RESUMO

• Menos de 2% das organizações públicas do país possuem um sistema de proteção adequado contra a corrupção
• Ambiente federal não é o único cenário que esconde bandidos da improbidade administrativa
• Uma das origens do problema pode estar na forma como as emendas parlamentares são aplicadas pelos municípios
• Pior: áreas de Saúde e Educação são algumas das mais afetadas

Os grandes escândalos de corrupção no Brasil provocaram um aprimoramento no combate à roubalheira, mas o dinheiro continua “escorrendo pelo ralo”, só que de forma mais localizada. Essa é a percepção de agentes políticos com os recentes casos investigados pela Polícia Federal (PF), Ministério Público Federal (MPF) e Controladoria Geral da União (CGU) que envolvem irregularidades na aplicação e distribuição de verbas federais aos mais de 5,5 mil municípios brasileiros. É a pulverização da corrupção, como definiu o advogado e jurista Marlon Reis, doutor em sociologia jurídica pela Universidade de Zaragoza (Espanha) e um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa.

Os rumorosos casos do Mensalão, Petrolão e Lava Jato fizeram com que as instituições aperfeiçoassem os controles de fiscalização em níveis mais elevados, mas que ainda patinam na questão do acompanhamento da aplicação do dinheiro público recebido por prefeituras por meio de convênios diversos com a União.

A corrupção, que costuma ser relacionada no Brasil a grandes esquemas e à esfera federal, se reproduz no âmbito das prefeituras e das câmaras de vereadores.

Uma pesquisa elaborada em 2021 pelo Tribunal de Contas da União (TCU) detectou diversas irregularidades no recebimento pelos municípios de verbas de origem federal, como as do Fundo de Participação do Municípios (FPM) e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Além da evidente lacuna de fiscalização competente na aplicação dos recursos, especialistas destacam a falta de capacitação dos gestores locais e de transparência na prestação de contas.

Segundo o TCU, menos de 2% das organizações públicas do país possuem um sistema de proteção adequado contra a corrupção e 82% das instâncias de poder do Brasil detêm risco alto ou muito alto de serem atingidas por criminosos. O Poder Legislativo municipal é o ponto de maior fragilidade. “Existe uma vulnerabilidade no sistema de distribuição de verbas da União. Os mecanismos de controle são falhos e os desvios são detectados tardiamente”, afirma Marlon Reis.

Ele aponta que uma das origens do problema pode estar na forma como as emendas parlamentares são aplicadas. Reis acredita que essas emendas dão um poder muito grande aos parlamentares, desde a execução até a definição da distribuição dos recursos da União. Com esse direcionamento e a fiscalização falha, sobram oportunidades para o surgimento de esquemas que desviam dinheiro público, sobretudo das verbas que saem do Ministério da Saúde e da Educação.

Estudo mostra como a corrupção vence a fiscalização no Brasil
A corrupção paralisa ou inviabiliza obras importantes, como em uma escola pública em serra Branca, na Paraúba (Crédito:Divulgação )

Transparência

São várias as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público realizadas desde 2022 em todo o país na tentativa de estancar os crimes de improbidade administrativa.

• Em maio passado, a Operação Sepsis iniciou a apuração de irregularidades na gestão de Unidades de Pronto Atendimento (UPA) em Sorocaba, no interior de São Paulo, onde houve aplicação de verbas enviadas pelo Ministério da Saúde.

• No final do ano passado, operações semelhantes ocorreram em Oiapoque, no Amapá, em dez cidades do Pará, incluindo a capital Belém e Ananindeua, além de diversas prefeituras do Maranhão e do Piauí, em investigações que começaram em 2022. Em todos esses casos, as investigações apuraram o desvio de dinheiro público na área da Saúde.

Para o cientista político Elias Tavares, a controladoria precisa ampliar os mecanismos de acompanhamento da destinação do dinheiro que chega às prefeituras. É uma questão de fiscalização, mas também de boas práticas de governança e, principalmente, de aplicação de métodos de transparência. “Sou favorável ao esquema de emendas parlamentares, que é um sistema democrático de destinação de verbas, mas os mecanismos de controle precisam ser aperfeiçoados. Temos de aproveitar mais as possibilidades que a tecnologia oferece para permitir que o cidadão acompanhe em tempo real a aplicação do dinheiro público em sua cidade. Temos de valorizar a transparência.”

Estudo mostra como a corrupção vence a fiscalização no Brasil
Marlon Reis critica a possibilidade de parlamentares determinarem onde e quando recursos públicos serão aplicados (Crédito:Divulgação )

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), costuma rebater de pronto as críticas sobre o sistema de emendas impositivas, que permitem aos parlamentares fazer a destinação de verbas. “São instrumentos necessários para o funcionamento da administração. As emendas parlamentares realizam mudanças na vida das pessoas como saneamento, asfalto, casas, água, de maneira diversa e direta, porque é quem acompanha a vida do brasileiro o tempo todo.”

Ele também destaca o caráter democrático da existência das emendas parlamentares, reforçando que o Legislativo precisa participar da elaboração do Orçamento. “Não é só o governo ou o Poder Executivo que manda na aplicação dos recursos. Deputados e senadores também têm responsabilidade na alocação do dinheiro do Orçamento.”

Em dezembro de 2023, o Congresso aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) mantendo prazos de execução para as emendas parlamentares individuais e de bancadas e um valor mínimo de R$ 11 bilhões para as emendas de comissões permanentes. Com as emendas de comissões, o total atingiu valores fixados no Orçamento que chegam a R$ 49 bilhões.