A vacina contra a dengue desenvolvida pelo Instituto Butantan teve sua eficácia confirmada em artigo publicado nesta quarta-feira, 31, na revista científica New England Journal of Medicine (NEJM), uma das mais prestigiosas do mundo. Na publicação, os pesquisadores descrevem que o imunizante teve 79,6% de eficácia em prevenir a doença, resultado que já havia sido divulgado pelo Butantan em dezembro de 2022, mas que, agora, ganha maior relevância por ser referendado pela comunidade científica internacional.

Isso porque, para que um estudo saia numa revista científica de alto impacto, ele precisa ser revisado por outros pesquisadores para garantir que os dados são robustos e confiáveis. “Ter um artigo publicado no New England é um atestado de que o que a gente fez tem relevância e seguiu um rigor na análise dos dados. A revisão por pares é ultra rigorosa, eles perguntam os mínimos detalhes”, diz o infectologista Esper Kallás, diretor do Instituto Butantan e investigador principal do estudo.

A eficácia de 79,6% é similar à da vacina Qdenga (80,2%), que será oferecida no SUS a partir de fevereiro. O índice de proteção do imunizante brasileiro foi medido por meio do acompanhamento por dois anos de 16.235 voluntários na faixa etária dos 2 aos 59 anos. A fase 3 do estudo, que teve início em 2016, seguirá até que todos os voluntários completem cinco anos de acompanhamento, o que está previsto para acontecer em junho.

Depois disso, os pesquisadores pretendem realizar a etapa de análise de dados e elaboração do dossiê para submissão do pedido de registro do produto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que deve acontecer ainda neste ano, segundo Kallas.

“A gente ainda tem muita tarefa dentro de casa até terminar o dossiê completo. O nosso prazo é o segundo semestre e a gente tem um alvo que é setembro, mas a gente tem que encarar isso com muita humildade porque, às vezes, precisamos repetir algumas análises, então esse alvo pode ser móvel, mas a gente está trabalhando para tentar antecipar”, destacou o diretor do Butantan.

A expectativa sobre um eventual registro da vacina do instituto é grande porque o produto tem eficácia semelhante à do imunizante Qdenga, da farmacêutica japonesa Takeda, mas com algumas vantagens: é administrada em dose única e teria um custo menor por ser produzida em território nacional. A Qdenga, que acaba de ser incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS) e terá sua aplicação iniciada em fevereiro em adolescentes de 10 a 14 anos, é dada em duas doses com intervalo de três meses entre elas.

“A grande vantagem da vacina de dose única é que ela é capaz de induzir uma imunidade rápida, não sendo necessário esperar a conclusão do esquema vacinal completo para ter o nível de proteção esperado”, esclarece Kallas.

A chegada de uma nova vacina ao mercado também ajudaria a enfrentar outro problema: o número limitado de doses disponíveis. Neste ano, por exemplo, o Brasil receberá somente 6 milhões de injeções da Qdenga, suficiente para imunizar apenas 3 milhões de brasileiros. Por causa dessa limitação, o Ministério da Saúde teve que restringir a vacinação para a faixa etária dos 10 aos 14 anos e somente aqueles que vivem em cidades com maior incidência de dengue.

Somente nas primeiras quatro semanas do ano, o Brasil registrou mais de 217 mil casos de dengue, quase o quíntuplo das cerca de 45 mil notificações no mesmo período do ano passado, segundo dados do Ministério da Saúde.

Questionado se os bons resultados nos estudos clínicos e o cenário epidemiológico desafiador poderiam levar a uma aceleração no processo de registro da vacina, Kallás disse que o diálogo com a Anvisa é constante, mas que ainda há etapas a cumprir. “O nosso relacionamento com a Anvisa tem sido excelente, mas a gente também entende que temos que seguir os ritos tradicionais regulatórios.”

Proteção é alta em todas as faixas etárias, mostra estudo

De acordo com os dados do estudo do Butantan publicados no NEJM, a proteção contra a doença foi observada em todas as faixas etárias testadas, sendo 90% em adultos de 18 a 59 anos, 77,8% no grupo dos 7 aos 17 anos e de 80,1% entre as crianças de 2 a 6 anos.

Os resultados da pesquisa mostraram ainda que houve eficácia tanto em pessoas que já tinham tido infecção prévia pela dengue quanto nos voluntários sem exposição anterior ao vírus, mas o índice de proteção foi maior no primeiro grupo (89,2% contra 73,6%).

Os pesquisadores demonstraram ainda que a vacina é segura para ambos os grupos, ao contrário da primeira vacina contra a dengue licenciada no País, da farmacêutica Sanofi, que não é recomendada para pessoas que nunca tiveram a infecção por aumentar o risco da manifestação grave da doença.

De acordo com o Butantan, a maioria das reações adversas foi classificada como leve a moderada, sendo as principais dor e vermelhidão no local da injeção, dor de cabeça e fadiga. Eventos adversos sérios relacionados à vacina foram registrados em menos de 0,1% dos vacinados, e todos se recuperaram totalmente.

A vacina do Butantan foi desenvolvida contra os quatro sorotipos de vírus da dengue, a partir do vírus atenuado, portanto, seria capaz de proteger contra todos eles. No entanto, no período do estudo, foram registrados somente casos de dengue tipo 1 e 2, os mais prevalentes no Brasil, o que faz com que seja possível confirmar a eficácia de 89,5% para DENV-1 e 69,6% para DENV-2, mas ainda não seja possível avaliar detalhadamente a eficácia contra os dois outros sorotipos.

Histórico da vacina do Butantan

O desenvolvimento da vacina da dengue do Butantan foi possível graças ao licenciamento da tecnologia em 2009 pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), dos EUA, que cedeu as patentes e os materiais biológicos referentes às quatro cepas virais que compõem o imunizante, permitindo, assim, que ele fosse produzido e distribuído no Brasil.

“Em 2018, o Butantan assinou um acordo de desenvolvimento e compartilhamento de dados com a farmacêutica multinacional MSD, que trabalha em uma vacina análoga, em uma ação conjunta para acelerar os estudos e registro do produto”, detalhou o instituto, em nota.

A fase 1 do ensaio clínico foi desenvolvida nos Estados Unidos (2010-2012) pelo NIH e a fase 2 foi conduzida no Brasil (2013-2015). Os bons resultados de eficácia e segurança das duas primeiras etapas dos estudos levaram à realização da terceira fase pelo Butantan em 16 centros de pesquisa brasileiros.