Basta uma navegação rápida pelas redes sociais com foco na carreira profissional, como o Linkedin e o Universia, para perceber a tendência do momento: mesmo as pessoas mais bem sucedidas do mercado estão, de alguma forma, de volta aos estudos. O modismo da vez, que em inglês recebe o nome de Lifelong learning, nada mais é que um aprendizado ao longo da vida. O conceito, independente da área de atuação do indivíduo, sustenta a ideia de que os estudos devem ser permanentes, e não apenas durante a idade escolar tradicional. Esses estudos não passam necessariamente pela volta aos bancos escolares, embora muitos gostem de acumular diplomas. Ter repertório em diversas áreas do conhecimento, seja tecnologia, jardinagem, literatura ou biologia, aumenta a criatividade e promove a saúde mental.

Apesar do hábito de manter-se em constante atualização não ser algo inédito, a facilidade de cursos ministrados pela internet e o período de isolamento social durante a pandemia fizeram com que a maioria dos profissionais buscasse aprender algo novo. “Vale dizer que nada foi inventado, tudo é adaptado a essa nova realidade, que exige decisões cada vez mais rápidas diante de cenários de incertezas. Enquanto os cursos de longa duração precisam passar por comprovação científica, os mais rápidos estão em evidência, principalmente em escolas de negócios, que trazem cases atuais e com foco em startups”, explica Janaína Manfredini, especialista em Gestão e instrutora da plataforma Linkedin Learning.

TRADICIONAL Marcelo Válio: advogado está em seu segundo pós-doutorado (Crédito: Keiny Andrade.)

“O aprendizado é a capacidade do cérebro de fazer novas associações. Não basta reter conhecimento, é preciso atribuir sentido a ele” Henrique Freitas, neurologista

Para ela, a disseminação das empresas de tecnologia acelerou o processo de conhecimento e compartilhamento de dados, por isso é natural que as pessoas busquem mais informações sobre os temas aplicados ao dia a dia de suas profissões: “O lifelong learner tem a característica de colocar as coisas em prática. Ele estuda porque é pró-ativo, curioso e passa longe da zona de conforto”. Enquanto a educação continuada está na moda, entre os principais CEOs do País há uma pressão velada para novas formas de aprendizado, seja para inovar na própria empresa ou para não correr o risco de ser substituído. Além disso, compartilhar novos certificados nas redes é considerado símbolo de status. Priscila Spadinger, CEO da Aleve Legaltech Ventures, de Belo Horizonte, afirma que executivos trocam indicações a respeito de cursos até em grupos de WhatsApp. “Sou advogada, mas comecei como técnica em Química e atualmente estou terminando um mestrado”, diz. Com mais de dez diplomas em mãos, ela até se surpreende quando lembra a variedade dos cursos, da área de negócios aos vinhos, passando até por noções básicas de Física Quântica. Aos 41 anos, a empresária se diz apaixonada por aprender coisas novas, seja em viagens ou com a cara nos livros.

Se o ato de adquirir conhecimento pode ser viciante, ele também se transforma em um hobby que faz parte do cotidiano. “Não aprender me deixa deprimido”, diz o empresário gaúcho Vinícius Boemeke, cofundador e CEO da startup de tecnologia Pulsus, de 36 anos. Ele diz que na adolescência queria ser médico veterinário e chegou a frequentar abrigos de animais para saber como seria a carreira. Interessou-se então por cinema; comprou todos os livros que conseguiu encontrar e, depois de ir pessoalmente às principais faculdades da área para checar como seria a grade curricular, optou por uma graduação em Publicidade e Propaganda. “Sou aquela pessoa que, se há um problema no ar-condicionado, quero entender como funciona o aparelho e resolver sozinho”, diz. Durante a pandemia, enquanto estudava italiano para requerer cidadania no país de seus antepassados, decidiu praticar o idioma em um curso de culinária ministrado por “nonas” italianas no YouTube. “Aprendi a fazer o meu próprio fermento”, afirma. Ainda estudou finanças, tecnologia e até medicina integrativa. Por ter uma doença autoimune, fez um curso sobre “O impacto do intestino na saúde”.

HÁBITO O empreendedor Vinícius Boemeke: curiosidade e perfeccionismo (Crédito:Divulgação)

Aos 65 anos, o professor e empresário Fernando Potsch, CEO da CBG Seniortech Ventures, tem um currículo universitário de dar inveja. Fez mestrado na França, onde foi aluno do renomado filósofo Gilles Deleuze, mas atualmente prefere falar da sua vida fora da academia e das empresas de sucesso pelas quais já passou. “Como a gente se atualiza? Eu aprendo algo novo com cada pessoa que cruza o meu caminho”, afirma. Ávido colecionador de orquídeas, compara sua especialidade como analista de startups ao trabalho em um orquidário. No terreno de sua casa, uma área de cinco mil metros quadrados na capital fluminense, há flores por todos os lugares. “Por que aquela empresa não está florescendo?” e “será que essa startup precisa de mais luz?” são metáforas que usa com clientes.

O advogado Marcelo Válio, de 46 anos, está em seu segundo pós-doutorado. “Sou apaixonado pela área e minha atuação exige atualização diária”, afirma. Poliglota, já passou pela Itália e Argentina e irá defender sua próxima tese na Espanha, na área de Direitos Humanos. Referência nacional na área voltada aos vulneráveis – pessoas com deficiência, autistas, portadores de doenças raras – o advogado está em contato constante com o universo da saúde, participando inclusive de congressos e estágios fora do Brasil. “Sempre pensei em estudar medicina, mas não tenho tempo hábil para me dedicar a isso integralmente”, afirma. No início do relacionamento com a esposa, ele conta que a esperava adormecer para sair da cama e estudar, sem que o interesse adicional atrapalhasse o romance.

AUTODIDATA Fernando Potsch: executivo transformou a paixão pelas orquídeas em visão estratégica para startups (Crédito:Thiago Bernardes)

“O aprendizado é a capacidade do cérebro de fazer novas associações. Não basta reter um conhecimento, é preciso atribuir um sentido a ele”, explica o neurologista Henrique Freitas, coordenador do serviço de Neurologia da rede Mater Dei de Saúde. Ou seja, decorar dados não é válido, uma vez que o cérebro tende a esquecer o que não causou impacto duradouro. O neurologista lembra ainda dos diversos estudos que relacionam o aprendizado ao menor risco de desenvolvimento de síndromes. “O cérebro foi programado para aprender, sem data para parar”, diz. Aprender, pelo visto, é uma tarefa sem contra-indicações.