Técnicas artesanais como a renda e o crochê estão em alta, invadindo passarelas, feiras de design e coleções de lojas de artigos para casa. O Brasil e sua ancestralidade parecem nunca terem sido tão priorizados na moda e na decoração como nos dias atuais. A opção pelos processos na confecção de roupas, quadros, tapetes e obras de arte vai além da beleza, versatilidade e ciclicidade das tendências. Seu uso tem a ver com desenvolvimento econômico, valorização da cultura brasileira e até com a saúde mental das responsáveis pela manutenção do conhecimento que compõe a história e cultura do País.

O grupo das Rendeiras da Aldeia resgata a técnica da Renda Renascença — nascida na Itália no século XV — na cidade paulista de Carapicuíba.
A marca Catarina Mina acaba de estrear na São Paulo Fashion Week, destacando o trabalho de artesãs do Ceará.
Até 2025, a renda clássica estará de volta aos vestidos de noiva, segundo a organização do evento Casar.com.
Famosas como a cantora Marina Sena, a atriz Giovanna Lancellotti e a modelo Raica Oliveira desfilam looks que priorizam os trabalhos manuais — alguns desenhados pela estilista Helô Rocha, que, com as bordadeiras de Timbaúba dos Batistas, no Rio Grande do Norte, vestiu a socióloga e primeira-dama Janja Silva na posse de Lula e em seu casamento.

Série “Rendando Histórias”: artesãs de Carapicuíba (SP) homenageiam a festa do cavalo marinho da zona da mata pernambucana (Crédito:Divulgação )

“A renda não é apenas uma forma de artesanato, mas também um símbolo de identidade cultural”, diz Núbia Esteves, rendeira e desenhista do Rendeiras da Aldeia. No grupo estão 12 mulheres que perpetuam a tradição trazida ao Brasil por freiras francesas, a sete chaves, mas disseminada pela paraibana Elza Medeiros em Pernambuco a fim de aumentar a renda dos afetados pela seca da década de 1930.

Em outra estiagem, nos anos 1980, a técnica artesanal chegou à Aldeia de Carapicuíba pelas mãos da migrante Wilma da Silva, nomeada mestra da Renda Renascença pelo Ministério da Cultura em 2007.

Coleção “Rendar para Guardar”, em colaboração com a estilista Luísa Luz: Renda Renascença só no bolso, para tornar peças acessíveis (Crédito:Studio Tertúlia)

Na Aldeia, a Renda Renascença segue sua natureza de garantir o sustento da comunidade, fortalecer laços sociais e perpetuar uma tradição cultural importante para as gerações futuras. Além do turismo e desenvolvimento econômico local, as Rendeiras da Aldeia têm entrada em grandes eventos do design nacional, como a Feira na Rosenbaum, e criam peças em colaboração com estilistas.

É o caso da coleção “Rendar para Guardar”, que teve colaboração da mineira Luísa Luz. Ela considera urgente a valorização do feito à mão em detrimento de uma moda pasteurizada de tendências importadas — além da elevação do artesanato à categoria de arte: “As pessoas não se importam com gastar muito dinheiro em uma bolsa de grife ou roupa de marca, mas se incomodam com pagar por uma roupa feita de Renda Renascença, que às vezes demora meses para ser confeccionada.” Uma peça de 30cm2, por exemplo, chega a levar 80 horas para ser bordada.

As “Guardiãs da Memória”: técnica do labirinto é usada na confecção de roupas e joias (Crédito:Thiago Brito)

Para as rendeiras, o retorno a tais processos tem a ver com a busca por uma “experiência tátil” em plena era digital. “A renda e outros trabalhos artesanais oferecem uma alternativa sensorialmente rica em um mundo cada vez mais virtual”, diz Lucilene Silva, coordenadora geral e idealizadora do coletivo.

A manualidade vem ganhando passarelas como as da São Paulo Fashion Week. Na sexta-feira 12, a marca cearense Catarina Mina, fundada por Celina Hissa, homenageou 450 artesãs de 31 comunidades do estado. Filé, bilro, labirinto, palha de carnaúba, fibra de croá, bordado e crochê tecido por elas foram combinados com seda e linho em 40 looks no desfile “Guardiãs da Memória”.

Rendas de bilro: estaca de madeira para o entrelaçado no Trairi, no Ceará (Crédito:Divulgação )