Uma vacina personalizada contra o câncer, produzida a partir do DNA do próprio paciente, alcançou resultados iniciais esperançosos em estudos clínicos do Clatterbridge Cancer Center, um dos principais centros de estudos médicos da Inglaterra. O estudo pioneiro ainda é preliminar, com poucos participantes, e os dados ainda não foram publicados em revista científica.

Para especialistas, porém, esse tipo de tratamento dá esperança sobre novas terapias. Eles alegam que ainda é preciso ter mais testes com o tratamento para entender a eficácia do produto.

A vacina contra o câncer foi aplicada como tratamento complementar em pacientes com a doença de cabeça e pescoço, aqueles que acometem as regiões da boca, faringe (garganta), laringe e cavidade nasal, bem como a pele, glândulas salivares, vasos sanguíneos, músculos e nervos da região, além da glândula tireoide.

RESULTADOS

Nenhum dos oito primeiros pacientes vacinados apresentou recaída. Por outro lado, o câncer voltou em dois de oito pacientes que não haviam sido imunizados. Os resultados foram apresentados no Congresso americano de Oncologia Clínica, em junho.

Embora os números do estudo sejam pequenos, ainda sem publicação nos periódicos científicos, a personalização trazida pela técnica abre uma nova perspectiva no tratamento contra o câncer, dizem os especialistas que analisam os primeiros resultados da pesquisa.

CAUTELA

Christian Ottensmeier, consultor médico oncologista e diretor de pesquisa do Clatterbridge Cancer Center, mostrou certa dose de cautela, mas otimismo para as próximas fases da pesquisa.

“Estou realmente esperançoso, sim. Estou bastante animado com isso. Todos os dados estão apontando na direção certa”, afirmou.

O Clatterbridge Cancer Center foi o primeiro hospital inglês a oferecer o tratamento. Um pequeno ensaio clínico com doentes com câncer nos ovários na França e nos Estados Unidos também vem mostrando resultados promissores.

TECNOLOGIA

A vacina foi batizada de TG4050. Ela é desenvolvida pela empresa francesa Transgene com tecnologia semelhante à usada na produção do imunizante contra a covid-19 da AstraZeneca.

Em linhas gerais, os cientistas coletam uma amostra do tumor do paciente e analisam as mutações, como uma assinatura única genômica daquele tumor. Com um mecanismo de inteligência artificial, os pesquisadores analisam pelo menos 30 dessas mutações mais propensas a estimular uma resposta imune.

Os fragmentos de DNA dessas mutações são inseridos no vírus que, por sua vez, é injetado no paciente. O sistema imune do paciente reconhece e produz uma resposta contra a célula desse tumor, fazendo vigilância e a defesa do organismo.

Pesquisa traz esperança, mas é preciso ter mais dados, dizem médicos

O oncologista Thiago Bueno, vice-líder do Centro de Referência de Tumores de Cabeça e Pescoço do A.C. Camargo Cancer Center, classifica os dados como promissores, mas mantém a cautela. “São resultados iniciais, mas promissores. Estamos empolgados, embora seja preciso manter os pés no chão e ter cautela. Vamos precisar ver os dados a longo prazo e analisar mais pacientes para afirmar que é uma tecnologia que veio para ficar no nosso arsenal no tratamento contra o câncer”, diz o especialista.

Para Bueno, o grande avanço do estudo feito na Inglaterra é a personalização do tratamento. “Cada tumor de cabeça e pescoço é único. A personalização abre uma nova perspectiva de tratamento. Nós ainda não temos tecnologias de indução de resposta imune de maneira tão personalizada, como um tratamento para cada paciente”, explica. A imunoterapia, tipo de tratamento onde se esquadra o estudo inglês, representa uma das mais recentes inovações no tratamento da doença metastática do câncer de cabeça e pescoço. A terapia estimula o sistema imunológico do paciente a controlar o tumor. São medicações injetadas na corrente sanguínea do paciente que podem produzir bons resultados de acordo com a resposta do paciente.

William Nassib William Júnior, diretor médico do Centro de Oncologia e Hematologia da BP – Beneficência Portuguesa, adota raciocínio semelhante. “O estudo aumenta o nosso conhecimento ao mostrar que o sistema imunológico foi capaz de ser treinado para reconhecer as moléculas introduzidas como tratamento. No entanto, nós não sabemos quais são os benefícios a longo prazo. Os dados são preliminares. Precisamos de mais pacientes e de acompanhamento mais longos”, opina.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.