Imagine seu filho de 15 anos a bordo de um avião, acompanhado da avó, em uma sonhada viagem para os Estados Unidos. Ele vibra com a ideia de mergulhar em uma nova cultura e aprimorar o domínio de uma língua estrangeira em um país civilizado. Tudo parece esplêndido até o instante do desembarque. O sonho então vira pesadelo. Seu filho é preso, acusado de imigração ilegal. Não importa que ele tenha visto e nem que, mesmo acompanhado da avó, porte uma autorização dos pais para viajar ao exterior. Aos olhos da imigração americana, ele não pode ter outro destino senão uma cela. É então enviado ao abrigo do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, em Chicago. Ali, a dinâmica é semelhante à de uma prisão. As roupas são substituídas por uniformes numerados. Os objetos pessoais, como livros e celulares, confiscados. O suspeito de imigração ilegal é submetido a uma série de procedimentos de higiene e obrigado a tomar vacinas. O contato com a família é restrito, limitado a dois telefonemas por semana. As autoridades diplomáticas do Brasil sequer ajudam para tornar seu calvário menos terrível. O desespero toma conta dos pais que, do Brasil, acompanham tão atônitos quanto impotentes o destino incerto do filho. Poderiam se passar semanas e até meses antes de a Justiça americana decidir libertá-lo e devolvê-lo à família.

“É tudo muito confuso e angustiante. Mesmo com o pai lá ele teve de voltar ao abrigo” Cristina Fraga, mãe de Vitor

Foi esse tratamento brutal que o estudante Vitor Fraga, 15 anos, recebeu no aeroporto de Houston, no Texas, onde faria uma conexão para São Francisco, na Califórnia. O adolescente de Niterói, Rio de Janeiro, foi levado ao abrigo na quinta-feira 10, após longas horas de espera, pânico e desinformação. Na quinta-feira 17, após um acordo de retorno voluntário ao Brasil, Vitor recebeu sua sentença: ele seria escoltado por policiais até o voo de regresso e ficaria impedido de solicitar um novo visto de entrada nos EUA pelos próximos cinco anos. Um sonho transformado não só em pesadelo, mas em um castigo cruel.

ACORDO Vitor e o pai Renato Fraga: EUA aceitaram proposta de retorno voluntário ao Brasil (Crédito:Divulgação)

Enquanto Vitor esperava que seu destino fosse decidido por um juiz americano, no Brasil seus pais reuniam esforços para amparar o garoto. Na quarta-feira 9, o pai Renato Fraga embarcou para encontrar o filho e provar que o menino tem familiares, condições financeiras e não pretendia entrar nem viver ilegalmente nos EUA. Ele havia sido matriculado em uma escola pública pela madrinha, que vive em São Francisco. Segundo a família, aproveitaria para praticar inglês. “Era uma forma de estudar sem precisar pagar. A grande verdade é essa, mas nunca imaginamos que isso fosse acontecer”, afirma o pai.

A mãe, Cristina Fraga, que é advogada, diz que o responsável legal por seu filho no abrigo agendou um encontro entre pai e filho em um escritório fora dali. Nem mesmo depois que a Justiça dos EUA decidiu que Vitor poderia voltar ao Brasil o sofrimento da família terminou. “Ele voltou ao abrigo, mesmo com o pai lá. É algo muito angustiante”, diz a mãe.

Para a advogada de imigração Ingrid Baracchini, a existência de visto não garante a entrada em território americano. “Caso eles verifiquem que a criança afirma viajar por um motivo e descobrem outra finalidade, ela é levada a um abrigo sob custódia do Estado até que seja marcada uma audiência para averiguar se houve fraude migratória”, afirma.

A advogada Renata Castro Alves, que trabalha na Flórida, diz que nos últimos anos houve uma explosão no número de brasileiros com planos de usar o visto de turista para ficar no país. “Hoje temos leis migratórias mais rígidas, um governo anti-imigrante e uma tecnologia mais avançada para detectar irregularidades”, diz. Os casos de jovens brasileiros detidos na imigração começaram a chamar a atenção do Itamaraty no ano passado. De acordo com as estatísticas, em 2013 foram registrados apenas seis casos de menores detidos. Em 2014, 11 ocorrências. Já em 2015, foram 30 — e apenas no primeiro semestre do ano passado o número havia saltado para 100. “É um problema muito novo e a única explicação é a enorme quantidade de famílias imigrando”, afirma Luiza Lopes da Silva, diretora do Departamento Consular e de Brasileiros no Exterior.

As jovens Anna Beatriz Teóphilo Dutra e Anna Stéfane Radeck, ambas de 17 anos, foram detidas pela Imigração e levadas ao abrigo de Chicago. Anna Beatriz passaria algumas semanas com uma amiga em Boston, mas teve o trajeto interrompido no aeroporto de Detroit, em Michigan. “Ela chegou a falar que aproveitaria para treinar o inglês e houve um mal entendido. A primeira interpretação deles já sentencia o adolescente”, diz Leide Teophilo, mãe da garota. Depois do primeiro telefonema, ela perdeu contato com a filha. Em nenhum momento os oficiais da imigração procuraram a família. Toda a comunicação era intermediada pelo consulado brasileiro. Após 15 dias no abrigo, onde teve de se submeter ao tratamento ríspido dos agentes, sem poder usar sabonete e xampu, Anna Beatriz obteve a liberação para retornar ao Brasil. O episódio a deixou traumatizada. “Ela passou três meses dormindo na minha cama e não tinha mais vontade de voltar aos EUA.”

Entrada mais difícil

Anna Stéfane sofre até hoje os efeitos psicológicos da detenção. Também barrada em Detroit, ela passou o dia de seu aniversário de 17 anos, 26 de agosto, no abrigo de Chicago. “Quando a encontramos, ela estava febril, pálida e muito assustada”, afirma Liliane Carvalho, mãe da adolescente. Na audiência, a juiza chegou a se desculpar pelo impedimento. O caso também foi resolvido após um pedido de retorno voluntário. “Ela tem pesadelos até hoje e desenvolveu síndrome do pânico.”

Dias depois de Anna Stéfane ter sido barrada, outra jovem brasileira foi detida e levada para o mesmo lugar. A modelo Lilliana Matte, 17 anos, estava legalmente em Miami com a mãe Anaíde Matte havia quatro meses. Ambas pretendiam viajar para as Bahamas com amigos e familiares, mas a mãe não pode acompanhá-la porque iria à Venezuela fazer uma cirurgia de olhos. Ao retornar sozinha, a jovem foi barrada no aeroporto de Miami por viajar sem a autorização do responsável. Depois de três dias no aeroporto, a garota foi levada para Chicago. “Ela não entendia a arbitrariedade da situação, chorava quase sempre”, diz a mãe, lembrando que falava com Liliane apenas duas vezes por semana. “Sabemos que para qualquer criança é uma situação muito traumática”, diz Luiza, a diretora do Departamento Consular e de Brasileiros no Exterior. Segundo ela, qualquer discrepância nas informações é motivo de investigação. Nos últimos anos, os EUA passaram a atuar contra o tráfico de crianças de forma contundente. Por isso, diante de qualquer suspeita de serem vítimas dessa prática, crianças e adolescentes são levados aos abrigos até que sejam comprovados os vínculos com os responsáveis.

Com a posse de Donald Trump, defensor de políticas anti-imigratórias, o número de jovens brasileiros presos nos EUA tende a aumentar. As regras para a emissão e renovação do visto já estão mais rígidas, com presença física exigida durante a entrevista. “Todas as pessoas que viajam aos Estados Unidos têm a responsabilidade de certificarem que estão com o visto apropriado”, afirmou a Embaixada dos EUA no Brasil em nota a ISTOÉ. “Eles estão desenvolvendo métodos mais refinados de detectar os casos em que as pessoas pretendem permanecer no país.”, afirma Ingrid. “A ideia é diminuir o número de impedimentos, evitar prejuízo aos cofres públicos americanos tornando ainda mais difícil o processo de entrada no país.”

“Todas as pessoas que viajam aos Estados Unidos têm a responsabilidade de certificarem que estão com o visto apropriado” Comunicado da Embaixada dos EUA no Brasil

Para Luiza, do Itamaraty, muitos brasileiros deixarão de optar pela via legal, o que deve gerar casos dramáticos como o de Rhian Carlos Viana de Paula, de 12 anos, que em setembro de 2016 ficou por quatro meses detido em Chicago. “Não tínhamos informações sobre quando ele deixaria aquele lugar. Foi um processo muito demorado e doloroso para um menino tão novo”, diz Elizângela Fagundes Viana. Essas crianças terão entraves para entrar novamente nos EUA ­ — e o peso traumático das lembranças dos dias de isolamento na prisão.

Colaborou Priscila Carvalho