A sala mede apenas 65 m² de área, mas a dimensão do material que abriga é infinita: estão ali, cuidadosamente alojados, cerca de 6 mil itens do acervo do cantor Renato Russo – um número surpreendente, pois se acreditava que era metade disso. São manuscritos, instrumentos musicais, roupas, pôsteres, móveis, quadros, um material que ajuda a reconstruir a intimidade e o modo feérico do líder da banda Legião Urbana, que completaria 61 anos neste sábado – morreu jovem, em outubro de 1996, com apenas 36 anos.

“É um material fascinante, rico, que traduz muito da mente efervescente de Renato”, comenta a produtora Bianca De Felippes, da Gávea Filmes, que prepara um documentário e uma minissérie a partir do acervo do cantor e compositor. Na terça-feira, 23, o Estadão acompanhou a primeira visita feita por ela ao vasto material, guardado na Clé Reserva Contemporânea, empresa localizada em Barueri e especializada na armazenagem de obras de arte. Ainda que íntima da trajetória do cantor e compositor – já produziu dois filmes, Faroeste Caboclo (2013) e Eduardo e Mônica (sem data de estreia por causa da pandemia), além de Renato Russo – O Musical, que já completa 15 anos de sucesso, com previsão de volta a São Paulo em julho, no CCBB -, Bianca continua se surpreendendo.

Na visita, demorou-se para observar as anotações de alguns dos 29 diários que Renato escreveu entre 1975 e 1996 – o manuseio era feito por Renata Tsuchiya, historiadora e museóloga que, desde janeiro, é responsável pela catalogação do acervo. “Cerca de 90% do material já foi examinado e classificado”, orgulha-se ela que, como manda o figurino, utiliza luvas para tocar nos artigos.

Os diários permitem descobrir o estado de humor de Renato no momento da escrita, mas principalmente sua linha de raciocínio e a evolução criativa. “Quando escrevia uma letra de música, se fosse acrescentar algo, ele não rabiscava ou fazia anotações laterais – preferia escrever tudo de novo, agora com o acréscimo”, observa Renata. Assim, nesse processo passo a passo, é possível notar que a letra de uma de suas mais famosas canções, Eduardo e Mônica, originalmente era mais extensa e incluía passagens como uma viagem à Índia, que acabaram excluídas no texto final.

Pelos diários ainda, que são cadernos universitários com espirais, Renato exibia sua afiada conexão com o mundo do rock estrangeiro, mencionando bandas como Buzzcocks e Public Image Ltd. Leitor voraz, usava a literatura como fonte de inspiração (Rimbaud, Auden, Bukowski), além de se apoiar na espiritualidade e na astrologia, com citações de mapa astral e holística.

As paredes do espaço que acondiciona seu acervo também revelam suas paixões cinematográficas, como os cartazes de filmes que esbanjam sensualidade, como Atame!, do espanhol Pedro Almodóvar, e Betty Blue, do francês Jean-Jacques Beineix – de quebra, uma bela foto do italiano Pier Paolo Pasolini filmando na África. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.