Logo depois de 8 de janeiro, dia em que apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiram prédios na Praça dos Três Poderes, em Brasília, viajei para a África do Sul. Uma viagem com a família planejada havia um ano. Em Joanesburgo, visitamos o Museu do Apartheid e o Soweto, onde fica a casa em que Nelson Mandela morava antes de ser preso. São visitas que te levam numa viagem pelo tempo e permitem reflexões profundas sobre a luta pela igualdade e pela diversidade, pelo respeito e pela democracia. Não há como não se emocionar diante de farto registro de imagens, filmes e objetos que se reportam à luta contra o preconceito racial.

As fotos de Hector Pieterson, um garoto sul-africano de 12 anos morto em 1976, nos braços de uma colega que fugia de uma ação policial durante confrontos ocorridos em Soweto em pleno apartheid, ganhou proporções gigantescas e fez o mundo olhar para a região com mais atenção. A partir daí, aumentou a pressão pela libertação de Mandela, preso desde 1963. Após 27 anos de prisão, Mandela chegou à presidência da República. Por isso pessoas próximas a ele e muitos dos apoiadores de seus ideais esperavam uma espécie de acerto de contas contra aqueles que defendiam e promoviam a segregação. Até mesmo os adversários de Mandela acreditavam que isso aconteceria.

Seu discurso foi o da conciliação. Seu maior objetivo era unir o país, criando uma África do Sul mais inclusiva

Não foi esse o caminho seguido por ele. Seu discurso foi o da conciliação. Seu maior objetivo era unir o país, criando uma África do Sul mais inclusiva. No discurso de posse, Mandela criticou duramente o passado de racismo institucionalizado no país, mas convocou toda a população a se unir em torno da paz e da justiça. Disse ainda que assumiria o comando do país para construir uma nação arco-íris, “na qual todos os sul-africanos, quer sejam negros ou brancos, possam caminhar de cabeça erguida, sem receios no coração, certos do seu inalienável direito à dignidade humana”.

Há alguns anos o Brasil vive uma forte polarização. O debate em torno das últimas eleições tem sido pobre e superficial. Um elevado nível de atrito por conta de posições ideológicas inclusive entre pessoas da mesma família tornou-se comum no país. Não estou comparando o apartheid da África do Sul com a polarização que vivemos aqui. Mas nossos líderes políticos deveriam, sim, inspirar-se em Nelson Mandela. Em seu esforço em busca da conciliação e da união do País. Lula, como presidente da República, deveria se concentrar em promover o apaziguamento e o distensionamento. Isso não significa que as pessoas que cometeram aqueles atos repudiáveis contra os Poderes da República não devam ser punidas no rigor da lei.