Ao longo de mais de 300 anos, os cerca de 4,8 milhões de africanos que foram desembarcados na Bahia ou no Rio de Janeiro estão, ainda hoje, na matriz de uma das sociedades mais desiguais do mundo. Ninguém conseguiria prever o que um episódio como o de Floyd impactaria o Brasil.

Sou um homem branco e um ativista convicto contra todas as igualdades. Todas! Sejam elas de raça, de credo ou de gênero. Mas por mais solidário que um homem branco possa ser eu sei que nada me vai fazer entender a raiva que hoje os negros sentem.

Gastei muita energia e tempo falando com amigos negros, índios e mulatos, discutindo sobre a discriminação e a violência de que às vezes são alvo. Tentei explicar, sem conseguir, que a maior parte dos brancos não é racista e que, sobretudo para as novas gerações – e dou o exemplo dos meus filhos —essa realidade que nem sequer é um assunto. Mas esse sentimento de igualdade é verdadeiro para mim da mesma forma que é inaceitável para quem carrega no sangue uma ascendência escravizada.

Eu vivo numa bolha e nas bolhas estas diferenças não se notam. Nessa bolha burguesa todos estivemos juntos na mesma escola, aprendemos História dos mesmos livros, admirámos Martin Luther King, Malcom X, Quintino de Lacerda e Nelson Mandela.

Nós, os brancos cultos, pensamos sinceramente que não somos racistas, mas não sabemos que aos olhos de um negro esse nosso sentimento até pode ser genuíno não é verdadeiro. Demorei muito tempo a entender que a minha herança cultural faz de mim um racista. Mesmo que eu não queira.

Hoje sei que, por mais que apregoe a igualdade a equidade e a solidariedade, por mais vezes que eu peça desculpa em público e em direto e por mais vezes que me declare culpado pelo infame comportamento de meus avós esclavagistas, isso de pouco adianta se não fizer algo mais para consertar ao passado.

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Só quem é branco pode acreditar que a escravidão é coisa de um passado longínquo. Para os descendentes dos negros africanos isso está bem longe de ser assim.

Para aqueles que descendem dos negros que durante três séculos foram comercializados como gado, morreram agrilhoados em galeras desumanas atravessando o Atlântico ou pereceram em trabalhos forçados num engenho de açúcar ou na ponta de um chicote no morro da Jabaquara, isso foi ontem.

Por isso ninguém conseguiria prever, neste tempo de inadimplência política, o que poderia acontecer sem alguém deixasse de respirar na Avenida Paulista como aconteceu a Geroge Floyd na cidade de Minneapolis.

 


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