Estados em crise e que decretaram calamidade financeira estão entre os que apresentam as maiores disparidades entre os dados declarados ao Tesouro Nacional e as informações levantadas pela própria União, um indício forte da maquiagem nas contas avalizada pelos próprios Tribunais de Contas dos Estados (TCEs). Dos cinco Estados com maior disparidade, três – Minas, Rio e Goiás – já decretaram calamidade financeira.

Para tentar interromper essa prática, o Tesouro passará a cobrar uma contabilidade minuciosa das despesas de todos os poderes, incluindo auxílios, bônus e outras vantagens pagas aos servidores – um nível de detalhe inédito. Na contabilidade de alguns Estados, esses “penduricalhos” não entram na conta de gastos com salários, maquiando, portanto, uma exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que determina desembolso máximo de 60% da receita com esses pagamentos.

Com a chamada “Matriz de Saldos Contábeis”, Estados e municípios deixam de repassar dados meramente declaratórios sobre seus gastos. Eles são agora obrigados a enviar informações de sua própria contabilidade, o que dará ao Tesouro ferramentas para fazer diversas análises sobre os gastos e expor as divergências.

O sistema já está em funcionamento desde 2018, mas neste ano a cobrança será mais rigorosa, incluindo um “ranking” dos governadores e prefeitos que dão mais transparência a seus gastos nessa plataforma. O projeto é considerado um aliado essencial na tentativa de dialogar com os TCEs para rever interpretações da LRF que permitiram o aumento dos gastos com pessoal e estão por trás da crise financeira que já levou sete Estados à calamidade financeira.

Como já mostrou o Estadão/Broadcast, os Tribunais de Contas negociam o fim das maquiagens que retardaram o diagnóstico da real situação fiscal dos Estados, a partir de um acordo com Tesouro, a Atricon (associação dos membros dos tribunais) e o Instituto Rui Barbosa (a escola de contas das cortes). A primeira reunião ocorre nos dias 6 e 7 de fevereiro em Brasília, com participação de 21 dos 33 tribunais.

O Tesouro comparou os dados extraídos a partir da contabilidade dos Estados e os declarados pelos próprios governos estaduais em um relatório do 4.º bimestre de 2018. No caso do Rio, apenas 9,4% das quase 1,4 mil informações bateram nos dois critérios. Mesmo com um desconto de arredondamento do Tesouro, esse índice fica em 45% – ou seja, mais da metade das informações ainda tem discrepâncias.

Em Minas, que esbarra justamente na contabilidade para conseguir aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, programa de ajuda financeira aos Estados, apenas 18,9% dos dados batem, mesmo já retirando diferenças de arredondamento. Em Goiás, o índice é de 32,87%. Procurados, o Rio informou que, a partir deste ano, vai enviar os dados com base na Matriz de Saldos Contábeis. Minas e Goiás não retornaram os pedidos da reportagem.

Exposição. Com o novo mecanismo, segundo a subsecretária de Contabilidade Pública do Tesouro Nacional, Gildenora Milhomem, a constatação de que não só os Estados e municípios, mas também os Tribunais de Contas ficarão expostos tem sido um incentivo adicional para que os conselheiros aceitem abrir o diálogo. “Os tribunais, ao longo de muitos anos, foram omissos e até permissivos para que se chegasse a essa situação de déficit fiscal nos Estados.”

Ela lembra que o Rio Grande do Sul, outro em calamidade financeira, também esbarra na contabilidade para aderir ao programa de socorro federal. Ao seguir as resoluções do TCE-RS, o governo gaúcho acaba descumprindo a LRF. O TCE-RS informou ter criado em agosto de 2018 um grupo interno para reavaliar suas normas. “Esse grupo deve concluir seus trabalhos em maio de 2019”, diz o Tribunal. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.