Por Lisandra Paraguassu

BRASÍLIA (Reuters) – Os governos estaduais esperam que o Ministério da Saúde reveja a nota técnica que suspendeu a vacinação no país de adolescentes entre 12 e 17 anos sem comorbidades, ou o caminho da discussão deve ser a Justiça, para que seja garantido o repasse de vacinas por parte do governo federal.

“Ao longo dos dois próximos dias, caso não seja revista essa posição do ministério, Estados e municípios devem judicializar a questão para garantir o aporte das doses necessárias para que seja completada a vacinação. As razões de interesse público são explícitas e estão postas”, disse à Reuters Nésio Fernandes, vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e secretário do Espírito Santo.

A expectativa é que haja uma mudança de posição depois da reunião desta sexta da Câmara Técnica Assessora de Imunização Covid-19 (CTAI), formada por representantes dos Estados, municípios, do próprio ministério e por especialistas na área.

“O que esperamos é que a Estados decidiram manter a vacinação de adolescentes, ao menos até completar o cronograma previsto –caso do Distrito Federal, que pretende continuar com a faixa etária até 14 anos, mas não avançar. Algumas capitais, no entanto, como é o caso de Florianópolis, suspenderam, mesmo que o Estado tenha mantido.

A decisão de suspender a vacinação foi tomada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, na quarta-feira, sem consulta aos Estados e municípios, aos técnicos do próprio ministério ou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável por liberar o uso dos imunizantes no Brasil e por investigar possíveis efeitos adversos.

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A Nota Técnica, divulgada na manhã de quinta-feira, foi repassada aos secretários por mensagem às 22h de quarta-feira, e causou espanto e confusão nos Estados, já que a maioria avança rapidamente para vacinar todos os adolescentes até 12 anos. Mais do que suspender a recomendação, Queiroga, em entrevista na quinta, disse que os adolescentes não deviam receber nem mesmo a segunda dose da vacina, caso já tivessem recebido a primeira.

Em meio a reclamações de que os Estados aceleraram a vacinação e não respeitaram o Programa Nacional de Imunizações, o ministro levantou suspeitas sobre supostos riscos de aplicação das vacinas e chegou a dizer que a Organização Mundial de Saúde não recomenda a vacinação de adolescentes –na verdade, a OMS apenas diz que essa faixa etária não é prioritária, mas pode ser vacinada quando a imunização dos adultos estiver adiantada.

Queiroga citou ainda o caso de uma adolescente de 16 anos que teria morrido em São Bernardo do Campo na mesma época em que tomou a primeira dose da vacina da Pfizer, mas ele mesmo admitiu que não há evidências, no momento, de que a morte tenha sido causada pela vacina.

Em nota, a Anvisa informou que investiga o caso mas os dados ainda são preliminares para que se faça qualquer relação. Além disso, a agência reafirmou que não há evidências que justifiquem uma mudança na autorização para vacinação de jovens nessa faixa etária.

Nesta sexta, a Secretária de Saúde do Estado de São Paulo informou em nota que concluiu que a adolescente tinha uma doença autoimune e destacou que o imunizante não foi a causa provável do óbito.

As vagas justificativas para a abrupta mudança –o próprio ministério, em nota técnica anterior, previa o início da vacinação de adolescentes sem comorbidades a partir de 15 de setembro– não convenceram, e Queiroga admitiu que o presidente Jair Bolsonaro –conhecido por, constantemente, levantar suspeitas sobre as vacinas contra Covid-19– havia lhe telefonado para questionar o uso de vacinas em jovens.

“O presidente me cobra todo dia essas questões de vacinação, sobretudo com essa questão dos adolescentes”, disse. “O presidente é muito preocupado com o futuro do país. Hoje mesmo ele me ligou. ‘Queiroga, olha aí’. ‘Sim senhor, presidente, pode ficar tranquilo que vamos olhar isso aqui com cuidado'”, disse Queiroga na quinta-feira.

Mais tarde, na live tradicional com Bolsonaro, Queiroga confirmou a conversa.

“O que o Ministério da Saúde fez? Na nota técnica 40 da Secovid (Secretaria de Enfrentamento à Covid-19), retirou os adolescentes sem comorbidades. O senhor tem conversado comigo sobre esse tema e nós fizemos uma revisão detalhada no banco de dados do DataSUS”, justificou.

O próprio presidente confirmou a conversa. Apesar de dizer que seu ministro não era obrigado a seguir o que ele dizia, afirmou que passou a Queiroga “um sentimento”.

“Eu levo para ele o meu sentimento, o que eu leio, o que eu vejo, o que chega ao meu conhecimento. Você pode ver como está a situação: a OMS é contra a vacinação entre 12 e 17 anos”, disse Bolsonaro, repetindo a informação errada em relação à OMS.


“A Anvisa, aqui no Brasil, é favorável à vacinação de todos os adolescentes com a Pfizer. É uma recomendação. Você é obrigado a cumprir a recomendação?”, disse.

Bolsonaro voltou a questionar a eficácia das vacinas e a repetir que vacinas em uso emergencial não tem comprovação científica, o que não é verdade, mas não foi corrigido pelo ministro.

O vice-presidente do Conass insistiu que o ministro precisa ouvir os especialistas.

“Temos um presidente que defende posições negacionistas, antivacina, ele não está habilitado para se apresentar como consultar de vacina”, disse Nésio Fernandes. “O ministro precisa ouvir especialistas.”

Entre especialistas, a avaliação foi unânime de que o decisão do ministério está errada.

Em nota, a Sociedade Brasileira de Infectologia afirmou que “os benefícios da vacinação de adolescentes superam substancialmente os riscos”, lembrando que a incidência de casos de miocardite ou de pericardite registrados até hoje são de 16 em 1 milhão –muito menos do que a incidência em quem teve Covid-19.

Os especialistas afirmam ainda que, para o Brasil chegar a 90% da população total vacinada –índice para que se controle a epidemia em meio ao crescimento da variante Delta– é preciso incluir os adolescentes.

“A vacinação de adolescentes, além de reduzir os desfechos graves, ajuda a diminuir a circulação do vírus na população em geral e a interrupção de aulas”, escreveu no Twitter a doutora em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Catarina Alexandra Boing.

A pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), Margareth Dalcomo, afirmou que Estados e municípios deveriam fazer um ato de “desobediência cívica” e ignorar a decisão do ministério.

“Foi um grande equívoco e merecia um harakiri em praça pública”, disse. “Lutamos tanto para conseguir a vacinação de adolescentes e esperamos que isso seja revertido.”

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