem atribuiria?
Não chegaríamos a lugar algum sem nossa equipe. Mas se for para simbolizar em uma pessoa, eu simbolizaria em três: Alexandre Mattos (diretor de futebol) , Cícero Souza (gerente de futebol) e Cuca (então técnico).

E a relação do sr. com essa conquista?

Eu sou a pessoa que conseguiu fazer os três atuarem juntos no momento certo.

Como está a relação do clube com a WTorre?

É totalmente institucional. Não existe amizade. Eles já entraram com uma arbitragem contra a gente numa questão que era indiscutível e perderam, porque nós estávamos muito robustos de documentação. Eu era vice-presidente em 2007 e 2008 quando a carta de intenções foi assinada. Não entendi porque quando assinaram o contrato definitivo em 2010 não refletiram exatamente tudo o que foi combinado. Ficou totalmente genérico. Já entraram com uma segunda arbitragem para tentar acabar com o programa de sócio torcedor avanti. São parceiros que a gente pode ter de conviver por mais 28 anos, então precisamos saber lidar com as adversidades.

Quais adversidades?

A WTorre tem todo o direito de explorar a arena da melhor maneira possível, a gente tem direito a uma porcentagem, até queremos entrar com uma auditoria para saber se os números que eles passam são realmente verdadeiros, sempre gera uma certa desconfiança. Eles têm direito a 90% dos dias do ano, mas precisam respeitar os jogos do Palmeiras. O time precisa de um gramado e não do pasto que fica o Allianz Parque depois de alguns shows. Isso é uma falta de respeito total com o clube. Isso eu não admito. Como também não admito que tirem o Palmeiras de um dia de jogo oficial para fazer uma pré-estreia de Independence Day. Acontecer alguma coisa assim de vez em quando, tudo bem, mas fazer um monte de evento meia-boca e fazer o Palmeiras jogar em outro estádio é uma falta de respeito, assim como instalar uma câmera dentro do escritório presidencial para ficar nos fiscalizando. Isso não é atitude de um parceiro.

O sr. vai comprar o Allianz Parque?

Não. Eu, pessoa física, não tenho tamanho para comprar a Arena. Infelizmente, não tenho o tamanho que as pessoas acham que eu tenho. O Palmeiras também não nada em dinheiro. O Palmeiras tem muitas dívidas, só que elas estão equacionadas. Também de nada adianta falar em compra de Arena, se quem tem os direitos sobre ela não demonstra a intenção de vender. Se um dia eles colocarem a venda e estabelecerem um preço, o Palmeiras vai avaliar se esse preço é justo. Se isso acontecer, eu posso ir a mercado viabilizar a compra.

O sr. acha que dedicou quanto por cento do seu tempo à gestão do Palmeiras nesses últimos quatro anos?

Acho que 101%. Esqueci completamente de tudo. Eu disputava rally em nível profissional. Era da Fórmula 1 do rally que se chama WRC. Ficava 15 dias aqui e 15 dias no Exterior. Nunca mais vi um programa de rally. Eu adorava cinema, ia três ou quatro vezes por semana. Não fui uma vez ao cinema nem jantar fora nos últimos quatro anos. Eu recebo amigos em casa e tiro uma semana por ano de férias. Meu escritório é aqui (no segundo andar na Academia do Palmeiras). Eu fui abduzido pelo Palmeiras. Foram os quatro anos mais intensos e mais verdes da minha vida.

E por que aceitou o desafio, diante de um cenário tão turbulento?

O Palmeiras é tudo na minha vida. Quando as pessoas me perguntam qual a maior loucura que eu fiz pelo clube, eu dizia que nada do que eu havia feito era loucura, sempre achei normal. Mas, pensando bem, a maior loucura que eu fiz na minha vida foi ser presidente. Foi como se eu tivesse feito um “all in” na minha vida. Se desse certo, eu seria uma pessoa realizada. Se desse errado, eu não me respe

Como a tragédia da Chapecoense atingiu o Palmeiras?

Não teve clima para comemorar o título Brasileiro depois do que aconteceu, não deu. Nós temos um ótimo relacionamento com a Chapecoense. É um dos times que eu tenho uma profunda admiração, porque subiu para a Série A em 2013 junto com o Palmeiras. É um time super estruturado. Não tem dívidas fiscais. Fez a última partida conosco no domingo 27, ex-jogadores do Palmeiras com quem eu convivi jogavam na Chapecoense e o técnico dirigiu o Palmeiras quando eu era vice-presidente. É a maior tragédia do futebol brasileiro e mundial.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias