Diogo Nogueira nasceu sob a imensa sombra musical que o pai, João Nogueira, construiu no samba brasileiro. Seguiu exatamente os passos paternos e alcançou conquistas por mérito próprio. Ambos tentaram primeiro a sorte como jogadores de futebol. João nunca chegou a ser profissional, mas Diogo o foi e só parou por causa de lesão no joelho, que o afastou definitivamente dos gramados. Na sequência, diz ter evitado a música, mas cedeu ao chamado em 2007, aos 26 anos, de tanto que insistiam por ter o mesmo timbre de voz do pai, falecido sete anos antes. Com o samba que mistura passado e presente, vendeu milhões de discos, concorreu oito vezes ao Grammy e levou dois troféus para casa. Tem a esperança de alcançar o terceiro com o mais recente trabalho, Sagrado, seu oitavo disco de estúdio. Enquanto isso, segue carreiras paralelas na culinária, com livro de sucesso, como influenciador digital, já que é parte de um dos casais mais famosos do País, ao lado da atriz Paolla Oliveira, e nos teatros, onde neste ano estreia musical em homenagem ao pai.

João Nogueira foi um dos ícones na história do samba. Com isso você carrega uma grande responsabilidade. Infelizmente, ele morreu muito novo (aos 58 anos, em 2000). Você acredita que leva adiante a bandeira que ele carregava?
É difícil dizer. Eu acredito muito nessa mensagem da bandeira, de que recebi uma herança, um caminho, e que nesse caminho dou sequência ao que foi construído lá atrás. Acredito muito em manter a história de um personagem, de um ícone, como foi meu pai, mas também construindo minha própria história. Só que não tem jeito, a herança vai ficar muito entranhada no sangue, na maneira de ser, na maneira de viver. Acredito em manter um legado, manter uma história.

Você passou pelo futebol, teve uma lesão séria e só então entrou na música. Seu pai também havia tentado ser jogador. Era seu plano A ou aconteceu por acaso?
Meu desejo, desde a infância, sempre foi ser jogador de futebol — era um sonho de criança. Eu lutei por isso, corri atrás desse sonho; meu pai, na verdade, sempre foi amante do futebol, mas nunca chegou a procurar clube de fato. Ele amava o esporte, a aviação, era amante de tudo, mas não seguiu carreira como eu fiz. Eu não queria ser cantor, não queria ser artista, queria ser um esportista e lutei até os vinte e quatro anos de idade. Foi uma luta fervorosa, porque as pessoas sabiam que eu tinha um timbre muito parecido com o do meu pai. Queriam muito que eu cantasse, foi algo mais forte do que meu sentimento, e então tive a lesão e decidi não cantar, não fazer a escolha do samba, da música. Mas não tive como correr, a vida foi me levando para esse lugar, foi me conduzindo para a música. Acabei gostando e entendendo que existia um caminho ali, e aí as coisas aconteceram naturalmente. Praticamente não busquei nada, fui vivendo aquilo e basicamente hoje estou aqui.

Você esperava obter sucesso de cara ou por carregar sobrenome tão imponente no samba temia alguma restrição, principalmente no início?
Acredito que todo início é difícil. O meu foi bem complicado, apenas fui deixando a vida me levar e a conduzindo como se apresentava para mim. Eu simplesmente fiz o caminho do meu jeito, com o meu coração, com a minha alma, com a maneira que entendia o que era o samba e como deve ser trabalhado. Não tive nenhum medo de encarar a vida e a carreira, então acho que isso foi um passo importante para poder construir um caminho próprio e chegar onde estou atualmente.

Você lançou um disco recentemente e o batizou Sagrado, que é um sinal de reverência ao samba pela raiz do gênero. Isso ainda é muito forte ou você acha que é chegado o momento de olharmos menos para o passado e mais para o futuro?
Acredito que não. Penso que, se estou aqui hoje, é porque existiu estrutura anterior que construiu uma história da música popular brasileira e, principalmente, do samba. Nunca podemos deixar de reverenciar o que existiu, até porque foram os que construíram, e se estamos aqui, é graças a eles. Por isso, sempre busquei trazer um pouco desse universo do passado, juntando com o que acontece na atualidade. Passado e presente não podem viver separados de forma alguma.

“Estou do lado de quem defende a democracia”, diz o sambista Diogo Nogueira
“Paolla Oliveira e eu somos pessoas simples mas vivemos intensamente. Não combinamos como agimos publicamente” (Crédito:Thiago Ribeiro)

Da nova geração, quem você acha que compartilha a visão de incluir elementos contemporâneos e ao mesmo tempo reverenciar o passado?
Um cara que faz isso e que está em evidência é o Xande de Pilares — ele traz o passado, mas se mantem no presente. Outros jovens fazem isso, como o Arlindinho. Existe nele uma herança, uma aliança de samba que não vem só do pai, mas do avô (Arlindão Cruz). O João Martins e o Inácio Rios trazem isso e são pessoas que estão abrindo espaço. Fico muito feliz porque são artistas com pensamentos muito parecidos com o meu, que é o de manter uma história do samba, não deixar a chama se apagar, mas sempre com toque de modernidade, que entendem que o gênero é uma referência nacional.

Você já gravou em Cuba, tocou na Copa do Mundo da Rússia, veio recentemente de uma turnê pelos Estados Unidos. Tirando por base esses países com culturas bastante particulares, como o samba é visto pelo mundo?
Na verdade, sou um mensageiro dessa história e tenho uma missão a cumprir. Já tive outras oportunidades de viajar o mundo, com o Hamilton de Holanda fui para outros dez países e entendi que o meu dever é justamente fazer com que a música chegue o mais longe possível, em todo o mundo. Eu apenas quero levar essa mensagem de amor, de um ritmo tão rico, tão lindo que é o samba, para onde puder. Viajar o mundo é romper fronteiras para levar a música brasileira.

Eu citei os três países porque tenho a impressão de que o samba ainda é visto lá fora como nos anos 1960, no auge da Bossa Nova. Você acredita que continua sendo encarado dessa forma?
A Bossa Nova marcou uma época muito forte. Mas o Brasil é reconhecido atualmente, lá fora, por conta desse ritmo que se chama samba. Todos os lugares para onde viajei foram muito receptivos. Sempre fui bem recebido, não só pelos brasileiros mas pelo povo local. Então acredito que esse gênero, que a nossa batucada, que o balanço do samba fazem com que a gente atravesse fronteiras e seja bem recepcionado.

Sendo um homem branco, artista, como você foi recebido ao adotar o candomblé como religião?
Fui recebido de uma forma maravilhosa, independentemente dos meus olhos azuis ou da minha cor, porque na verdade não existe cor na minha religião, apesar de ser de matriz africana. A comparação de cor é algo criado pelas pessoas, e as minhas origens são todas de matrizes africanas — minha conduta, o que faço, o próprio samba. Todos partem das rodas de samba, que veio do terreiro. É muito forte essa presença na minha alma e no meu coração.

Durante a pandemia você viralizou com as suas lives de culinária, lançou um livro de sucesso (Diogo na Cozinha). O quanto esse tema ocupa da sua vida atualmente e o que significa para você?
A culinária tem tudo a ver com o que falei sobre o samba, sobre a minha religião, o modo como fui criado. Cresci em ambiente em que as festas, as reuniões, começavam na cozinha. Não tinha como não aprender a cozinhar. Aprendi muito com a minha mãe, aprendo até hoje, aprendi bastante com meu pai, que também gostava de cozinhar, aprendi com a minha avó, então está muito dentro de mim. Apenas coloquei para fora em um momento difícil para todos. Foi a forma que encontrei de poder seguir o que faço no palco por meio de telas, e é o que gosto de fazer quando estou de folga — montar um prato bacana para a minha família e amigos. Na minha casa as reuniões também começam e terminam na cozinha. Todos na minha família cozinham; além de mim, minhas três irmãs. Isso vem de tradição igualmente do samba. Onde tem roda de samba, pode ter certeza que vai ter um caldinho, uma comidinha.

Recentemente, em Caruaru (PE), você falou para o público: “Obrigado por terem tirado aquela besta do poder”, referindo-se a Jair Bolsonaro. Gostaria de saber quais são seus freios e o que você não consegue segurar?
Vivemos durante quatro anos um momento muito ruim, e ainda há pessoas que ou não perceberam ou são igualmente ruins. Às vezes não consigo segurar, e aquele foi um momento em que eu estava muito emocionado. Não podemos admitir uma ditadura, pessoas morrendo com vacina pronta para salvar vidas e negada ao povo. Não podemos admitir que vacina vire um comércio, para que alguns se aproveitem do dinheiro com milhões morrendo, passando sufoco, sem ar. Esse negacionismo estava entalado e eu não aguentava mais. Foi o povo nordestino quem mais votou contra o negacionismo, então naquele momento eu estava emocionado. E quando falei aquilo, dez mil pessoas ovacionaram. Obviamente, caiu na rede social dos infelizes e viralizou. Só que meu posicionamento político está no que canto, na arte que faço, nas entrevistas, basta prestar atenção. Não podia deixar de fazer aquilo, e faria novamente sem medo algum. A gente precisa de um País com dignidade, com escola, saúde e cultura. Sem essas três bases, não existe um país.

“Estou do lado de quem defende a democracia”, diz o sambista Diogo Nogueira
“Meu pai (João Nogueira) era um personagem incrível: um carioca autêntico e malandro de calçada” (Crédito:Márcia Zoet)

Você chamou o ministro Luís Roberto Barroso ao palco para cantar durante a posse dele como presidente do Supremo Tribunal Federal. É o que se refere a posicionamento político?
O Luiz Barroso é um cara incrível. Ele defende a democracia e estou do lado de quem defende a democracia.

Você protagoniza com a Paolla Oliveira um casal onde os dois são ícones nas respectivas áreas de atuação. Existe algum código entre vocês ou levam a relação na naturalidade?
Nós vivemos a vida, somos pessoas simples e gostamos da simplicidade. Gostamos da família, dos amigos e vivemos intensamente. Não existe um método entre nós ou algum protocolo de comportamento. Vivemos o que temos para viver e só.

Você representará seu pai em espetáculo musical que retrata a vida dele. Pode falar mais sobre o projeto e outros que estão no radar?
Digo que o representarei porque meu pai era um personagem incrível: um carioca autêntico e malandro de calçada, no bom sentido. Foi um cara que viveu intensamente mesmo. Sempre muito acolhedor, protetor. Um dos motivos de eu estar sempre o reverenciando é a falta que sinto dele. Só que fazer um musical em homenagem a esse cara será muito difícil, porque vem a lembrança, passa um filme na cabeça. Há também as histórias que só fui conhecer depois. Serão vinte e quatro horas por dia de emoção. Daqui a um ano lanço o volume dois do Sagrado, e depois é montar um show e viajar pelo Brasil.