Estudo pode mudar o que se sabe sobre origem de moais da Ilha de Páscoa

Estudo pode mudar o que se sabe sobre origem de moais da Ilha de Páscoa

"DelineaçãoPesquisa indica que origem dos moais, as icônicas estátuas de pedra da ilha, pode ser mais extraordinária do que se imaginava. Modelo tridimensional sugere que construção não seguiu uma coordenação central.Por séculos, Rapa Nui – ou Ilha de Páscoa , de acordo com a nomenclatura europeia – permaneceu envolta em uma névoa de fascínio e perplexidade. Suas estátuas, os moais , inspiraram contos fantásticos e teorias de todos os tipos, enquanto uma pergunta persistia através das gerações: como uma comunidade tão isolada conseguiu erguer e transportar quase mil estátuas colossais? Que organização social tornou isso possível?

Um novo estudo científico, liderado por Carl Lipo, arqueólogo da Universidade de Binghamton, dos EUA, e publicado na revista científica PLOS One, fornece evidências que podem mudar a compreensão do passado da ilha.

A pesquisa desafia a ideia clássica de uma autoridade central que supervisiona todo o processo e, em vez disso, mostra que a criação dos moais parece ter sido uma tarefa compartilhada entre muitas comunidades. Cada grupo esculpia suas estátuas ao mesmo tempo que os outros, seguindo seus próprios ritmos e métodos de trabalho.

Modelo 3D revela 30 áreas de trabalho

Para o estudo, a equipe utilizou drones que registraram mais de 11.000 fotografias de Rano Raraku, a pedreira vulcânica onde a grande maioria dos moais foram esculpidos.

A partir desse material, eles criaram o primeiro modelo tridimensional completo do local, com resolução que se reduz a centímetros, permitindo observar cada detalhe da superfície, segundo explicou Lipo em um artigo para o portal de notícias The Conversation.

A análise do modelo foi reveladora. Eles identificaram 30 áreas de trabalho distintas, muitas delas separadas por características naturais, cada uma com suas próprias técnicas de escultura. Os pesquisadores também registraram 426 moais em diferentes estágios de produção, 341 trincheiras de extração e 133 cavidades dos quais as estátuas já haviam sido removidas.

Uma nova teoria sobre Rapa Nui

Segundo os pesquisadores, esses resultados oferecem fortes evidências sobre a organização social da ilha. Em vez de uma estrutura hierárquica dominante, Rapa Nui era composta por comunidades familiares que trabalhavam de forma independente, embora mantivessem um fluxo constante de ideias e técnicas.

"A monumentalidade representa uma demonstração competitiva entre comunidades iguais ao invés de uma mobilização de cima para baixo", explica Lipo, citado pela revista científica New Scientist.

Essa interpretação desmantela a visão tradicional de que obras monumentais só podem surgir sob uma hierarquia rígida ou um forte poder central. Segundo Lipo, os moais não são prova do poder de chefes megalomaníacos, mas da engenhosidade coletiva de comunidades descentralizadas.

No entanto, nem todos os especialistas estão totalmente convencidos dessa teoria. Dale Simpson, da Universidade de Illinois Urbana-Champaign, em entrevista à New Scientist, admite que não havia um líder supremo como em outras sociedades polinésias, mas, ao mesmo tempo, duvida que os clãs fossem tão independentes.

Em sua perspectiva, em uma ilha tão pequena quanto Rapa Nui, onde a pedra era um recurso essencial, deve ter havido algum grau de colaboração entre os grupos, já que não teria sido viável esculpir moais em completo isolamento.

Jo Anne Van Tilburg, da Universidade da Califórnia em Kos Angeles (Ucla), também recomenda cautela e considera as conclusões do estudo "prematuras e exageradas". Ela lembra que ainda estão em andamento pesquisas para tentar compreender melhor como a pedreira era utilizada.

Como os moais foram transportados?

O novo modelo 3D esclarece como aera a organização da pedreira, enquanto outro trabalho recente da mesma equipe forneceu dados sobre como os moais foram transportados.

Lipo explica em seu artigo que ao comparar estátuas abandonadas em caminhos antigos com aquelas que chegaram às suas plataformas, a equipe detectou características distintas – bases mais largas, uma leve inclinação para a frente e seções transversais em forma de uma letra "D", que sugerem um transporte na posição vertical. O resultado é surpreendente: os moais teriam se movido "caminhando", sendo balançados de um lado para o outro.

Essa hipótese foi testada em 2013 com uma réplica de concreto de 4,35 toneladas, quando 18 pessoas, puxando três cordas, conseguiram movê-la 100 metros em 40 minutos, um movimento que reproduz a dinâmica prevista pelo modelo do pêndulo invertido.

Reescrevendo a história ecológica da ilha

Pesquisas anteriores da mesma equipe também desafiaram outra narrativa clássica: a ideia de que Rapa Nui entrou em colapso após destruir suas próprias florestas. Os pesquisadores, alinhando-se a outros estudos, propõem um cenário diferente.

Não teria ocorrido um "ecocídio", mas sim uma "transformação ecológica não intencional". Segundo Lipo, os ratos polinésios, introduzidos por volta de 1200 a.C., se multiplicaram rapidamente e consumiram a maior parte das sementes das árvores, impedindo a regeneração da floresta. A agricultura humana abriu novas áreas, mas a pressão dos roedores tornou impossível a recuperação das palmeiras. O resultado foi um desmatamento acelerado ao longo de cinco séculos.

Mesmo assim, o povo de Rapa Nui não desistiu. Eles introduziram uma técnica de cultivo que consistia em cobrir o solo com fragmentos de pedra, uma forma de condicionamento que aumentava a qualidade e a estabilidade do substrato. Continuaram construindo moais por meio milênio depois que a floresta começou a perder sua força.

Ao desvendar parte do enigma de Rano Raraku, o novo modelo tridimensional não elimina o mistério, mas o aprimora. Cada detalhe revelado ilumina uma área e deixa outra na sombra, nos lembrando que Rapa Nui ainda não contou toda a sua história.

rc (DW)